- Dar crédito para quem realmente movimenta a economia, que são as pequenas e médias empresas, virou uma obsessão para o BNDES
- Conversei com o Gustavo Montezano, presidente da instituição que está promovendo uma verdadeira revolução. Confira a entrevista
Quando começou a crise causada pela pandemia da covid-19, o mercado sabia que as grandes empresas teriam como absorver os problemas que viriam com a restrição de mobilidade. As empresas menores, porém, não tiveram escolha. A solução veio com uma atuação forte do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para garantir crédito para as pequenas e médias empresas. Em 2020, foram mais de R$ 130 bilhões.
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A ferramenta principal para viabilizar isso foi um fundo garantidor, o FGI PEAC, responsável por liberar R$ 92 bilhões para apoiar milhares de MPMEs brasileiras. Nestes tempos de incertezas, dar crédito para quem realmente movimenta a economia, que são as pequenas e médias empresas, virou uma obsessão para o BNDES.
Conversei com o Gustavo Montezano, presidente do BNDES, que está promovendo uma verdadeira revolução no comando da instituição financeira. Confira a entrevista logo abaixo, e para mais conteúdos como esse, além de relatórios, matérias e o que você precisa para tratar bem o seu dinheiro, basta entrar no nosso grupo de WhatsApp clicando aqui.
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Para começar, o que é o BNDES? Qual a importância dele para o Brasil?
O BNDES, na essência, é um banco de atacado, de segundo piso. O banco não tem agência, não tem varejo, mas ajuda a projetar e modelar o desenvolvimento do País e fazer financiamento como consequência disso. O BNDES financia estrada, hidrelétrica, ponte, porto, a industrialização do Brasil, a abertura de exportações. O banco passou por todo esse processo como um grande financiador do crescimento brasileiro.
O que estamos vivendo com a pandemia e toda a temática socioambiental, guardadas as devidas proporções e as diferenças temporais, podemos dizer que vamos entrar no “pós-guerra”. Estamos passando por um momento de remodelagem, reposicionamento dos bancos de desenvolvimento no mundo inteiro. Os bancos estão ganhando protagonismo, estão sendo demandados pelos seus países.
Esse renascimento dos bancos de desenvolvimento está acontecendo de uma forma diferente do que era no passado. Quando você olha para trás, aí vou voltar 20, 30, 40 anos, qual que era o grande gargalo para o desenvolvimento? Recurso, grana. No começo desse século, com a redução dos juros americanos e europeus, a função desses bancos começou a ser questionada. O alongamento de prazos dos financiamentos privados e a redução de juros tornou esse dinheiro longo e um pouco “commodity”.
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Então, existia esse banco que era basicamente um provedor de capital de longo prazo, a custo baixo, mas ele passou a ser substituído pelo privado. Diante disso, por que eu preciso de um banco de desenvolvimento? Isso começou a ser questionado no mundo inteiro.
E aqui no Brasil ainda mais, já que criamos um subsídio maluco, que se incrementou muito a partir de 2008 por causa da crise econômica mundial. Naquele momento, teve um movimento legítimo de atuar anticiclicamente. Só que botaram o pé no acelerador e isso causou toda a questão fiscal que já conhecemos, envolvendo as pedaladas fiscais etc.
Isso atrasou muito a infraestrutura e a indústria brasileira. Quando você tem um bancão, monopolista, que distribui subsídio pesado para grandes empresas, qualquer projeto de grande porte no Brasil para ficar de pé tem que ser aprovado por esse banco. Então, se você tivesse um modelo de infraestrutura industrial baseado em um único pilar que é o BNDES, e se isso cai, o negócio não fica de pé.
Era mais importante fazer o lobby político do que mitigar risco, inovar, empreender. Isso é o custo que a gente está sanando desde 2016. Quando o Temer chegou e assumiu, eles começaram a tirar esses subsídios do BNDES. O governo federal começou a tirar o subsídio naquele ano e vai zerar apenas no fim deste ano.
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A gente sabe que o que movimenta o País, majoritariamente não são as grandes empresas, mas o pequeno e o médio empresário. Por que bilhões de reais eram concentrados em grandes empresas, algumas vezes até em quase monopólios?
Se você somar os empréstimos que a gente deu ao longo de quase 15 anos, para JBS e Odebrecht, para esses grupos econômicos, a valor de hoje, corrigido pela inflação, isso soma quase R$ 100 bilhões. Você pega esses dois grupos econômicos apenas, que eram relevantes no Brasil, e que ao longo de anos pegaram o financiamento do BNDES, é muita concentração. E isso era justificado por uma política econômica dos ‘campeões nacionais’.
Havia uma teoria econômica que defendia que se a gente tivesse grandes ‘campeões nacionais’ que fossem para fora do Brasil, iria consolidar mercados internacionais e o Brasil seria um país forte. Mas para ser ‘campeão nacional’ e usando uma expressão política, possivelmente era necessário ser amigo do rei. Diante disso, você gera um ambiente muito pouco competitivo.
Voltando à pergunta: por que o subsídio era para a grande e não para a pequena empresa? Os economistas fizeram essa pergunta por 15 anos. Ninguém nunca entendeu. Se houver a necessidade de uma política de subsídio, que ela seja para a micro e pequena empresa. Que a multiplicação daquele efeito de R$ 1 na cadeia lá embaixo, na população, em produtividade, inovação, emprego é infinitamente maior do que é para grande empresa.
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Agora, durante crise causada pela pandemia, fizemos essa transição. Migramos do ‘campeão nacional’ para o herói nacional. Pegamos aqueles recursos, os subsídios que até então eram dedicados aos grandes historicamente no Brasil, e botamos no pequenininho. O impacto disso é que se você pegar uma curva de estoque de crédito para pequena e média empresa, nos últimos dois anos, aumentou mais de 50%. A ferramenta principal para viabilizar essa ponte foi um fundo garantidor para pequenas e médias empresas, o FGI PEAC. O produto, até então pouco expressivo, foi responsável por irrigar R$ 92 bilhões a milhares de pequenas e médias empresas brasileiras.
Na prática, por exemplo, vamos imaginar que eu sou o João da padaria. Vamos comprar só uma nova máquina de pão. Como é que chega na última milha?
O banco não tem varejo, não tem agência. E na minha visão não tem que ter. Tem que continuar sendo um banco de atacado, de segundo piso. Então, para eu chegar no micro, pequeno e médio, eu preciso de um parceiro. Então, hoje a gente tem mais de 60 parceiros que eles repassam os recursos do BNDES, eles assumem o risco, o cliente é deles e nós damos o funding para eles.
E agora a gente também está vindo com esse produto de garantia, eu estou complementando o meu ferramental tanto funding quanto garantia. E como funciona esse produto de garantia? O governo botou R$ 20 bilhões no fundo, e esse fundo garantiu os 15% de primeiras perdas da carteira dos bancos que emprestaram naquele protocolo. Então o banco foi lá e fez uma carteira de 100, totalmente garantida e o primeiro 15% de perda o fundo assume, dali para baixo é o banco.
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Então, o que que acontece? O banco ganha segurança para emprestar para o pequeno e médio. Ele abaixa significativamente a taxa, pois o risco reduziu. Se você for ver o micro pequeno e médio, no custo total do cliente, a taxa básica de juros, a Selic, é muito menos importante que o spread, que é muito maior. Então, na hora que você bota o subsídio, o cara espreme o spread e baixa muito mais a taxa do que um subsídio de taxa básica.
Mas isso é exigido? O banco não pode colocar a taxa que ele quiser?
Não. Para o produto garantia, não. O que aconteceu? A gente colocou um teto, e todos os bancos ficaram abaixo do teto. Como você gera uma competição de mercado, o mercado começa a dar o preço. E aí, uma vez que aquela carteira é formada, se por acaso, a inadimplência for menor que 15%, o dinheiro volta para o Tesouro. Recicla aquilo de novo. É muito mais eficiente do que um subsídio.
E a taxa de inadimplência?
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O que eu posso dizer é que a taxa de inadimplência que estamos observando hoje é abaixo do que esperávamos originalmente. Quando precificamos os R$ 20 bilhões de seguro de crédito, tínhamos um cenário de inadimplência que não se realizou. A economia voltou melhor do que se esperava.
Olha que legal a história desse produto. Logo que começou a crise o ministro Paulo Guedes falou assim: foca no micro, pequeno e médio. Deixa que o grande, o mercado privado resolve, salvo raríssimas exceções, e ao mesmo tempo não perde de vista de longo prazo. Concessão de infraestrutura, financiamento estruturante que a retomada da economia por ali. E se você for ver isso é uma mudança cultural muito grande no Brasil. O BNDES era o quê? O banco de grande empresa, hospital de grande empresa.
Existe uma pressão enorme aqui. Quando começou a crise de liberar recurso para grande da empresa. Nós falamos não, deixe que o mercado privado resolve. Mesmo as aéreas fizemos proposta, mas propostas que exigiam uma participação mínima de mercado. E aí, como ficou muito caro para acionista, ele preferiu ir para o mercado para se resolver, o que é ótimo. É dinheiro privado, resolvendo um problema privado. Você poupa dinheiro público, energia para focar no pequenininho que não tem acesso ao mercado de capitais.
E aí, tanto os bancos privados aumentaram a carteira com grande empresa quanto o mercado de debêntures bombou no Brasil. Na nossa posição para ajudar o pequeno e médio, a gente fez um benchmark internacional com nossos pares, tentando ver o que os outros bancos de desenvolvimento estão vendo lá fora para atuar durante a crise e o resultado foi muito claro, escancarado. Fizemos tudo basicamente como eles estão fazendo, mas temos em um gap de seguro de crédito.
E não fazia no Brasil, pois é um mercado muito concentrado, então é produto que nunca deslanchou no Brasil. Em vários mercados esse produto de garantia de crédito para a startup, para o pequeno empreendedor. O efeito do subsídio de recurso público impacto no PIB, na renda, na educação, quando é para o pequeno. É muito, infinitamente maior e gera uma mudança estrutural.
O que o BNDES tem feito para reduzir o Estado?
Quando me juntei ao banco, em 2019, já era quase que consenso que o grande gargalo para o Brasil de infraestrutura não é disponibilidade de recursos, de financiamento. O grande gargalo no Brasil para que a estrutura era bons projetos, é você ter uma boa análise ambiental, de engenharia, um bom modelo de concessão, uma boa modelagem financeira, riscos adequados. Fazer esse projeto demanda recurso financeiro, leva um tempo.
E justamente porque passamos muito tempo baseados no subsídio. Ninguém queria fazer o projeto, o cara queria acelerar, sacar logo os recursos, garantir os subsídios e depois fazer o projeto. Não tinha essa cultura de fazer projetos e isso era um problema para o Brasil.
Por isso que começamos a montar, desde 2019, aqui no banco, o que a gente chama de Fábrica de Projetos. São cerca de 200 executivos, aproximadamente, puramente voltados para a estruturação desses projetos: saneamento, rodovia, porto, social, ambiental, tudo que você imagina. Construímos aqui no BNDES o que a gente acredita ser o maior banco de desenvolvimento de projetos do mundo.
E os melhores exemplos é na CEDAE, saneamento em Alagoas, saneamento de Amapá, teve privatização de companhias distribuidoras de energia no Distrito Federal, Amapá, iluminação pública. Então o negócio está começando a dar frutos.
E entre operações já realizadas e a realizar, temos mais de 160 projetos e mais de R$ 350 bilhões de capital mobilizado. Isso que começamos só há dois anos, é um negócio muito grande. O banco não tem só que financiar, tem que financiar, modelar projeto, articular público e privado, inovar em garantias. Esse banco multiplataforma é a visão que temos para o BNDES, que é um banco mais parecido com banco de investimento privado. É o banco de investimentos do Estado brasileiro.
E o banco vem liquidando as ações das grandes empresas? O que já foi feito e o que deve ser feito?
O banco já desinvestiu R$ 80 bilhões, entre vendas da carteira do BNDES e participações minoritárias detidas pelo Tesouro. É desperdício de capital ficar alocando esse risco em ação especulativa no mercado, como Petrobras, Vale, JBS. Nada contra as empresas, são bem geridas, mas botar dinheiro público para especular na Bolsa? Tem que botar o capital para trabalhar, saneamento, rodovia, pequeno empreendedor.
Vamos continuar o que estamos fazendo, dando continuidade a esse desinvestimento e ter uma carteira especulativa zero no BNDES. E continuar fazendo isso de maneira serena, não vamos correr, não vamos afundar o mercado. E se chegar o final do ano e ainda tiver uma pequena posição, e uma nova gestão do banco, esperamos que eles continuem com isso, pois é bom para o BNDES e para o Brasil. Não tem nenhum target para esse ano, é o que o mercado absorver.