- As ações do Nubank começaram a ser negociadas na NYSE no dia 9 de dezembro de 2021, avaliadas em US$ 9 cada – patamar que colocou o banco como a maior instituição financeira da América Latina
- Contrariando a euforia do IPO, as ações desvalorizaram 50% em seis meses
- Agora o Nubank enfrenta o desafio de mostrar ao mercado que sua base de clientes pode ser bem rentabilizada
O analista de desenvolvimento tecnológico Gabriel Petrinelli nunca tinha investido em ações até ficar sabendo que a fintech Nubank estava prestes a se tornar uma empresa de capital aberto no fim do ano passado. O jovem é cliente da instituição financeira e viu ali uma oportunidade de apoiar a empresa que já acompanhava.
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Ele é apenas um dos mais de 7,5 milhões de clientes que, em dezembro de 2021, embarcaram na proposta do Nubank e aceitaram o seu ‘pedacinho’ na oferta pública de ações (IPO) da companhia.
Tratava-se de um BDR (Brazilian Depositary Receipts), o NUBR33 na B3, oferecido aos usuários do banco sem nenhum custo adicional; uma das muitas estratégias do roxinho para atrair a atenção do mercado para sua estreia na Bolsa de Nova York (NYSE).
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Entre esse e outros motivos, o marketing funcionou. As ações do Nubank começaram a ser negociadas na NYSE no dia 9 de dezembro de 2021, avaliadas em US$ 9 cada – patamar de preço suficiente para que o banco fosse avaliado em cerca de US$ 41,7 bilhões, tomando o posto de maior instituição financeira da América Latina naquele momento.
Seis meses depois, o frenesi que atingiu o mercado na ocasião hoje representa uma percepção exagerada do valor da empresa, apontam especialistas. “O Nubank tinha uma grande vantagem que foi entrar em um mercado muito competitivo com uma base muito forte e engajada de milhões de clientes. O mercado pensou que estavam no caminho certo, só precisava monetizar. Apesar de ser uma grande empresa, o valuation estava muito esticado”, pontua Fabio Louzada, economista, analista CNPI e fundador da Eu Me Banco, escola de educação financeira.
Mas alguns fatores na época contribuíram para as expectativas elevadas. Em primeiro lugar, o movimento teve certa influência do grande investidor Warren Buffett, que alguns meses antes do IPO realizou um aporte de US$ 500 milhões no Nubank. “Quando Buffett comprou ações, deu uma certa autoridade e maior confiabilidade ao negócio. Apesar de muita gente estar desconfiada daquele valor de mercado, as pessoas pagaram pelo papel naquele preço”, diz Louzada.
Há ainda um outro fator ligado à macroeconomia: em dezembro de 2021 não pairava sobre o mercado boa parte das incertezas vistas nos últimos meses.
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Recentemente, o Federal Reserve acelerou a trajetória de aperto monetário, elevando a taxa de juros dos Estados Unidos para o intervalo de 0,75% a 1%, em uma tentativa de segurar a maior inflação dos últimos quarenta anos por lá. O cenário tem penalizado as bolsas americanas, em especial os ativos das empresas de tecnologia e crescimento.
“O principal fator daquele otimismo tinha a ver com um cenário externo menos adverso. Agora, o setor de fintechs como um todo está sofrendo com os juros altos”, explica Louzada.
E o Nubank não escapou. As ações fecharam a sexta-feira (3) cotadas a US$ 4,50, uma desvalorização de 50% em relação ao valor de estreia da fintech na bolsa há seis meses.
Os números e desafios dos 6 meses pós-IPO
Alguns investidores, que assim como Gabriel Petrinelli não tiveram nenhum custo financeiro ao adquirir seu BDR, podem não ter pressa com a recuperação da empresa. Ele mesmo confirma: “Não estou arrependido do meu ‘pedacinho’. A desvalorização talvez seja temporária e não muda muito a minha visão. Continuo gostando da empresa”, diz.
Boa parte do mercado, no entanto, vê o cenário com mais ceticismo.
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Rodrigo Lima, analista de investimentos da Stake, explica que, apesar de apresentar um crescimento sólido na base de usuários, o Nubank tem dificuldades em transformar isso em lucro. Por isso as ações estão tão descontadas.
“Quando o IPO foi realizado, a empresa foi avaliada como o banco mais valioso da América Latina. No entanto, depois de não apresentar melhorias na rentabilização de seus clientes, as ações da companhia foram extremamente penalizadas, com investidores preferindo investir seus recursos em outras instituições financeiras mais lucrativas”, afirma.
O IPO colocou o banco criado em 2013 no mesmo patamar que as maiores e mais antigas instituições financeiras do país, mas sem a mesma capacidade lucrativa. “Como o Nubank ainda não conseguiu rentabilizar esses clientes, as ações vêm sem compradores marginais. Não tiveram força para continuar subindo”, diz João Abdouni, analista CNPI da Inv.
Recentemente, outro ponto entrou no radar do investidor, dessa vez quanto à governança da empresa. No final de abril, o Nubank enviou à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) um formulário em que estipulava um pagamento potencial de R$ 804,4 milhões aos integrantes da diretoria executiva do banco para 2022.
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Cerca de 84% do valor separado para remunerar a diretoria executiva iria apenas para o CEO da fintech, David Vélez. O pagamento será realizado apenas mediante um desempenho específico das ações, conforme estabelecido pelo banco. “Nada disso soou bem em um banco que está dando prejuízo”, destaca Abdouni.
O balanço do primeiro trimestre de 2022 do Nubank apresentou uma redução de 9% no prejuízo em relação ao mesmo período do ano passado, além de um aumento na base de clientes.
Houve também recorde de receita, que atingiu US$ 877,2 milhões, um salto de 258% na comparação com os três primeiros meses de 2021.
Ainda assim, há um indicador que segue acendendo uma luz vermelha no mercado: o aumento da inadimplência.
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O cenário de juros em alta encarece a oferta de crédito, uma das principais atividades geradoras de caixa no setor bancário. Com a população enfrentando maiores dificuldades para conseguir arcar com os compromissos financeiros, o risco aumentou. “A companhia conseguiria aumentar margem por empréstimo, só que isso pode ter uma inadimplência alta. O mercado está desconfiando de como o Nubank vai dar crédito de uma forma saudável para um público que, muitas vezes, nunca teve acesso a crédito”, afirma o economista Fabio Louzada.
Se conseguir vencer esse desafio, como promete, o Nubank deve voltar ao status de ‘queridinho’ que adquiriu – e perdeu – desde o IPO. Trata-se de uma empresa nova, recém chegada à bolsa e que ainda pode ter muito a mostrar, ressalta Abdouni, da Inv. “Tem uma série de dificuldades para o Nubank conseguir justificar o valuation da época da abertura do capital e muito trabalho ainda para demonstrar. Mas é um banco muito jovem, que já é o sétimo maior do Brasil em valor patrimonial”, diz.
Quem acredita na tese de investimento da companhia no longo prazo pode aproveitar os preços descontados das ações e adquirir mais um ‘pedacinho’ da companhia. Mas a aposta só vale para quem, de fato, acredita e acompanha os fundamentos do Nubank, afirma Louzada. “Quem comprou ações por uma onda não vale a pena ter esse ativo na carteira. Mas quem comprou pensando no potencial de gerar caixa, de monetizar a base de clientes, na capacidade de gestão do banco – agora é a hora de comprar. Os fundamentos se mantêm em uma visão de futuro e o cenário do Nubank é positivo para quem acredita neles”, diz o especialista.
“Temos muita convicção sobre o futuro da empresa, mesmo que seja um caminho turbulento”, diz CEO do Nubank
No fim de maio, durante o Fórum Econômico Mundial em Davos, David Vélez reagiu às críticas que o Nubank vem recebendo de investidores e analistas do mercado, defendendo a visão de longo prazo da companhia. “Daqui a cinco anos, a gente se fala”, disse na ocasião o CEO da empresa.
Agora, com a companhia prestes a completar seis meses na Bolsa de Valores de Nova York, David Vélez falou com o E-Investidor e fez uma avaliação positiva do período.
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Na visão do executivo, o principal gatilho por trás da queda de mais de 60% das ações são os fatores macroeconômicos que atingiram em cheio o mercado de ações desde que a companhia foi à bolsa pela primeira vez — guerra na Ucrânia, inflação em alta e aumento nas taxas de juros.
O CEO está confiante que o Nubank vai conseguir reverter a visão negativa do mercado e rentabilizar a base de clientes a partir de novos produtos.
Confira a entrevista completa:
E-Investidor — O IPO do Nubank foi recebido com bastante euforia pelo mercado. De lá para cá, porém, as perspectivas mudaram frente às quedas no valor da ação. Qual é a avaliação desses primeiros seis meses na bolsa?
David Vélez — Desde dezembro, muitos elementos que afetaram as ações estão completamente fora de nosso controle: Ucrânia, alta inflação nos EUA, aumento das taxas de juros, etc. Sempre deixamos claro para os investidores que somos uma empresa em rápido crescimento, que atua em uma região muito volátil do mundo. Nosso caminho não será uma linha reta.
No que podemos controlar, que é o desempenho da empresa, nos superamos: não apenas nossos números em 2021 e no primeiro trimestre de 2022 superaram a maioria das expectativas dos analistas, mas aceleramos nosso pipeline de lançamento de produtos com anúncios importantes, como uma nova plataforma de criptomoeda, uma solução de credenciamento comercial chamada NuTap, a aquisição de uma equipe muito forte de engenheiros nos EUA, chamada Parkside, a aceleração de nossa solução BNPL, NuPay, tornando-nos no maior emissor no México.
Nosso time está executando muito bem e entrando em um ambiente muito mais desafiador com o capital significativo que levantamos no IPO (US$ 2,8 bilhões), que nos posiciona para acelerar na crise e sair mais forte do outro lado.
A companhia está conseguindo entregar o que prometeu no IPO?
Vélez — Sim, e como disse antes, nossa execução e resultados desde o IPO estão superando todas as expectativas do mercado.
Uma das grandes preocupações dos investidores é a rentabilização da base de clientes da companhia. Quais os planos para melhorar esses resultados?
Vélez — A monetização de nossa base é impulsionada por um número crescente de clientes ativos que utilizam cada vez mais nossos produtos existentes, bem como novos produtos. Os resultados dessa estratégia podem ser vistos claramente em nossas demonstrações financeiras: nossa RMCA (receita média por cliente ativo) quase dobrou de US$ 3,5 no primeiro trimestre de 2021 para US$ 6,7 no primeiro trimestre de 2022, levando nossas receitas de US$ 246 milhões naquele período para US$ 877 milhões no mesmo período deste ano.
Se decidíssemos parar de crescer ou desacelerar nosso crescimento, já estaríamos gerando ganhos significativos. Mas continuamos vendo oportunidades importantes para crescer no Brasil e fora dele, e achamos que é a melhor decisão de continuarmos investindo em crescimento lucrativo versus gerar muitos ganhos nesta fase.
Em Davos, a sua afirmação “daqui a cinco anos, a gente se fala” indicou que a perspectiva de recuperação dos ativos é para o longo prazo. O que os investidores podem esperar até lá?
Vélez — Desde o nascimento da empresa, dissemos aos investidores que volatilidade era algo esperado: somos uma empresa de crescimento rápido que começou no Brasil, e em nossa curta história de 9 anos, já vimos a pior recessão no país em 100 anos, uma contração de 7% no PIB em 2017, um impeachment presidencial, escândalos de corrupção política e uma pandemia. Nosso caminho não será uma linha reta e continuará volátil.
Portanto, a melhor maneira de entender o Nu e ser um investidor no Nu é ser um investidor de longo prazo e comprar a tese de que os provedores de serviços financeiros mais valiosos da América Latina daqui a alguns anos serão empresas de tecnologia nativas digitalmente. E somos os mais bem posicionados no mercado para sermos líderes nessa área. Nossa tese como empresa permanece completamente intacta, independentemente da volatilidade do mercado.
Quem comprou ações do Nubank em dezembro de 2021 está assustado com a desvalorização dos ativos. Qual a mensagem que gostaria de deixar para esses investidores?
Vélez — Se os investidores acreditam na tese de longo prazo da empresa, podem comprar suas ações e mantê-las no bolso por alguns anos. Temos muita convicção sobre o futuro da empresa, mesmo que seja um caminho turbulento.