Desde ontem, o mercado flerta seriamente com a possibilidade de alta de 100 pontos-base da taxa básica americana em julho, aposta que chegou a ser majoritária em certos momentos do dia, conforme monitoramento do CME. Já há quem veja necessidade de os Fed Funds – hoje na faixa entre 1,50% e 1,75% – ultrapassarem os 4% para que a inflação nos EUA rume à meta de 2%. Dirigente do Fed com direitos a voto nas decisões de política monetária, Christopher Waller disse hoje que apoia novo aumento da taxa básica em 75 pontos-base, mas que não descarta uma elevação de 100 pontos neste mês (dia 27). Mais conservador dos dirigentes do Fed, o presidente da distrital de St. Louis, James Bullard, disse que vai defender alta da taxa em 75 pontos-base na reunião do dia 27, ajudando a esfriar as apostas do mercado em 100 pontos-base.
Nos momentos de maior estresse pela manhã, o dólar chegou a flertar com o teto de R$ 5,50, ao correr até a máxima de R$ 5,4904 (+1,56). Com uma diminuição do mau humor lá fora ao longo da tarde e ajustes intraday, a divisa perdeu fôlego e, após rodar entre R$ 5,42 e R$ 5,43, fechou em alta de 0,51%, a R$ 5,4333, nos maiores níveis desde fins de janeiro. Com isso, a moeda já acumula alta de 3,14% no mês, após ter encerrado junho com ganhos de 10,15%.
Lá fora, o índice DXY – referência do desempenho do dólar frente a seis divisas fortes, com peso maior do euro e do iene – chegou superar os 109,000 pontos e, quando o mercado local fechou, orbitava os 108,600 pontos. O euro voltou a trabalhar pontualmente abaixo da paridade com o dólar. A perspectiva é que o Banco Central Europeu (BCE) seja mais comedido na alta de juros, dado o agravamento do risco de recessão pelo choque de energia. A Comissão Europeia anunciou redução das previsões de crescimento e alta relevantes das estimativas de inflação. Já o iene, punido pela política monetária extremamente frouxa do Banco do Japão, desceu ao menor valor frente ao dólar em 24 anos.
As divisas emergentes e de países exportadores de commodities recuaram em bloco, com o peso chileno liderando as perdas (ao redor de 4%), seguido pelo rand sul-africano. Os contratos futuros do cobre, que costuma refletir expectativas para o crescimento, caíram mais de 3%. O petróleo tipo Brent para setembro, referência para a Petrobras, encerrou a sessão novamente abaixo de US$ 100 o barril. O minério de ferro negociado em Qingdao, na China, caiu 7,91%, fechou perto do limiar dos US$ 100, no menor nível desde novembro de 2021.
“A expectativa era que a inflação nos Estados Unidos atingisse o pico em março e abril. Mas os índices aceleraram muito em junho e mostram pressão maior do que o esperado”, afirma o economista-chefe da JF Trust, Eduardo Velho, ressaltando que, em tal cenário, uma repetição da alta de 75 pontos na taxa básica americana não terá tanto efeito para conter a escalada de preços. “O Fed tem que levar os Fed Funds para 3,5% ou até 4% de forma mais rápida. É um cenário de dólar mais forte do mundo e menos fluxos para emergentes.”
O índice de preços ao produtor (PPI, na sigla em inglês) dos Estados Unidos subiu 1,1% em junho ante maio, acima da expectativa, de 0,8%. Na comparação anual, o índice acelerou de 10,9% em maio para 11,3% em junho. Ontem, o índice de preços ao consumidor (CPI, na sigla em inglês) já havia surpreendido ao marcar alta de 1,3%, superando as estimativas (1,1%).
Para Velho, da JF Trust, é possível que os mercados de risco enfrentem mais ondas desfavoráveis, com queda das commodities e manutenção do dólar em níveis elevados no exterior. Após a forte correção da taxa de câmbio do início de maio para cá, com depreciação de dois dígitos, talvez não haja, contudo, muito espaço para que o dólar tenha uma forte escalada por aqui. “Mas é difícil imaginar também um dólar abaixo de R$ 5,30 com essa correção os mercados acionários americanos e as eleições no Brasil“, diz Velho, ressaltando que há dúvidas sobre o rumo das contas públicas em 2023, dado que o novo presidente terá dificuldade em reduzir programas sociais, turbinados pela PEC dos Benefícios. “Mesmo com a Selic bem elevada, não recomendo ficar vendido em dólar”.
Bancos divulgaram hoje revisão das estimativas para taxa de câmbio em meio ao ambiente externo mais hostil e ao aumento das incertezas domésticas, sobretudo no campo fiscal. O Santander aumentou as suas projeções para o dólar no fim de 2022 (de R$ 5,15 para R$ 5,30) e de 2023 (de R$ 5,0 para R$ 5,15) e 2024 (R$ 5,10 para R$ 5,20). Para o banco, o peso da normalização rápida da política monetária de economias avançadas e as dúvidas quanto à dinâmica de crescimento da China sobre o real não devem se reverter no curto prazo. O C6 Bank, por sua vez, elevou sua projeção para o dólar no fim deste ano (de R$ 5,20 para R$ 5,50) e também em 2023 (de R$ 5,60 para R$ 5,80), em razão do aumento de risco fiscal no país e do ajuste da política monetária nos Estados Unidos.