- No estágio, o jovem deveria ser capacitado e familiarizado com o ambiente de trabalho sob a supervisão constante da instituição de ensino
- Os conflitos no cenário dos estágios têm se tornado um problema de escala global
- Colocar-se no lugar do jovem atual pode reduzir a distância entre a liderança vigente e a força jovem necessária para levar nossa economia a outros patamares
O estágio deveria ser uma experiência “ganha-ganha” para ambos os lados: estudante e empresa. Uma via de mão dupla. No entanto, a realidade não é bem assim.
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Na concepção original de estágio, o jovem deveria ser capacitado e familiarizado com o ambiente de trabalho sob a supervisão constante da instituição de ensino. Teria a oportunidade do contato com habilidades ainda não tão exploradas como as interpessoais laborais (“soft skills”), o contato com a governança corporativa, a gestão de projetos, de pessoas, as interfaces com diversos setores dentro de uma empresa, além de poder aprender na prática o que estudou em teoria e descobrir áreas de preferência para trabalhar futuramente em sua carreira.
Já a empresa, por meio da contratação de estagiários, teria a oportunidade de aumentar a diversidade geracional, incrementar o time com espírito jovem, com novas ideias e tendências, com vitalidade, motivação e energia típicas da nova geração. Teria a oportunidade de identificar, selecionar, desenvolver e reter talentos, logo nos primeiros passos da vida profissional dos estudantes.
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No entanto, o que vem sendo relatado, por ambos os lados, em atendimentos de orientação profissional com jovens, no contato em treinamentos de líderes e inclusive por relatos das famílias, são depoimentos negativos sobre a experiência. São relatos sobre constrangimentos, falta de trabalho significativo, percepção de incompetência generalizada, sobrecarga de informações, carga horária abusiva, falta de orientação, falta de compromisso e de profissionalismo. A situação em alguns casos já se tornou tão grave e extremada, que culminou até em tentativa de suicídio dentro do ambiente de trabalho.
Os conflitos no cenário dos estágios têm se tornado um problema global. Movimentos em vários lugares do mundo como Japão, Arábia Saudita e Estados Unidos e vem discutindo a questão. Em 2008, no Brasil, com objetivo de melhorar a legislação em relação à prática do estágio, foi aprovada a Lei nº 11.788 vigente até hoje, que garantiu alguns direitos aos estagiários, como por exemplo, o direito de recesso de 30 dias, com a recomendação de que seja preferencialmente desfrutado durante as férias escolares e remunerado, caso o estagiário esteja recebendo bolsa ou outra forma de contraprestação. Mas, há ainda muito o que fazer! Cito alguns dos problemas existentes:
Bullying, Discriminação e Preconceito
“A culpa é do estagiário”. Em analogia aos trotes proibidos a calouros que entram na faculdade, muitas vezes o estagiário sofre acusações, assédio moral ou constrangimentos (inclusive em processos seletivos). Embora inexperiente e em início de carreira, o estagiário, como indivíduo e profissional, tem direito a um tratamento respeitoso. É importante lembrar que elogiar traz sempre melhor resultado do que criticar ou agredir. Não se consegue boa performance no longo prazo provocando raiva ou culpa em alguém.
Baixa ou Ausência de Remuneração
Uma das recompensas legítimas do trabalho é a remuneração. Geralmente, o trabalho voluntário é realizado em benefício de uma causa social, comunidade ou organização sem fins lucrativos. Como fica a questão então quando uma instituição possui fins lucrativos, e tem estagiários não remunerados?
De acordo com a Associação Nacional de Faculdades e Empregadores Americana (“National Association of Colleges and Employers”) os estagiários remunerados nos Estados Unidos receberam mais ofertas de emprego e salários iniciais mais elevados do que os estagiários não remunerados. Isto é, não há um reconhecimento do mercado de trabalho pelo estágio não remunerado.
No Brasil, há profissionais das áreas da saúde e educação como estudantes de psicologia, enfermagem, medicina, fisioterapia, pedagogia etc., cumprindo cargas extensas e exigentes de estágios obrigatórios não remunerados. Surpreendentemente são feitas propostas a estudantes em fase final de seus cursos, em entrevistas a vagas em algumas instituições financeiras, com a solicitação de que adiem a conclusão de sua graduação, ou mesmo que reprovem em disciplinas, que tranquem matrícula ou que se inscrevam em um novo curso, para que sigam como estudantes e permaneçam nas funções de estagiário com baixa ou ausência de remuneração.
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Como é possível então aos jovens, em seu primeiro contato com a definição de trabalho ou liderança, sentirem-se motivados em suas funções ou com suas graduações, mediante propostas deste tipo? Seria este o modelo de trabalho desejado ao aprendizado e perpetuidade?
Carga horária excessiva
Muito embora a lei determine a quantidade de horas permitidas em estágio, é muito comum ver estagiários saírem de seus locais de trabalho de madrugada. Cito apenas como exemplo, essa situação vista em algumas instituições no mercado financeiro, em áreas como “Investment Banking”, em escritórios de advocacia ou em plantões da área da saúde.
É cada vez mais frequente o “burnout” entre estudantes, que precisam cumprir com entregas de trabalho, TCC (” Trabalho de Conclusão do Curso), provas, relatórios e ao mesmo tempo cumprirem com as exigências, por pressão, de excesso de horas no estágio, não previstas na lei, por medo do insucesso profissional. O balanço entre vida profissional e pessoal, a qualidade de vida, são extremamente valorizados pelos jovens. O doloroso conflito de valores perante um choque de realidade abusivo, que às vezes se impõe, pode levar à paralisia, à desistência, ao abandono das próprias metas e até mesmo à depressão.
Subutilização e Despreparo da Supervisão
“Estagiário é alguém que faz o trabalho chato ou operacional que ninguém quer fazer”. É frequente ver tal premissa verbalizada (inclusive em processos seletivos) ou mesmo não verbalizada, mas refletida nas solicitações de trabalho. Infelizmente o jovem, em seu primeiro contato com o mundo do trabalho, se sente desmotivado, desprestigiado, subutilizado.
É comum encontrar estagiários alocados apenas como mão de obra barata, para função exclusivamente operacionais, sem intenção de desenvolvimento ou conexão explicita de propósito. Um supervisor de estagiários precisa ser uma pessoa capacitada e motivada a desenvolver pessoas. Alguém consciente de que o processo de aprendizado e crescimento exige do líder paciência, generosidade, visão estratégica e tolerância ao erro.
O grande distanciamento entre jovens e o mercado de trabalho talvez esteja sendo gerado já na origem. Nos primeiros contatos que um jovem tem, formando uma percepção negativa do sentido e significado em trabalhar.
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A nova geração é prática, crescida em meio à tecnologia, à enorme quantidade de informações e na autonomia de tomada de decisão. É menos hierárquica e mais pragmática, até na desistência.
A intenção em levantar a questão neste artigo não está direcionada a um mercado específico, nem se refere a valores ou culturas corporativas específicas. Tampouco se trata de a uma comparação competitiva entre desempenho de gerações.
Colocar-se no lugar do jovem atual, exercer a empatia para ampliar perspectivas, pode reduzir a distância entre a liderança vigente e a força jovem necessária para levar nossa economia a outros patamares.
Como mensagem a empresas e líderes, é importante lembrar que os estagiários representam a futura liderança, e, devidamente capacitados, poderão proporcionar resultados surpreendentes aos negócios e à sociedade.
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