A Mastercard vai sugerir mudanças no modelo de operação do parcelado sem juros, uma das modalidades de compra mais populares do País, e que foi o centro de uma polêmica no setor financeiro em 2023. O presidente da empresa no Brasil, Marcelo Tangioni, afirma que as sugestões serão feitas em uma consulta aos participantes do arranjo, ou seja, a bancos, empresas de maquininhas e demais agentes que fazem parte da rede da Mastercard, e vão abranger temas como as garantias aos agentes por trás da operação dos cartões de crédito. Posteriormente, serão submetidas ao Banco Central (BC).
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“Partes do mercado defendem, e partes estão insatisfeitas com o modelo atual. Ouvimos as partes e queremos trazer uma proposta com um equilíbrio melhor”, disse ele ao Broadcast. Segundo o executivo, as mudanças no mercado após a pandemia levam à necessidade de ajuste nas regras do setor.
No ano passado, parte dos grandes bancos defendeu que o parcelado sem juros fosse restrito, sob o argumento de que o instrumento é financiado pelo crédito rotativo e que, por isso, essa linha tinha juros altos, de 15% ao mês. Fintechs e empresas independentes de maquininhas reagiram, afirmando que os bancos buscavam restringir o parcelado em uma cruzada anticoncorrencial. Em meio à briga, o teto de 100% para os juros do rotativo foi estabelecido pelo Congresso e não houve mudanças no parcelado, mas o tema deve voltar a ser discutido em consulta pública do próprio BC.
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Nos cartões, a Mastercard e outras bandeiras estabelecem as redes de aceitação, sendo pouco afetadas pelas discussões sobre juros ou parcelamento. No que lhe afeta diretamente, a companhia espera uma emissão de cartões maior este ano, após um 2023 em que os bancos se retraíram diante da alta da inadimplência.
A empresa, porém, não quer ficar apenas no cartão. Segundo Tangioni, a Mastercard vê o Pix como uma grande oportunidade de negócio. No Reino Unido, a companhia faz o suporte aos sistemas do equivalente local do Pix, e pretende trazer para cá parte das soluções aplicadas por lá.
Confira a seguir os principais trechos da entrevista:
Há espaço para que a indústria de cartões cresça mais no Brasil?
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Marcelo Tangioni – No ano passado, a indústria cresceu 10%, chegando a R$ 3,7 trilhões, e pela primeira vez batemos R$ 1 trilhão movimentados em um trimestre. A indústria continua crescendo de forma vigorosa, o espaço existe. Tenho uma crença forte de que, além do espaço que estamos ocupando no consumo privado, existem oportunidades que não vinham sendo endereçadas. No ano passado, lançamos o débito online, que tem apresentado um comportamento interessante. Com o débito online e o “click to pay”, lançado na semana passada, temos um reforço importante para avançar ainda mais no consumo privado no ambiente online. Existe um espaço muito grande para avançar através de novas tecnologias, como o “tap on phone”, que permite entrarmos em segmentos em que, pelo modelo tradicional de cartões, com maquininha, há uma dificuldade. Outro tema relevante é o segmento de pequenas e médias empresas, que é pouco aproveitado. Existe uma demanda latente, e temos fechado parcerias importantes com emissores e adquirentes para fortalecer nosso posicionamento. E também o pagamento entre grandes corporações. Quando falamos no consumo privado, nossa indústria tem uma participação de 56%. Em pagamentos corporativos, é de apenas 2%.
Esse universo faz pagamentos com quais instrumentos?
Os mais conhecidos são boleto, TED e Pix. Os cartões trazem uma série de benefícios de segurança e de reconciliação de dados, entendemos que há um valor agregado importante que podemos apresentar.
Como foi o desempenho da Mastercard no Brasil ano passado?
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Não podemos entrar em números, mas a Mastercard é líder no mercado brasileiro em cartões, e 2023 foi o ano em que mais crescemos nossa fatia de mercado nos últimos cinco anos. Foi um ano em que enfrentamos uma tempestade perfeita, com uma combinação de taxas de inadimplência altíssimas e juros altos. No segundo semestre de 2022, batemos recorde de inadimplência na indústria, e esse tipo de acontecimento tem um efeito atrasado, porque quando os emissores chegam a esse patamar de inadimplência, tomam decisões mais conservadoras em limites, emissão de novos plásticos e novas vendas. Combinada a essa inadimplência, tivemos uma taxa de juros muito alta. Ela começou a cair, mas em 2023 continuava no pico, e isso impacta o consumo.
Este ano será de retomada das emissões de cartões?
É um ano de transição. Os emissores que iniciaram o conservadorismo antes estão assumindo a
retomada antes. O ano de 2024 ainda não vai ser de todo mundo indo atrás de cliente novo, mas esperamos um cenário mais positivo que o de 2023.
Houve uma discussão grande no mercado sobre rotativo e parcelado sem juros, que se encerrou, por enquanto, no teto de juros, mas que os bancos querem retomar. A Mastercard vê espaço para uma mudança no modelo atual?
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Houve uma mudança importante nos últimos anos do ponto de vista macroeconômico. Tivemos uma entrada muito grande das fintechs, e agora, a consolidação. Acompanhamos um Banco Central cada vez mais ativo, e isso gerou uma situação em que esse debate foi muito importante. Nosso entendimento é que o mercado brasileiro é muito forte, positivo e pujante, mas que em função dessas mudanças, existem oportunidades de aperfeiçoamento. Não é uma revolução, mas ajustes. Estamos soltando uma consulta pública via Banco Central, para todos participarem, para sugerir alterações que entendemos que podem fortalecer ainda mais o parcelado sem juros, que é um dos grandes temas. Não posso abrir as informações, mas estamos olhando o parcelado, que é uma invenção brasileira, tem uma representatividade gigante e é adorado por consumidores e varejistas. Partes do mercado defendem, e partes estão insatisfeitas com o modelo atual. Ouvimos as partes e queremos trazer uma proposta com um equilíbrio melhor.
Esse ajuste seria restringir o parcelado? É um conjunto de mudanças de regras com um fortalecimento do ponto de vista de garantias.
A Mastercard está junto de fintechs e bancos digitais, como o Nubank, mas o mercado considera que esses agentes entraram em um momento de menor crescimento. Esse vetor de crescimento da indústria se esgotou?Eles continuam crescendo muito, e esperamos que em 2024 tenham uma contribuição muito grande para o crescimento da indústria. Por outro lado, existe uma tendência de consolidação. Temos casos de fintechs europeias que vieram para o Brasil, mas acabaram desistindo.
Das parcerias em outros negócios, qual a perspectiva para este ano?
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Uma diferença da Mastercard para outros arranjos (bandeiras de cartão) é nosso posicionamento estratégico. Nossa estratégia é baseada em três pilares: o fortalecimento do tradicional, de cartão de crédito e débito; a parte de serviços, que é mais de um terço do nosso resultado global, e nos diferencia muito dos concorrentes mais próximos; e as novas redes, como os pagamentos entre empresas e Pix. Fazemos pagamentos instantâneos em pelo menos uma dúzia de países, e olhamos o Pix no Brasil como uma oportunidade para trazermos tecnologias e fazermos negócios. Ao vender serviços, temos um universo de oportunidade em prevenção a ataques cibernéticos. No ano passado crescemos muito, e neste ano teremos uma aceleração nas parcerias.
O que a Mastercard prepara para acompanhar o crescimento do Pix?
O Pix está no dia a dia não só das pessoas, mas nas transferências entre empresas. Olhamos como oportunidade áreas em que não estamos presentes. Fazemos a gestão do Pix do Reino Unido, desde a infraestrutura do sistema até serviços de valor agregado e aplicativos. Trazer isso para o mercado brasileiro é algo que olhamos com bastante carinho, e em 2024 devemos ter novidades. O Pix reforçou a inclusão financeira e a inclusão digital, coisas que a indústria fez muito bem. Temos uma oportunidade gigantesca para entrar de cabeça nesse negócio.
Broadcast – Como a Mastercard vê o avanço dos criptoativos e de moedas digitais dos bancos centrais?
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Tangioni – Acreditamos muito em criptomoeda, e temos soluções de serviços que auxiliam os participantes de mercado a fazer prevenção à fraude e à lavagem de dinheiro. É parte de uma das aquisições que fizemos, que somam US$ 7 bilhões. Oferecemos este serviço para as instituições financeiras tradicionais e para as corretoras. A Mastercard é uma das empresas que mais tem patentes em blockchain, e participamos de um grupo de trabalho criado para trazer inovação ao Drex.
Broadcast – A Mastercard tem interesse em comprar empresas no Brasil?
Tangioni – O Brasil é um dos países mais relevantes para a Mastercard no mundo, e olhamos oportunidades em todos os lugares. No histórico de aquisições, em praticamente tudo o que compramos, se não havia negócios no Brasil, trouxemos para cá. Por sermos uma empresa global, vamos dar preferência a empresas que estão em mais de um mercado. Mas o Brasil tem empresas que nasceram aqui, estão em outros mercados e que podem eventualmente virar alvo de investimento.