A privatização da Sabesp (SBSP3) trouxe inovações do ponto de vista de modelo e governança. Apesar do resultado final ter sido positivo para a companhia, provocou ruído no mercado e resultou em um único interessado para ocupar o posto criado pelo governo de acionista de referência. Para Fabio Coelho, presidente da Amec (Associação de Investidores no Mercado de Capitais), o barulho, que pode soar como uma disputa de interesses econômicos e políticos, coloca na mesa um debate sobre as corporations – empresas sem controle definido – e que chegam ao Brasil no contexto das privatizações, assim como os limites dos acionistas de referência.
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“Temos uma boa oportunidade de discutir governança em ‘corporations’, antes que muitos problemas, eventualmente, comecem a acontecer”, diz Coelho.
Na avaliação do presidente da Amec, o fato de o modelo ter resultado em um único interessado foi um sinal do excesso de restrições colocadas pela empresa na busca de acionista de referência. Coelho reconhece ainda que esses excessos no desenho da modelagem tiraram parte importante do brilho do processo da privatização da Sabesp.
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Isso porque, ao contrário do que aconteceu nas privatizações recentes de Eletrobras (ELET3) e Copel (CPLE6) – quando não havia o acionista de referência -, na Sabesp ele aparece assumindo um acordo de divisão de poder com o governo, que buscou manter anuência em decisões importantes.
No modelo desenhado para a Sabesp, o acionista de referência tem uma participação de 15%, fatia que, se chegar aos 30%, aciona a chamada cláusula de poison pill- que obriga a realização de oferta para compra das demais ações do mercado pelo mesmo valor pago. Esse ponto afastou interessados, como Aegea, por ter grandes investidores financeiros como Itaúsa e o fundo soberano de Cingapura (GIC) que ficariam limitados em eventuais movimentações em Sabesp.
Além disso, o acionista de referência tem três assentos no Conselho de Administração, mesmo número do governo, o que obriga compartilhar decisões. Muitos investidores consideraram esse um risco elevado, frente a uma demanda de investimentos de R$ 70 bilhões até 2029 e que só poderão vender as ações compradas no mesmo ano.
Na privatização da Eletrobras, em 2022, o governo ficou com pouco mais de 40% de participação acionária, mas perdeu direitos políticos, com seu direito de voto limitado a 10%. “Um acordo como esse, previsto no processo de privatização da Sabesp, exige um jogo muito entrosado entre o acionista de referência e o governo federal”, afirma Coelho. Ele diz que isso causou inquietude entre investidores, porque os governos mudam. Na privatização da Eletrobras, o “desconforto” ficou com o governo.
Sabesp: modelo de privatização
O presidente da Amec lembra que o modelo de “Corporation” brasileiro tem sido ancorado por investidores com participações relevantes em comparação ao que acontece no exterior, onde a figura do investidor de referência é regulada. “A despeito da definição de Corporation ser o de uma empresa sem controlador definido, isso é ainda é muito distante no Brasil”, afirma. Segundo ele, há uma concentração elevada de participação no acionista de referência no Brasil, que faz com que assuma o papel do controlador muitas vezes.
Na avaliação do executivo, esse modelo brasileiro de “Corporation” deriva do fato de haver poucas empresas de capital disperso localmente e da cultura empresarial do País de controle muito definido. “No exterior, é difícil você ter um acionista de referência que sozinho tenha 15% de participação em uma Corporation e quando essa figura existe sua fatia fica em torno de 5%”, diz ele.
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Coelho lembra ainda que a nossa regulação não está preparada para lidar com acionistas de referência, do ponto de vista de sanções ao abuso de poder, mesmo porque não há uma definição de qual é o porcentual de participação que o torna um acionista de referência. “Esse é um debate que ainda está em aberto”, afirma. No Reino Unido, por exemplo, existem gatilhos de responsabilidades e sanções para participações intermediárias e mais próximas ao controle, que carregam restrições. “No Brasil, um acionista com 49% decide quase tudo e não há uma sanção explícita contra ele”, afirma.
O presidente da Amec observa, de toda a forma, que o debate sobre a Sabesp não tem por objetivo a punição, mas estabelecer restrições do ponto de vista de direitos políticos para um acionista que tenha participação relevante e que faz muitas vezes o papel de um controlador sujeito a responsabilidades distintas e especificadas em lei.