A declaração recente de um executivo viralizou nas redes sociais, na qual ele afirmava “Deus me livre de mulher CEO. Salvo raras exceções, essa mulher vai passar por um processo de masculinização que invariavelmente vai colocar meu lar em quarto plano, eu em terceiro plano e os meus filhos em segundo plano”. Essa fala, além de gerar grande polêmica, revela muito mais sobre as inseguranças sociais do que sobre a realidade da liderança feminina.
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Esse discurso perpetua estereótipos de gênero que colocam a mulher em uma posição de constante escolha entre carreira e família, como se o sucesso no mercado de trabalho significasse, automaticamente, a renúncia à vida pessoal e familiar.
A falácia, infelizmente comum, ignora completamente as transformações sociais e culturais pelas quais passamos nas últimas décadas, onde homens e mulheres têm redesenhado os papéis tradicionais no lar e no trabalho.
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A ideia de que uma mulher CEO sacrifica sua “energia feminina” e coloca o lar e a família em segundo plano é um mito retrógrado. Em alguns artigos desta coluna sobre “Dinheiro, Sexo e Poder”, apontei como a sociedade ainda atribui poder – seja financeiro ou social – de maneira desigual entre homens e mulheres.
O estresse e a pressão de liderar uma empresa afetam qualquer pessoa em posição de poder, mas, ao contrário do que muitos pregam, esses desafios não são “antinaturais” para as mulheres. Elas têm mostrado, ao longo do tempo, que podem liderar com sensibilidade, empatia e competência – valores que tornam suas lideranças muitas vezes mais humanas e eficazes.
Acredito que nem Darwin, em seus estudos de evolução genética, atribuiria cargos e atividades determinados pelas características físicas na origem do nascimento. O que nos define como seres humanos é a capacidade de adaptação, aprendizado e evolução, independente de gênero.
Por acaso seria possível perguntar a alguém: você tem que escolher entre ficar somente com água por toda a vida, ou somente com comida, um ou outro? Da mesma forma, é inconcebível forçar uma mulher a escolher entre o crescimento profissional e o cuidado familiar, já que ambos são dimensões humanas indispensáveis ao equilíbrio e à realização de qualquer pessoa, de qualquer gênero.
Além disso, o empresário que critica o feminismo ao afirmar que “o mundo começou a desabar quando o movimento feminista obrigou a mulher a fazer papel de homem” demonstra um entendimento equivocado do que o feminismo realmente representa.
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O feminismo nunca foi sobre impor papéis masculinos às mulheres, mas sobre garantir que elas tenham as mesmas oportunidades de escolha que os homens – seja no mercado de trabalho, no lar ou em ambos.
Esse movimento, na verdade, tem desconstruído os antigos modelos patriarcais, permitindo que as mulheres assumam seus próprios caminhos e integrem vida pessoal e profissional de forma mais equilibrada.
A visão de Pablo Marçal de que “ser bonzinho não gera resultados” ressoa com o mesmo preconceito que associa sucesso feminino à dureza e à masculinização. No meu artigo “Opinião: Marçal está errado! Ser bonzinho gera mais resultados” argumento que o caos e o sensacionalismo podem parecer dominar o mundo dos negócios, mas o verdadeiro sucesso duradouro é construído com empatia, colaboração e respeito. Não é a agressividade que gera resultados sustentáveis, mas a capacidade de criar confiança e um ambiente de trabalho onde todos podem crescer.
O mercado também já reconhece a importância de mudar essas mentalidades. A B3, por exemplo, tornou obrigatório que, até 2026, todas as empresas de capital aberto incluam pelo menos uma mulher ou pessoa de grupo sub-representado em seu conselho administrativo ou diretoria estatutária. Isso reflete uma tendência cada vez maior de promover a diversidade nas empresas, não apenas como um imperativo social, mas como uma estratégia comprovada para melhorar a governança e os resultados.
Além disso, o Projeto 80 em 8, do Grupo Mulheres do Brasil, visa aumentar a participação de mulheres em cargos de direção e Conselhos de Administração, garantindo que elas estejam nas mesas de decisão estratégica.
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O IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa), por meio do programa Diversidade em Conselho (PDeC), também apoia a inclusão de mulheres em conselhos administrativos, consultivos e comitês. Essas iniciativas mostram que o mercado está evoluindo e que a diversidade não só é essencial para a equidade, mas também para o sucesso empresarial.
A ideia de que mulheres precisam escolher entre poder e família é uma construção social ultrapassada. A presença feminina em cargos de liderança, longe de ser uma ameaça ao lar, traz uma nova forma de integrar vida pessoal e profissional.
Mulheres CEOs não abandonam suas famílias; elas redefinem o poder, equilibrando responsabilidades e trazendo consigo uma riqueza de experiências e perspectivas que ampliam a visão de negócios e os resultados das empresas. O mundo não desaba porque as mulheres assumem o poder. Ele se transforma, se reinventa e permite que mais pessoas – homens e mulheres – alcancem seus potenciais máximos, dentro e fora do lar.