Nos últimos dias, o pacote de corte de gastos do ministro Fernando Haddad (Fazenda) tem sido o foco das atenções em Brasília e no mercado financeiro. As propostas apresentadas, no geral, foram consideradas “tímidas”, o que provocou uma disparada na cotação do dólar e pressão na taxa de juros futuros. No paralelo, representantes da Câmara apresentaram uma “Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Alternativa”. Para começar a tramitar, ela precisa ter assinaturas suficientes dos congressistas.
Confira os principais pontos da PEC no bate papo realizado com o consultor de Orçamento da Câmara, Paulo Bijos. Ele foi secretário de Orçamento Federal do ministério do Planejamento até o último mês de julho e participou da elaboração da proposta.
Em linhas gerais, qual é o diagnóstico que o senhor faz do pacote apresentado pelo governo? O que tem de positivo e o que faltou?
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O pacote se apresenta como o resultado politicamente possível alcançado no âmbito do Poder Executivo. Mas a leitura dominante foi de que as medidas anunciadas são insuficientes diante do tamanho do desafio fiscal do País. Esse também é o meu diagnóstico.
Nesse contexto, considero que o lado positivo foi o governo ter dado os primeiros passos na direção da contenção estrutural do gasto público. Mas o que há de substantivamente estrutural é muito pouco. O que falta, então, é promover mudanças estruturais de alto impacto.
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A “PEC Alternativa” foi considerada mais dura no aspecto da busca do equilíbrio fiscal. No que ela difere da que foi apresentada pelo governo?
A diferença tem muito a ver com a pergunta anterior. A PEC alternativa, proposta pelos Deputados Júlio Lopes, Kim Kataguiri e Pedro Paulo, é essencialmente estrutural e tem maior potência fiscal. O pacote do governo é apenas timidamente estrutural.
Vejamos um exemplo concreto. O pacote do governo propõe uma “microdesvinculação” entre receitas e despesas, restrita apenas ao caso do Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF) e com baixo impacto fiscal. Já a PEC alternativa propõe uma ampla desvinculação de receitas, que alcançaria os pisos da saúde, da educação e da complementação da União ao Fundeb, com alto impacto fiscal.
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Além disso, a PEC de autoria dos referidos deputados propõe a desindexação de despesas frente ao salário mínimo. Essa medida é essencial para equilibrar as contas públicas de forma duradoura.
A PEC Alternativa também dá um enfoque na questão dos subsídios. Qual é a ideia central da proposta, neste ponto? Haveria uma transição?
A ideia é colocar em marcha um processo de redução de 10% no valor dos subsídios tributários de 2026 a 2031, com diminuição mínima de 2% já no primeiro ano. Esse parâmetro de largada é crível. Nos anos seguintes, a redução mínima seria de 1,25% a.a.
Nessa proposta, como é abordada a questão das emendas parlamentares?
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As emendas passariam a observar um limite global fixado como percentual das despesas discricionárias. Vale enfatizar que a substituição da receita corrente líquida (RCL) pelas despesas discricionárias, como base de cálculo para emendas, não é uma mudança meramente formal. Ela altera de forma muito positiva o sistema de incentivos no âmbito do Poder Legislativo.
Pelas regras atuais, independentemente de haver um quadro crítico das despesas discricionárias, as emendas estão garantidas, e isso tende a criar um ambiente de inação no que tange ao controle das obrigatórias. Já nos termos da PEC, que limita as emendas a percentual das despesas discricionárias, haveria maior incentivo para o Congresso Nacional controlar o crescimento das despesas obrigatórias e evitar o estrangulamento das discricionárias. Assim as emendas seriam preservadas.
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E os supersalários. Como ficariam?
As indenizações seriam limitadas a 30% do valor do subsídio dos Ministros do STF. Afinal, é por meio das indenizações que se dá margem para supersalários. Não se questiona a legitimidade em tese das indenizações. Mas é preciso que haja um teto que discipline esse processo, a fim de evitar a incorporação de valores acima do razoável.
Outro tema que tem tido reações até dentro da base aliada é o que trata dos benefícios sociais. A PEC Alternativa traz mudanças nesta área ou isso deve ficar para futuros Projetos de Lei e Projetos de Lei Complementar?
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Traz mudanças no valor futuro de benefícios sociais por meio da desindexação de despesas previdenciárias e do BPC frente ao valor do salário mínimo. Isso viabilizaria a desaceleração do crescimento de despesas previdenciárias com impactos fiscais substantivos.
Por fim, somando tudo o que está proposto na PEC Alternativa, quais são as estimativas de impacto que vocês têm no curto, médio e longo prazo?
A PEC institui o Programa de Equilíbrio Fiscal Estrutural (PEFE) prevendo que, de 2026 a 2031, as despesas objeto de revisão seriam atualizadas apenas pela inflação, sem ganhos reais. Com esse freio de arrumação, somado às demais medidas da PEC, a economia potencial estimada é de R$ 1,1 trilhão em seis anos. Os valores anuais são crescentes e se iniciam com economia de R$ 70 bilhões em 2026.
Já para o longo prazo, a resposta depende das hipóteses adotadas, tendo em vista que a PEC prevê uma sistemática de revisão de critérios de despesas em ciclos de médio prazo. Na hipótese de manutenção da correção de despesas apenas pela inflação, em 10 anos a economia potencial seria da ordem de R$ 3 trilhões. Mas achamos mais realista e prudente trabalhar com projeções de médio prazo.
A PEC está em foco, afinal, tem como uma de suas características centrais o chamado “fator democrático”. Cada Presidente eleito poderia propor novos critérios de reajustes de despesas no 1º ano de seu mandato. Isso também criaria um ambiente institucional mais favorável à incorporação de aprendizados em políticas públicas e retroalimentação do planejamento de médio prazo com maior realismo e disciplina fiscal.
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