O governo de Donald Trump chega aos seus 100 primeiros dias nesta quarta-feira (30), um período de volatilidade elevada, incertezas sobre tarifas e surpresas nos mercados de investimento. Na vitória republicana nas eleições dos Estados Unidos em novembro do ano passado, predominava um entendimento de que o ambiente seria mais propício para o dólar e as ações americanas, graças às promessas de desregulamentação e incentivo da economia do país; assim como uma agenda pró-criptomoedas também gerava euforia no setor.
Hoje, o cenário não poderia ser mais diferente. As Bolsas de NY amargam quedas entre 7% e 11%, enquanto o bitcoin, que viveu uma verdadeira euforia ao final de 2024 graças à vitória de Trump, cedeu mais de 16%.
A perspectiva de um mandato mais favorável à desregulamentação, com promessas de uma reserva de criptomoedas na maior economia, além de maior adesão institucional, fizeram a cotação da maior cripto do mercado cravar um novo valor histórico, a US$ 108 mil na reta final de 2024. A nomeação de Paul Atkins ao cargo de presidente da Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos (U.S. Securities and Exchange Commission, ou SEC, na sigla em inglês) também ajudou a inflamar os ganhos do segmento logo após a eleição de Trump.
“Havia uma expectativa legítima de que as promessas do novo presidente poderiam impulsionar uma alta no preço do bitcoin e das demais criptos, mas o mercado parece ter precificado as notícias um pouco antes da concretização das promessas e acabou enfrentando uma trajetória mais turbulenta do que muitos esperavam”, descreve Ana de Mattos, analista técnica e trader parceira da Ripio.
Não fosse uma valorização de dois dígitos em abril, o desempenho do bitcoin poderia estar ainda pior. No início deste mês, na mínima do ano, a cotação chegou a bater US$ 74 mil. Mattos explica que, ainda que o governo Trump tenha espaço para transformar as promessas pró-cripto em realidade, a euforia dos investidores foi sendo substituída por maior cautela no meio das notícias da guerra comercial. A narrativa de que as criptomoedas eram ativos descorrelacionados dos produtos de investimento tradicional mudou; agora, o mercado não fica imune à volatilidade e sofreu junto com os ativos de risco no meio da guerra comercial americana.
Dólar mais fraco pelo mundo
Dado a agenda mais inflacionária prometida na campanha – e que acabou mesmo saindo do papel –, especialistas projetavam também que o dólar teria tendência de valorização. Mais inflação significaria juros mais altos na maior economia do mundo, atraindo capital estrangeiro para os títulos americanos e fortalecendo a moeda do país. O que ninguém contava, no entanto, era que as políticas de Trump acenderiam um alerta contra os EUA.
O dólar à vista contra o real caiu de R$ 6,18 para os atuais R$ 5,63. Muito disso tem a ver com o exagero do pessimismo do mercado brasileiro, que estressou o mercado de câmbio para além dos fundamentos em dezembro por causa do fiscal. Mas o componente externo também fez preço. Lá fora, o dólar também se desvalorizou frente a outras moedas, especialmente divisas fortes.
Matheus Pizzani, economista da CM Capital, explica que o tarifaço de Trump mudou as projeções do mercado em relação ao ciclo de aperto monetário e cortes de juros por parte do banco central americano, o Federal Reserve (Fed). Antes de as tarifas recíprocas serem apresentadas em abril, predominava a expectativa de que a política comercial como havia sido anunciada poderia elevar a inflação americana, dado o impacto nas importações americanas – um cenário que poderia manter a taxa de juros do país mais alta por mais tempo, fortalecendo a moeda.
Publicidade
No entanto, com as tarifas recíprocas atingindo muitos países com taxas entre 10% a 145%, no caso da China, a preocupação mudou da inflação para a atividade econômica. “O mercado passou a acreditar que existe a possibilidade de uma recessão nos Estados Unidos e que esse ambiente levaria o Fed a adotar uma postura mais propensa a cortar juros para tentar evitar um colapso na atividade econômica”, destaca Pizzani.
E é nessa situação que o governo Trump chega à marca de 100 dias. A expectativa de uma redução de juros nos EUA mais cedo do que o inicialmente esperado está levando o capital financeiro em busca de outros mercados que considere mais rentáveis; incluindo emergentes. “O Brasil é visto hoje como um destino interessante para esses recursos, pois tem uma taxa de juros extremamente elevada e uma economia que é considerada relativamente segura pelos investidores internacionais apesar de todos os ruídos. Isso é boa parte da explicação da apreciação do real”, diz o economista. “Mas é importante ter em mente que isso tudo pode mudar num espaço extremamente curto.”
O grande campeão dos 100 dias de Trump
Bitcoin em queda, bolsas no vermelho e dólar mais fraco. Quanto pior ficavam as incertezas, mais os investidores globais direcionavam o capital ao ativo de proteção mais antigo do mundo: o ouro. A onça-troy, que já vinha em alta forte desde 2024, mas até a virada do ano nunca tinha superado os US$ 2,8 mil, bateu US$ 3,5 mil no dia 22 de abril.
Mario Aguilar De Irmay, estrategista de portfólio sênior na Janus Henderson Investors, explica que as políticas de Trump levaram a um aumento das dúvidas em relação ao papel do dólar no sistema econômico global. Isso porque, se os embargos comerciais via tarifas forem a regra a partir de agora, os países tendem a se organizar em novos acordos comerciais que podem envolver outras moedas. “Obviamente, é impossível prever qual moeda será a vencedora, mas, dada a possibilidade de o dólar perder seu status global, os investidores tendem a diversificar seus portfólios e buscar exposição a outros países, outras regiões e outras moedas. Especialmente metais preciosos”, destaca.
Mas o fator Trump não é o único impulsionando a cotação do ouro. Mauriciano Cavalcante, economista da Ourominas, lembra que o metal já vinha em tendência de valorização forte desde meados de 2024, por causa dos conflitos geopolíticos no leste europeu e no Oriente Médio, além da forte demanda por bancos centrais de países desenvolvidos, especialmente da China, que atuou para aumentar suas reservas do metal em meio às incertezas.
Publicidade
Esse pacote fez a cotação saltar 26,55% em 2024. Agora, com Trump, o valor pode ir mais além. “As projeções são de um movimento maior em busca de novos recordes, com o ouro podendo fechar o ano de 2025 na faixa entre US$ 3,5 mil e US$ 4 mil a onça-troy”, diz Cavalcante.