Diferentemente do débito automático tradicional, o Pix Automático pode ser oferecido por qualquer instituição financeira autorizada a operar com o sistema de pagamentos instantâneos, o que pode representar uma verdadeira democratização desse tipo de serviço, antes restrito a grandes empresas com acordos bilaterais com bancos. Apesar das expectativas, especialistas apontam que a substituição imediata de sistemas como o débito e crédito não deve acontecer tão cedo.
Mais do que uma inovação técnica, o Pix Automático pode marcar uma virada no acesso a serviços recorrentes no Brasil. Segundo uma pesquisa da Quaest, feita em fevereiro de 2025, cerca de 60% dos brasileiros de baixa renda não têm cartão de crédito. Por outro lado, o Pix já superou a marca de 160 milhões de transações em 24h e, apenas em 2020 – quando surgiu -, marcou 153,36 milhões de usuários. Nesse caso, 40,65 milhões eram de pessoas físicas e 12,71 milhões de pessoas jurídicas.
Essa base que evidencia o potencial de inclusão da nova modalidade, apresentada hoje pelo BC.
“O Pix Automático elimina atritos dos pagamentos recorrentes e resolve dores como esquecimento e cartões expirados. Além disso, devolve ao consumidor o controle total dos seus pagamentos, inclusive com a possibilidade de cancelamento direto via app bancário, algo que o cartão de crédito ainda não oferece”, afirma Ralf Germer, CEO e cofundador da PagBrasil.
Apesar dessas vantagens e da capacidade de transformar a forma como os brasileiros lidam com cobranças recorrentes, o novo produto não deve substituir de imediato outras modalidades já consolidadas, como o débito automático.
“Eu sempre tomo cuidado quando dizem que algo vai matar outra coisa. Falaram que o Pix iria matar o boleto, e até hoje isso não aconteceu completamente”, afirma Renato Fairbanks, CEO da iugu. Para ele, o processo de substituição de métodos consolidados é lento e depende tanto da mudança de comportamento do consumidor quanto da capacidade de adoção por parte das empresas.
Ainda assim, Fairbanks destaca que o Pix Automático tem um diferencial importante: a inclusão de pequenos e médios negócios no ecossistema de cobranças recorrentes. “Até então, era inviável imaginar um condomínio ou uma escola firmando acordos com grandes bancos para oferecer débito automático. Agora, com o Pix Automático, isso se torna possível e acessível”, explica.
Na prática, isso pode representar menos inadimplência e mais previsibilidade de receita para essas empresas, além de conveniência para o consumidor, que não precisará se preocupar com vencimentos mensais.
Segurança mantida, com mais controle nas mãos do consumidor
Se por um lado há dúvidas sobre a velocidade da adesão em massa, por outro a segurança da nova funcionalidade não parece ser um motivo de preocupação. Segundo José Barletta, Diretor Técnico da Ingenico , os riscos do Pix Automático são semelhantes aos já existentes nas outras modalidades do Pix.
“Não há risco adicional. E caso ocorram erros ou transações indevidas, existe o Mecanismo Especial de Devolução (MED), que já funciona bem e será aprimorado com o MED 2.0 no ano que vem”, afirma Barletta, referindo-se ao sistema criado pelo Banco Central para intermediar devoluções em caso de falhas ou fraudes.
O novo serviço funciona com base em consentimentos prévios dados pelo consumidor, que são rigorosamente parametrizados. Quem explica esse funcionamento técnico é Ralf Germer: “O Pix Automático foi construído sobre a infraestrutura segura do Sistema de Pagamentos Instantâneos (SPI) do Banco Central”.
Segundo o CEO da PagBrasil, o usuário tem a autonomia de definir parâmetros claros no momento da autorização — como valor máximo por transação, frequência de cobrança, data de vencimento, identificação do recebedor e até se permitirá o uso de linha de crédito.
Essas informações ficam registradas por meio de um Consentimento ID, uma espécie de “chave de autorização” única para cada relação de pagamento. A cada tentativa de cobrança, o sistema verifica automaticamente se os termos estão sendo cumpridos. Caso algum parâmetro seja descumprido — como valor acima do estipulado ou cobrança fora da data —, a transação é imediatamente bloqueada.
Além disso, o consumidor pode cancelar, suspender ou alterar as autorizações a qualquer momento, diretamente no aplicativo do banco ou da carteira digital.
Um novo capítulo na concorrência bancária?
Com a promessa de reduzir a dependência do cartão de crédito e dos acordos fechados entre grandes bancos e empresas, o Pix Automático também pode acelerar a concorrência no sistema financeiro — um dos objetivos declarados do BC com o ecossistema Pix desde 2020.
“É uma mudança importante, porque o modelo atual de débito automático depende de uma relação bilateral entre empresa e banco, o que exclui muitos negócios menores. O Pix Automático rompe com isso e coloca todos no mesmo patamar técnico”, avalia Renato Fairbanks.
Por outro lado, o sucesso da nova funcionalidade ainda dependerá de um fator essencial: educação financeira e digital da população. Embora o Brasil esteja entre os países que mais adotaram o Pix em escala global, a compreensão sobre temas como consentimento de pagamentos recorrentes e gerenciamento de autorizações bancárias ainda é limitada para parte dos usuários.
“Do ponto de vista técnico, o Brasil está preparado. Mas a adesão em larga escala vai depender também da capacidade de comunicar bem essas novidades e de tornar os processos simples para todos os perfis de consumidores”, conclui Germer.
Com isso, o Pix Automático começa sua trajetória como mais uma peça no quebra-cabeça da modernização financeira brasileira — prometendo ‘conveniência, segurança e inclusão’, mas com um futuro que, como todo produto inovador, ainda será moldado pela prática e pela confiança dos usuários.