Além do fim de isenção, investidores de cripto precisarão prestar contas à Receita com mais frequência. Foto: AdobeStock
A proposta do governo federal em tributar operações com criptoativos – parte do pacote de arrecadação defendido pelo ministro Fernando Haddad – deve atingir em cheio o pequeno investidor e enfraquecer as corretoras nacionais. A medida revoga a isenção de lucros mensais de até R$ 35 mil e impõe uma alíquota fixa de 17,5% sobre os ganhos com criptomoedas a partir de 2026.
O governo federal publicou na quarta-feira (11) o texto da medida provisória (MP) que muda a tributação do Imposto de Renda (IR) sobre todos os investimentos. No mercado cripto, isso significa mais imposto para quem movimenta valores menores e menos atratividade para quem investe por meio de corretoras brasileiras, já que plataformas estrangeiras tendem a escapar da fiscalização.
“A retirada da isenção sobre lucros mensais de até R$ 35 mil em operações com criptoativos em corretoras nacionais, somada à unificação da alíquota do imposto de renda em 17,5%, impacta diretamente o pequeno investidor, que na prática passará a pagar mais tributos”, alerta Paulo Camargo, CIO da Underblock, empresa especialista em investimentos em criptoativos.
Ele argumenta que o aumento dos custos para os pequenos investidores terá consequências. “Nas operadoras estrangeiras, o cumprimento das obrigações fiscais tende a ser mais difícil de fiscalizar”, diz o executivo. A Associação Brasileira de Criptoeconomia (ABcripto) também vê riscos para o mercado brasileiro. Em nota, a entidade afirmou que as medidas “são um retrocesso e vão afetar negativamente o mercado local, empurrando investidores para plataformas que não seguem as regras estabelecidas no Brasil”.
Mais custo… e mais burocracia
O benefício fiscal sobre lucros de até R$ 35 mil por mês não é uma exclusividade do setor. No mercado de ações, por exemplo, o texto do governo não fala em mexer na isenção para vendas mensais de até R$ 20 mil. Na visão da ABCripto, isso cria um desequilíbrio no ambiente regulatório.
As mudanças fazem parte do pacote alternativo proposto pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). A nova proposta ainda precisa ser aprovada pelo Congresso. Se passar, começa a valer a partir de 2026.
Além do fim de isenção e nova alíquota de 17,5%, os investidores precisarão prestar contas à Receita Federal com mais frequência. A apuração passará a ser trimestral, e será necessário declarar operações em custódia própria e também em exchanges internacionais. Segundo Camargo, isso tende a aumentar a burocracia para o investidor pessoa física.
“A exigência de apuração trimestral e o controle detalhado de ativos mantidos tanto em custódia própria quanto em exchanges internacionais deve demandar ferramentas específicas e talvez até uma nova declaração acessória, como já ocorre com outras classes de ativos, como o day trade.”
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A associação também criticou o novo modelo de tributação em operações de staking – espécie de “empréstimo” temporário de ativos em troca de remuneração. A exigência de retenção de imposto na fonte pelas corretoras nacionais é considerada de difícil aplicação e pode gerar insegurança jurídica.
A entidade defende alterações no texto em relação ao fim da isenção para ganhos de capital com criptoativos abaixo de R$ 35 mil e à retenção na fonte, por parte das exchanges, de valores em operações de cessão temporária, como o staking. No primeiro caso a associação alega que a medida do governo não traz tratamento equivalente para outras classes de ativos. Com relação à segunda mudança, a ABCripto diz que a MP traz desafios operacionais relevantes e pode gerar insegurança quanto à aplicação da norma.
Compensação de prejuízo não resolve
Outro ponto previsto na MP é a possibilidade de compensação de prejuízos em até cinco trimestres. Para a Underblock, essa medida tem efeito limitado e não compensa o fim da isenção. “O fim do limite de isenção aliado à tributação uniforme (17,5%) torna o mercado menos atrativo para investidores com menor exposição, que são justamente os mais sensíveis a esse tipo de mudança”, afirma Camargo.
Apesar das críticas, tanto a Underblock quanto a ABcripto reforçam que não são contra regulação. O problema está no formato proposto, que ignora as especificidades da criptoeconomia e aplica uma lógica pensada para ativos financeiros tradicionais.
“Regras pensadas apenas com base no modelo tradicional de ativos financeiros tendem a ser ineficazes”, diz Camargo, para quem aumentar a carga tributária sem considerar os desafios práticos do seu cumprimento pode afastar investidores e reduzir a competitividade do Brasil nesse mercado global.
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A ABcripto lembra que o Brasil é hoje uma referência internacional em regulação da criptoeconomia, resultado de um processo maduro e colaborativo entre governo e setor privado. “Preservar esse ambiente saudável e competitivo deve ser prioridade para que a inovação continue florescendo dentro de um marco legal seguro e transparente”.