Segundo ele, a autarquia está repensando o papel dos depositários centrais – responsáveis pela guarda, registro e movimentação de valores mobiliários – atividade que pode perder relevância nos próximos anos. Além disso, elabora uma versão “light” da norma que traz regras para bolsas e balcão.
Nascimento reconhece, contudo, que a autarquia perdeu fôlego enquanto o mercado de capitais brasileiro se expandia na última década e hoje sofre com a falta de servidores. Para enfrentar o déficit, preencheu 60 vagas em concurso recente e elaborou, alinhado com os ministérios da Fazenda e de Gestão e Inovação, um Projeto de Lei de Fortalecimento da CVM, que cria novos cargos e amplia o quadro funcional. Veja a seguir os principais trechos da entrevista:
Broadcast – O sr. tem dito que o futuro é digital. Como as finanças digitais afetam a regulação do mercado?
João Pedro Nascimento – A tokenização pode trazer novas funcionalidades para os valores mobiliários, como a forma de distribuição. E pode reduzir custos e encargos regulatórios com a diminuição da necessidade de intervenção de intermediários, cuja função é, em certa medida, substituída ou mitigada pela tecnologia.
Pode dar um exemplo?
A CVM trabalha na revisão de normas para bolsas e balcão (Resolução 135) e demais infraestruturas, como os depositários centrais (Resolução 31). Se tudo estiver integrado pela tecnologia, será que essas regras não podem ser simplificadas? As consultas públicas sobre as Resoluções 135 e 31 fazem parte da agenda regulatória deste ano. Elaboramos uma versão ?light? da Resolução 135 e repensamos o papel dos depositários centrais na Resolução 31.
O que já é realidade nessa onda digital?
A tokenização de valores mobiliários já permite a criação de tokens de recebíveis, tokens de renda fixa e a emissão por plataformas de crowdfunding. A CVM demonstrou a possibilidade de tokens serem emitidos na forma de Certificados de Recebíveis ou outros valores mobiliários de securitização, que podem ser ofertados por meio de crowdfunding. Os Estados Unidos (EUA) instituíram o mesmo modelo regulatório que nós.
Quais são as novas tendências nas finanças digitais?
Hoje, a discussão das finanças digitais é maior do que a da criptoeconomia. Os debates passaram a envolver também a tokenização de valores mobiliários tradicionais. Esse trilho foi construído a partir do Parecer de Orientação 40, de 2022.
O sr. costuma falar sobre democratização do mercado de capitais. O que a CVM vem fazendo?
Podemos falar em um tripé: crowdfunding, que será tema de consulta pública; e as regras doFundo de Investimento em Participações (FIP) e do Facilitação do Acesso a Capital e de Incentivo a Listagens (FÁCIL), que já tiveram consulta em 2024 e serão editadas neste ano. O FÁCIL está em vias de ser publicado. No FIP, possibilitamos que seja acessível ao varejo, respeitadas algumas salvaguardas.
Na consulta pública do FÁCIL, auditores e bancos de investimento discordaram das dispensas ou menor uso de seus serviços.
O banco de investimento não será dispensado, nem o auditor. O que o FÁCIL faz é empoderar o emissor para fazer suas próprias escolhas. Não é a CVM que vai dispensar o auditor em determinados casos. Quem vai dispensar é o emissor e o investidor. Se entenderem que o auditor é importante, continuarão demandando esse pessoal para trabalhar.
Por que realizar uma revisão da Resolução 44, sobre fatos relevantes e comunicações ao mercado?
A CVM tenta mostrar que, apesar de esses dois temas terem passado por evoluções relevantes – especialmente quando se mudou a regra sobre publicação em jornal -, ainda existem razões práticas para a diferenciação. Especialmente quando se fala de divulgação de fato relevante, que impacta a negociação dos ativos da companhia, há a possibilidade de suspender as negociações. Se chegássemos à conclusão de que seria melhor ficar com uma categoria só, isso poderia, sim, ser pensado.
Após reivindicações, a CVM conseguiu um concurso público em 2024 e, em 2025, recebeu 60 novos
servidores. Recompôs os quadros?
Estamos felizes. Não recebíamos nem um reforço desde 2010. Foi uma conquista. Mas foi apenas um passo para reposicionar a CVM, cujos recursos ficaram defasados para executar seu mandato legal.
Quais são as outras medidas?
Estamos trabalhando em Brasília para um provimento adicional, que é a possibilidade de alargar o número de servidores admitidos no concurso, de 60 para 90. A CVM está muito carente de servidores. Também tentamos sensibilizar os ministérios da Fazenda e da Gestão e da Inovação sobre uma iniciativa que chamamos de projeto de lei (PL) do Fortalecimento da CVM. O PL amplia os quadros da autarquia e cria cargos que poderão permitir a formação de novas superintendências.
De quantos servidores a CVM precisa?
Estudos empíricos mostram que a CVM deveria ter aproximadamente 1.000 servidores. Temos 400, mais 60 novos. O principal recurso que falta são servidores. Hoje, mesmo que a CVM recebesse autorização para contratar mais gente, não há vagas disponíveis. É necessária uma mudança na lei para aumentar o número de vagas.
A CVM está com um diretor a menos desde o início do ano. Está fazendo falta?
Muita falta. É muito importante que o Colegiado esteja completo. A ausência de um membro impacta o volume de processos julgados. A relatoria dos processos é distribuída entre os membros do Colegiado e, quando há uma cadeira vazia, ocorre redução no número de processos julgados. Os processos distribuídos são alocados nos demais diretores, que ficam com estoques maiores do que deveriam
A indicação está próxima?
enho certeza de que o Ministério da Fazenda está ciente e sensível sobre esse tema. E, sem prejuízo da indicação que será feita pela Fazenda, gostaria de reforçar a importância, seja para a vaga hoje aberta ou outra que venha a se abrir, de que ao menos um dos membros do Colegiado seja servidor de carreira. Essa composição enriquece os debates e contribui para a integração da casa.