A decisão do Congresso foi respaldada por críticas técnicas e jurídicas ao decreto presidencial. Especialistas apontam que a medida distorcia a natureza do IOF, um imposto originalmente concebido com função regulatória, ao utilizá-lo com fins puramente arrecadatórios.
“Ao empregar o IOF como instrumento de arrecadação, o decreto fere a Constituição, que estabelece a função regulatória como fundamento para esse tipo de imposto. Trata-se de um claro desvio de finalidade, que compromete a legalidade da medida”, afirma Mary Elbe Queiroz, presidente do Cenapret e sócia do Queiroz Advogados.
Do ponto de vista fiscal, a revogação da medida representa uma perda significativa de arrecadação. Para Roberto Simioni, economista-chefe da Blue3 Investimentos, “as projeções indicam uma perda de receitas da ordem de R$ 10 bilhões em 2025, podendo alcançar R$ 30 bilhões em 2026”. Segundo ele, para mitigar os efeitos dessa queda, “o governo federal terá de intensificar os bloqueios orçamentários, que podem chegar a R$ 41 bilhões”, afetando diretamente programas sociais importantes, como o Auxílio Gás, o Minha Casa Minha Vida (MCMV) e o Pé-de-Meia.
O impacto da decisão vai além das contas públicas. De acordo com Alexandre Gaino, economista e professor de Administração na ESPM, “a rejeição da proposta pelo Congresso sinaliza um cenário desafiador para o cumprimento das metas fiscais do governo”. Ele alerta que esse impasse pode pressionar ainda mais a taxa de juros e provocar efeitos no câmbio, alimentando a inflação.
“É urgente que o Congresso e o Executivo estabeleçam uma negociação séria. O país precisa de um conjunto mínimo de propostas que garantam o cumprimento das metas fiscais e tragam previsibilidade às finanças públicas. Neste momento, a maturidade e a responsabilidade das instituições devem se sobrepor às disputas político-partidárias”, conclui Gaino.
Vai e volta IOF: o que muda pra você?
A medida impacta diretamente o bolso do consumidor e reacende o debate sobre a racionalidade da política fiscal brasileira.
Segundo Alex Hoffmann, CEO e cofundador da PagBrasil, a principal consequência prática da mudança é a redução no custo total para quem compra moeda estrangeira para viagens ou faz envios de recursos ao exterior.
“O custo imediato e direto para o consumidor diminui, tornando a moeda estrangeira mais acessível”, explica. Ele destaca ainda que empresas do setor de turismo e comércio internacional também se beneficiam, uma vez que o novo patamar do IOF favorece suas operações.
Já Leonardo Roesler, especialista em direito tributário, administração e finanças, reforça que a derrubada do decreto representa uma “correção relevante na política tributária”. Para ele, o retorno à alíquota de 1,10% sinaliza um compromisso mínimo com a estabilidade normativa e a modicidade fiscal. “Apesar de o alívio ser parcial, representa uma melhora concreta em relação ao cenário anterior de 3,5%, que penalizava excessivamente o consumidor final”, afirma.
E os investimentos lá fora?
A medida também repercute sobre os investimentos no exterior. Segundo Roesler, ao reduzir o impacto tributário sobre remessas, o governo favorece a diversificação de carteiras e a proteção cambial. “Trata-se de uma medida que devolve previsibilidade ao ambiente regulatório, essencial para o planejamento financeiro e patrimonial com foco internacional”, avalia. Ele critica o modelo anterior, que criava barreiras artificiais à saída de capital e ia na contramão de práticas internacionais.
Embora o IOF não influencie diretamente a taxa de câmbio comercial — aquela usada nas negociações entre instituições financeiras — Hoffmann reconhece que a redução pode, no curto prazo, elevar a demanda por moeda estrangeira e gerar uma leve pressão de alta sobre o dólar e o euro. “O impacto tende a ser limitado, pois equivale a uma valorização pontual do real. O mercado cambial é influenciado por fatores mais amplos, como juros, política fiscal e cenário internacional”, pondera.
Roesler concorda com essa avaliação e amplia a análise: “A tendência do câmbio no segundo semestre de 2025 seguirá sendo definida por fundamentos econômicos mais profundos. A manutenção da taxa de juros nos Estados Unidos em patamar elevado, combinada à percepção de fragilidade fiscal do Brasil, tende a sustentar uma valorização moderada do dólar em relação ao real.” Ele destaca que o câmbio responde mais à confiança institucional do que a ajustes pontuais na tributação.
Ambos os especialistas apontam que, mesmo sendo uma medida pontual, a revogação do decreto tem efeito simbólico e prático. Ao restabelecer uma lógica mais equilibrada na tributação de operações cambiais, o Brasil busca recuperar parte da competitividade e sinalizar maior sensatez fiscal. Para Hoffmann, a mudança estimula operações antes represadas e reduz assimetrias entre os meios utilizados para remessas e compras internacionais. Já para Roesler, o recuo legislativo “restaura parte da confiança e indica que, ao menos nesse ponto, a racionalidade prevaleceu sobre o ímpeto arrecadatório”.
O IOF deixará de ser taxado?
A derrubada do decreto que elevava o IOF sobre operações cambiais marcou mais do que uma simples revisão tributária: evidenciou um embate entre arrecadação imediata e previsibilidade econômica. No entanto, segundo especialistas, essa correção pontual não significa que o caminho da desoneração esteja garantido daqui em diante — tampouco que o imposto deixará de ser utilizado como ferramenta de política fiscal.
Para Hoffmann, CEO e cofundador da PagBrasil, o ambiente atual não indica que o governo vá retomar o plano anterior de redução gradual do IOF em 1 ponto percentual ao ano, que estava em curso antes do decreto.
“As condições fiscais devem pressionar pela manutenção das atuais alíquotas e, eventualmente, por uma alta negociada”, afirma. Ele observa, contudo, que a posição da Câmara dos Deputados contra a elevação sinaliza uma mudança de tom: “Há uma pressão política crescente por maior previsibilidade tributária, o que torna mais difícil a implementação de mudanças unilaterais e repentinas.”
Roesler, especialista em direito tributário, vê nesse episódio uma inflexão institucional. “A rejeição pelo Congresso expôs a fragilidade da estratégia de usar decretos isolados para elevar tributos sem respaldo parlamentar”, avalia. Ele entende que, se o governo quiser avançar em alterações do IOF, será necessário integrá-las a um pacote maior de medidas fiscais e à reforma da tributação financeira — de forma transparente e negociada com o Legislativo. “Sem esse respaldo, a manutenção da alíquota de 1,10% continuará como o resultado institucional prevalente”, completa.
Na prática, isso significa que, embora o alívio tributário tenha sido restabelecido, não há garantias de que ele se manterá. Roesler lembra que o IOF cambial segue sendo uma espécie de “válvula fiscal” à disposição do governo, que pode ser acionada para estimular ou frear determinadas movimentações de capital, desde que haja contrapartidas estruturais. “Sem equilíbrio fiscal e base legal clara, reduções pontuais podem ser revertidas facilmente, gerando insegurança para investidores e consumidores”, adverte.
Para quem planeja comprar moeda estrangeira — seja para viagens, seja para investimentos —, os especialistas alertam que o momento ideal depende de um conjunto de variáveis macroeconômicas e políticas, e não apenas da cotação do dia. Hoffmann recomenda atenção aos períodos de alta sazonal na demanda por moeda, como vésperas de feriados ou o fim do ano, quando vencem muitos contratos futuros.
“Nessas datas, há maior procura e, consequentemente, pressão de alta sobre o câmbio. Quem consegue se antecipar pode aproveitar melhores condições”, sugere. Ele também destaca a importância de compras parceladas ao longo do tempo, para obter uma média de preço mais estável.
Além da sazonalidade, fatores estruturais pesam fortemente no comportamento do câmbio. Segundo Roesler, o investidor deve acompanhar com atenção a política monetária dos Estados Unidos — especialmente as decisões do Federal Reserve (Fed) — e o desempenho fiscal brasileiro. “A manutenção das taxas de juros elevadas nos EUA tende a fortalecer o dólar, enquanto sinais de fragilidade fiscal no Brasil pressionam a desvalorização do real”, explica. Indicadores como inflação, crescimento, superávit comercial e o risco país também devem entrar no radar.
Embora a queda do IOF reduza o custo direto das operações cambiais, ela não altera estruturalmente o comportamento do câmbio, que depende de confiança institucional e da percepção de estabilidade econômica. “A previsibilidade do câmbio não se dá por datas fixas, mas pela leitura técnica e estratégica do cenário macroeconômico”, sintetiza Roesler. Já Hoffmann reforça que medidas tributárias e regulatórias, como o IOF, são apenas uma peça de um quebra-cabeça mais complexo: “O cenário ideal para a compra de moeda ocorre quando há estabilidade política interna, inflação controlada e fluxo cambial positivo. Fora disso, o risco de pagar caro é sempre maior.”
Para o consumidor e o investidor, o recado é claro: acompanhar os indicadores e entender o contexto econômico é mais importante do que tentar adivinhar o “melhor dia” para fazer câmbio.
Investimentos: melhor dentro ou fora do Brasil?
A medida, que restabeleceu o imposto a 1,10% em diversas operações, foi comemorada como uma correção de rumo que devolve competitividade aos produtos internacionais e reduz a insegurança regulatória que vinha afastando recursos de fora do país.
Segundo Alex Hoffmann, a volta ao IOF anterior tem impacto direto sobre a atratividade de investimentos globais.
“O aumento abrupto do IOF havia reduzido o apelo de muitos desses produtos, ao elevar o custo da conversão de reais para moeda estrangeira. Agora, com a reversão do decreto, o cenário muda: melhora a rentabilidade líquida e reduz-se o risco regulatório, o que aumenta a confiança de longo prazo nesses ativos”, destaca. Ele afirma que, especialmente nos casos de investimentos que exigem remessa internacional, a queda da alíquota melhora significativamente o chamado “custo de carregamento”, tornando a diversificação patrimonial no exterior mais viável.
Leonardo Roesler, concorda, mas adverte que a mudança deve ser analisada com cautela. Para ele, o IOF é apenas uma entre várias variáveis que determinam a viabilidade de alocar capital fora do Brasil. “Embora inferior à alíquota de 3,5% proposta no decreto revogado, o percentual vigente ainda representa um encargo relevante. Produtos como Exchange Traded Funds (ETFs) no exterior e contas em corretoras internacionais continuam sujeitos à incidência do imposto e, portanto, requerem planejamento tributário cuidadoso para manter boa rentabilidade líquida”, afirma. Ele ressalta ainda que o histórico de alterações abruptas no IOF gera insegurança jurídica e prejudica a previsibilidade essencial ao investidor de longo prazo.
Férias e viagens: como aproveitar lá fora?
No universo das viagens internacionais, as implicações da mudança também são relevantes. Hoffmann explica que o meio de pagamento escolhido pode alterar consideravelmente o custo final. Apesar da redução do IOF para 1,10% em compras com dinheiro vivo ou cartões pré-pagos e contas globais, o uso de cartão de crédito tradicional segue oneroso, com IOF mantido em 3,38% e spreads que podem chegar a 7%. “Além disso, há a imprevisibilidade cambial, pois o valor em reais é calculado apenas no fechamento da fatura, o que dificulta o controle financeiro durante a viagem”, alerta.
Alternativas como contas globais e cartões pré-pagos se mostram mais vantajosas, oferecendo melhor controle de gastos e transparência cambial.
O retorno da alíquota reduzida do IOF ameniza custos e melhora o cenário para operações cambiais — tanto para quem viaja quanto para quem investe. No entanto, como destacam os especialistas, o verdadeiro desafio está na construção de uma política tributária mais previsível, que permita ao brasileiro planejar seus gastos e investimentos com segurança, clareza e liberdade de escolha. O IOF menor é um passo positivo, mas a confiança de longo prazo dependerá da estabilidade institucional e da capacidade do país de manter um ambiente fiscal coerente e transparente.