Fusão BRF-Marfrig está em risco? Entenda o impasse das gigantes de alimentos na CVM
Acionistas minoritários questionam a relação de troca das ações e pedem suspensão da AGE marcada para 14 de julho; Procuradas, Marfrig e BRF não quiseram comentar sobre o assunto
A incorporação da BRF pela Marfrig busca criar uma nova empresa com relevância internacional e local no setor de alimentos (Foto: Adobe Stock)
O processo de incorporação da BRF (BRFS3) pela Marfrig (MRFG3) enfrenta forte resistência dos investidores desde o anúncio do negócio, em maio deste ano. O incômodo está na relação de troca das ações que, na avaliação dos acionistas minoritários, favorece apenas a Marfrig, a empresa controladora. O caso se tornou alvo de ações na Justiça e processo na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que questionam a legalidade da proposta e buscam suspender a Assembleia Geral Extraordinária (AGE), prevista para acontecer na próxima segunda-feira (14).
O encontro foi remarcado após determinação da autarquia para receber novas informações sobre as condições do processo de fusão das empresas. Contudo, os esclarecimentos não foram suficientes para colocar um fim na insatisfação dos investidores.
O E-Investidor apurou que a Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (Previ) e o investidor Alex Renato de Maura Fontana, membro da família fundadora da Sadia [marca que faz parte da BRF], solicitaram uma análise aprofundada sobre a incorporação para a Superintendência de Relações com Empresas (SEP) do órgão regulador. Os autores alegam que a proposta de substituição das ações causa prejuízo ‘substancial’ aos direitos dos acionistas da BRF.
Ambos sofreram uma derrota na Justiça após a 1ª Vara Empresarial de São Paulo negar o pedido que buscava suspender a AGE. Procurados, Fontana e a Previ não quiseram comentar o assunto. A reportagem também solicitou posicionamento para a Marfrig (MRFG3) e a BRF (BRFS3), mas as duas empresas decidiram não se pronunciar.
Entenda a polêmica
Em maio, as empresas surpreenderam o mercado ao comunicar o desejo de unir os seus negócios para se tornar uma gigante do setor de alimentos. Com a transação, a BRF passa a ser uma subsidiária integral da Marfrig, que continuará listada no Novo Mercado da B3. As companhias estimam sinergias na ordem de R$ 485 milhões por ano com aumento de receitas e redução de custos.
Os números animaram os investidores, que enxergaram na nova companhia potencial elevado de retorno para os seus portfólios. Mas o brilho inicial deu espaço ao descontentamento com a proposta de substituição das ações. Para que a operação saia do papel, foi oferecido aos acionistas da BRF (com exceção da própria Marfrig) uma relação de troca na seguinte proporção: uma ação da BRF para 0,8521 ação ordinária da Marfrig. A negociação considerou ainda a distribuição de dividendos e juros sobre capital próprio de R$ 3,52 bilhões pela BRF e R$ 2,5 bilhões pela Marfrig.
A oferta foi vista com desconfiança pelo mercado. Na época, quando as companhias informaram a fusão, a Genial Investimentos ressaltou que a proposta da Marfrig estava aquém da eficiência operacional da BRF e sem o pagamento de prêmio pelo controle da companhia, algo incomum para as operações dessa magnitude. Para a corretora, a proporção implicava em um deságio na ordem de 15% para os acionistas da BRF.
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Já no processo movido pela Previ e por Fontana na CVM, ao qual o E-Investidor teve acesso, os autores citam um laudo técnico, encomendado por eles e realizado pela assessoria em finanças corporativas Málaga Accounting & Financial Advisory, que calculou qual seria a relação de troca ideal para a operação. O estudo concluiu que a substituição deveria ser, ao menos, entre 1,2983 e 1,5838 ações da Marfrig para cada ação da BRF. Os números consideram a precificação dos papéis das empresas envolvidas durante os períodos de 180 e 360 dias anteriores à divulgação da operação.
Quais são as chances da AGE não acontecer?
O artigo 264 da Lei das S.A determina que, para os casos de incorporação, os cálculos da proposta de substituição das ações devem ter como base o valor do patrimônio das duas empresas, seguindo os mesmos critérios, ou com base em alguma determinação da CVM. A legislação também exige, segundo Gustavo Pozatti Ueda, sócio do escritório de advocacia Oliveira & Olivi e especialista em direito societário, que esse procedimento seja realizado com base em laudos de avaliação elaborados por especialistas independentes. “O objetivo é assegurar o tratamento justo e equitativo para todos os acionistas, especialmente quanto aos minoritários”, diz Pozatti Ueda.
Contudo, os acionistas minoritários alegam que membros dos comitês por trás da negociação possuíam vínculos com a Marfrig e, por esse motivo, não tinham autonomia para rejeitar a proposta do acionista controlador. Em processo na CVM, Previ e Alex Fontana citam Eduardo Pocetti, membro do Comitê Independente da BRF, por ter atuado no Conselho Fiscal da Marfrig entre 2014 e 2021. Eles mencionam também Antônio Maciel Neto, membro do Comitê Independente da Marfrig, por ser sócio de Marcos Antonio Molina dos Santos, fundador da Marfrig, em duas empresas.
No entanto, para Mário Nogueira, sócio de M&A e Concorrencial do NHM Advogados, a eventual relação entre os membros de comitês e a empresa controladora não é suficiente para a CVM interromper mais uma vez a AGE das duas empresas. Segundo ele, outros elementos seriam necessários para atestar indícios de irregularidades na formação dos comitês independentes. “Não há um critério objetivo na legislação ao qual a CVM deva se ater ao decidir”, ressalta Nogueira.
O E-Investidor tentou contato com Antônio Maciel Neto, por meio do seu perfil nas redes sociais e pelos canais de comunicação de uma empresa na qual ele é fundador, e para Eduardo Pocetti, por meio do seu perfil no LinkedIn. No entanto, não recebemos retorno.
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Quanto à relação de troca, os especialistas avaliam que a proporção sugerida pelos comitês independentes considera apenas o valor das ações sem contar os dividendos das duas empresas que serão pagos à parte. Por isso, eles alegam que o preço é menor do que as estimativas dos minoritários. Caberá à CVM avaliar se os valores foram determinados de forma adequada, pensando no melhor interesse da companhia e acionistas.
Enquanto o imbróglio não tem um desfecho, as ações das empresas caminham em sentidos opostos. Os papéis da BRF acumulam queda de 22,91% em 2025, diante da insatisfação com a relação de troca dos papéis, enquanto a Marfrig avança 30,71%, refletindo a expectativa do mercado com o potencial da futura empresa. Um claro reflexo do sentimento dos investidores sobre a maior fusão do setor de alimentos do mercado brasileiro.