O estilo de negociação de Donald Trump na presidência dos Estados Unidos provocou uma ruptura na forma tradicional de como a diplomacia internacional chega a acordos e constrói relacionamentos – veja aqui o detalhamento de sua estratégia trazida do mundo dos negócios. Em seu estilo de governar, o republicano, hoje no cargo mais poderoso do mundo, demonstra características de personalidade autoritária para reforçar divisões de “nós contra eles” e a disputa tarifária contra o Brasil deixa isso evidente.
Trump frequentemente pinta os parceiros comerciais como exploradores mal-intencionados, contrapondo-os ao povo americano “vítima”, com ele emergindo como o defensor ferrenho do seu grupo. Essa retórica de confronto simplifica questões complexas tomando a forma de um conflito moral, o que psicologicamente fortalece a coesão dos seguidores dele (nós) contra os outros.
Traços de personalidade autoritária aparecem em sua forma de conduzir: ele exige lealdade pessoal, valoriza a submissão às suas vontades e despreza instituições multilaterais ou tecnocráticas. Esse padrão condiz com conceitos de psicologia social como a Teoria da Identidade Social e estudos sobre liderança autoritária (teóricos como Adorno e Altemeyer já descreveram o apelo de líderes que encarnam autoridade para um grupo ressentido).
Em suma, Trump emprega ferramentas psicológicas tanto deliberadas (táticas de influência) quanto derivadas de sua personalidade e visão de mundo e essa combinação o torna um negociador singular.
O caso da disputa tarifária com o Brasil ilustra perfeitamente os dois lados da moeda na estratégia de negociação de Trump. Por um lado, ninguém duvida que ele consiga atrair a atenção e forçar discussões nos seus termos – afinal, poucos líderes teriam disposição de criar uma crise aberta em defesa de um aliado pessoal estrangeiro.
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Trump demonstra disposição de ir mais longe e ser mais duro do que o oponente, o que pode render concessões rápidas. Em episódios anteriores, sua abordagem produziu alguns resultados palpáveis: o México, confrontado com a perspectiva de tarifas devastadoras, mobilizou tropas na fronteira e endureceu políticas migratórias em 2019 para satisfazer as exigências americanas.
A China, alvo de uma guerra comercial feroz, acabou firmando um acordo comercial “Fase 1” em 2020, comprometendo-se a aumentar importações dos EUA, algo que muitos atribuíram à pressão tarifária extrema. Até aliados tradicionais, como Canadá e União Europeia (UE), aceitaram renegociar termos – vide o novo Acordo Estados Unidos-México-Canadá (USMCA) que substituiu o Tratado Norte-Americano de Livre-Comércio (Nafta, composto pelas três nações) após Trump ameaçar rupturas completas.
Esses exemplos mostram que a estratégia “hardball” de Trump pode, sim, produzir ganhos táticos de curto prazo e manchetes de “novo acordo fechado”, fortalecendo sua imagem de negociador implacável.
A psicologia por trás da estratégia de Trump
Por outro lado, os custos dessa abordagem também são evidentes. A “Arte de Negociar” de Trump nem sempre leva em conta o custo de reputação e confiança no longo prazo. Relacionamentos internacionais, ao contrário de contratos comerciais pontuais, precisam de capital diplomático e boa-fé mútua.
Traços de personalidade autoritária aparecem no estilo de negociação de Donald Trump. (Foto: Adobe Stock)
Quando Trump trata aliados ou parceiros comerciais como adversários a serem subjugados, ele muitas vezes queima pontes que demoraram décadas para serem construídas. Sua disposição de “queimar o manual” das normas diplomáticas gera imprevisibilidade não só para os rivais, mas também para os próprios aliados dos EUA, que passam a questionar a confiabilidade americana.
No confronto com o Brasil, ficou claro que a intervenção agressiva dos EUA nos assuntos internos chocou até setores pró-americanos. Afinal, se hoje ele sai em defesa de Jair Bolsonaro (PL), amanhã poderia ser de outra ingerência. Esse efeito colateral de desconfiança pode levar países a buscarem alternativas fora da órbita dos EUA – fortalecendo, por exemplo, laços com a China ou outros blocos.
A vitória de curto prazo pode semear dificuldades estratégicas no longo prazo.
Do ponto de vista psicológico e comportamental, a insistência em uma tática única pode gerar polarização: quem admira o estilo “durão” de Trump aplaude seus resultados econômicos; já quem se preocupa com diplomacia internacional vê nele um trator que sacrifica relações institucionais. Ambos os lados têm sua parcela de verdade.
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A técnica da “porta na cara” dele funciona até certo ponto, mas cobra um preço em termos de boa vontade e estabilidade futura. Como notou o psicólogo Jeremy Nicholson, faltar flexibilidade e abusar de uma única estratégia de influência acaba por criar outros problemas assim que resolve os antigos. Governar não é o mesmo que fechar um único negócio; são relações contínuas que exigem também gestão de relacionamentos e não apenas vitória em cada embate.
Disputa tarifária entre EUA e Brasil em 2025 expõe o padrão Trump de negociar
A disputa tarifária entre EUA e Brasil em 2025 expôs de forma nítida o estilo Trump de negociar. O presidente-americano tratou uma questão diplomática como um negócio de alto risco, buscando alavancar o máximo de pressão (tarifas, sanções a indivíduos, ameaças verbais) para atingir objetivos muito específicos, como a proteção a Bolsonaro e a afirmação de poder.
Presidente Lula endureceu o discurso contra Trump e suas tarifas de 50% dos EUA para produtos importados do Brasil. (Imagem: Ricardo Stuckert/PR em Agência Brasil)
Esse comportamento reflete traços marcantes da trajetória de Trump: o transacionalismo radical, a crença na confrontação direta e a convicção de que “o mundo é dos espertos”, ou seja, dos que ousam pedir mais e impor sua vontade. Inspirado tanto por táticas clássicas de persuasão quanto por seu instinto pessoal de showman e deal-maker, Trump criou um estilo de negociação singular, admirado por uns e repudiado por outros.
Ao observarmos essa forma de atuação sob a lente da psicologia comportamental, entendemos melhor seus mecanismos. Conceitos como a ancoragem em pedidos extremos, o medo da perda, a demonização do outro grupo e o uso do imprevisível como tática explicam como Trump consegue movimentar negociações e gerar adesão de sua base doméstica.
Contudo, também esclarecem por que esse estilo tende a encontrar limites e resistência: pessoas e nações têm um ponto em que sentirão a abordagem como injusta ou insustentável, reagindo contra ela.
No fim, Trump negocia hoje, como sempre negociou, projetando sua personalidade nos acordos. Nem mesmo a presidência teve a capacidade de mudá-lo nesse aspecto, ao contrário, amplificou seu alcance.
Para o bem ou para o mal, ele leva a sério o mote de que ‘a vida é uma barganha’. Resta ao mundo decifrar esse jogo e responder à altura.
O que resta diante da agressividade de Trump nas negociações?
Entender o padrão de pensamento e decisão de Trump, com ajuda inclusive da psicologia, nos dá pistas de seus próximos movimentos. Afinal, como diz um antigo ditado, “conheça a si mesmo e conheça seu inimigo e você não temerá o resultado de cem batalhas”. Trump certamente se conhece – seus interlocutores é que precisam decidir se jogam o mesmo jogo ou se encontram uma via alternativa de diálogo.
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Em meio a tarifas e ameaças, uma coisa é certa: o estilo de negociação de Donald Trump veio para deixar uma marca na história, desafiando convenções e nos forçando a olhar a diplomacia por um ângulo diferente, o ângulo do negociador que enxerga o mundo como um grande negócio em aberto.