A decisão gerou euforia entre investidores: o Ibovespa renovou seu recorde histórico e fechou o dia pela primeira vez acima dos 145 mil pontos. Mas a reação em Nova York foi mista. Por lá, o mercado reagiu de forma volátil, primeiro em alta, mas logo devolvendo parte do movimento, enquanto investidores avaliavam a decisão do Fed e o discurso de seu presidente Jerome Powell.
As sinalizações de Powell, destacando que a continuidade do ciclo de queda de juros nos próximos meses ainda depende da evolução dos dados de inflação e emprego nos EUA, foram lidas por uma ótica mais hawkish, ajudando a limitar os ganhos gerados pela decisão de corte na Fed Funds.
As atenções do mercado, inclusive brasileiro, estavam focadas no encontro do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês) há algum tempo. Por aqui, o Banco Central brasileiro deve optar na noite desta quarta-feira por manter a taxa Selic no atual patamar de 15,0% ao ano. Sem novidades no Brasil, a decisão lá fora virou um verdadeiro catalisador dos ativos locais.
Com juros mais baixos nos EUA, o apetite de investidores estrangeiros por ativos de risco aumenta, beneficiando emergentes. Para muitos, este pode ser o início de um novo bull market no Brasil; veja aqui.
Os especialistas elencaram alguns destaques do Fed. Veja:
Supresa “dovish”
O mercado financeiro tem dois jargões para descrever a postura de um banco central em relação à sua política monetária: hawkish e dovish. O primeiro é utilizado para descrever uma tendência de conduta mais restritiva, uma postura mais dura em relação ao controle da inflação e, como consequência, juros mais altos. O segundo é o contrário, quando a conduta tende a ser mais expansionista, com juros mais amenos e maior estímulo à economia.
Depois de três anos de tom hawkish, o Fed dovish finalmente chegou. E essa foi uma das surpresas para alguns especialistas, que avaliaram que o banco central americano foi mais leve no comunicado do que se esperava.
William Castro Alves, estrategista-chefe da Avenue, destaca que o Fed adicionou em sua comunicação três frases que denotam maior preocupação: com a economia: “os riscos negativos para o emprego aumentaram”, “os ganhos de empregos desaceleraram” e “a taxa de desemprego aumentou ligeiramente”. “Isso é importante, uma vez que denota uma postura de continuidade de novos cortes olhando a frente”, diz. “A novidade ficou por conta do tom mais dovish no comunicado.”
Mais cortes, menor magnitude
Outro destaque da reunião desta Super Quarta foi o dot plot, que reúne as projeções dos membros do comitê. A sinalização foi de outros dois cortes ainda em 2025, com uma redução adicional em 2026. São mais ajustes do que alguns players esperavam, mas a magnitude deles ainda indica que boa parte dos diretores do Fed não vê espaço para um afrouxamento mais significativo.
“Isso pode gerar algum ruído em um mercado que vem se apoiando fortemente na expectativa de um ambiente de política monetária mais estimulativa. Por isso, o S&P500 e o Nasdaq apresentavam leve queda após a decisão”, explica Paula Zogbi, estrategista-chefe da Nomad. “Os termos usados no documento sinalizam maior preocupação com o mercado de trabalho, embora as projeções do dot plot para a taxa de desemprego em 2025 tenham sido mantidas inalteradas.”
Para 2026 e 2027, o Fed projeta apenas um corte por ano, levando a taxa terminal a 3,1%, acima dos 2,8% precificados pelo mercado. Na avaliação da Capital Economics, ouvida pelo Broadcast, as novas projeções “são bastante inconsistentes”, já que indicam cortes de juros mesmo com o núcleo da inflação acima da meta, crescimento do PIB levemente acima da tendência e queda da taxa de desemprego para 4,4% em 2026.
Dissidência entre os membros
A possibilidade de divergência entre os membros do FOMC já estava na mesa do mercado. Já havia algum tempo, dirigentes do grupo vinham dando sinalizações que indicavam posições diferentes em relação à magnitude do corte de juros.
“Historicamente, dissensos no FOMC tendem a gerar forte volatilidade nos mercados financeiros. Não apenas porque revelam divergências de diagnóstico entre os formuladores de política monetária, mas também porque aumentam a incerteza quanto ao curso futuro da taxa de juros. Essa incerteza, por sua vez, afeta expectativas de inflação, curva de juros, câmbio e preços de ativos de risco”, destacou Cristiano Oliveira, economista do Banco Pine, em relatório publicado antes da reunião.
Investidores brasileiros que acompanharam as reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom) devem se lembrar disso. Em maio de 2024, o grupo reduziu a taxa Selic em 0,25 ponto percentual para 10,5% ao ano em um placar dividido. Quatro dos nove diretores do BC, todos indicados pelo atual governo haviam votado por um ajuste maior, de 0,5 p.p. Isso gerou muita volatilidade no mercado local à época.
Por causa da possibilidade de dissenso nesta reunião, a comunicação do Fed já estava no radar como algo tão relevante quanto a decisão em si. E realmente aconteceu.
O diretor Stephen Miran divergiu do resto do grupo ao votar por um corte maior, de 0,5 ponto percentual. Ele é o membro mais novo do FOMC, confirmado pelo Senado americano nesta semana para um “mandato tampão” até o fim de janeiro de 2026, e já foi presidente do Conselho de Assessores Econômicos da Casa Branca.
Para Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, a dissidência isolada acabou ganhando protagonismo na decisão. “Isso amplia os receios sobre a capacidade de interferência do presidente Donald Trump na condução da política monetária. Vale lembrar que, em cerca de seis meses, o comitê será fortemente renovado com indicados do presidente republicano”, pontua.