Na noite da última quarta-feira (1º), o Projeto de Lei 1087/25 foi aprovado na Câmara dos Deputados e agora segue para ser votado no Senado. O PL cumpre uma promessa antiga do Governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de isentar de Imposto de Renda (IR) quem ganha até R$ 5 mil mensais, com níveis de descontos para rendas de até R$ 7,3 mil por mês.
A contrapartida dessa isenção é um aumento na tributação da alta renda. O projeto cria uma alíquota complementar e progressiva de imposto para quem ganha a partir de R$ 600 mil em rendimentos por ano. O teto dessa nova tributação é de 10%, a ser aplicado para ganhos que somam R$ 1,2 milhão ao ano ou mais.
Contudo, no mercado financeiro, nada fez mais barulho do que a tributação sobre dividendos, hoje isentos de IR. Na prática, uma companhia que paga R$ 50 mil ou mais em dividendos para uma mesma pessoa mensalmente deverá reter 10% desse valor na fonte. A regra serve tanto para empresas listadas na Bolsa de Valores, que distribuem dividendos aos investidores, quanto para empresas fechadas que pagam seus colaboradores via proventos – como é comum em escritórios de advocacia. Investidores residentes no exterior também não escapam à taxação.
No final, o valor retido em dividendos servirá como uma antecipação do IR, ou seja, será considerado na hora do preenchimento da declaração e poderá abater o valor total devido.
Todas essas alterações devem entrar em vigor no início do ano que vem, se o PL for aprovado no Senado e assinado pelo presidente Lula. Para Cláudio de Moraes, professor do MBA em Gestão Tributária da Trevisan Escola de Negócios e sócio de impostos da Consultoria e Auditoria Grant Thornton, esse projeto gera um misto de sensações e consequências.
Representa justiça tributária para quem possui a renda mais baixa e precisa, pelo modelo atual, lidar com uma tributação alta, de até 27,5%. Por outro lado, deixa o Brasil menos atrativo para os investidores estrangeiros, sejam aqueles que investem via mercado de capitais ou em empresas fechadas.
O problema é que a distribuição de dividendos isentos é considerada um grande chamariz desse capital estrangeiro, um ponto forte que diferenciava o mercado brasileiro dos pares emergentes e contrabalanceava alguns pontos fracos. Caso da já alta carga tributária no Brasil e a complexidade desses tributos.
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“A queda do dólar e o nosso juro alto atraem os investidores estrangeiros, mas essa nova tributação sobre dividendos pode prejudicar esse movimento”, diz Moraes. “Isso pode desaquecer uma tendência que estava voltando a ganhar força nos últimos meses, que é a entrada de capital estrangeiro no Brasil.”
Até o final de setembro, o fluxo de capital externo para a B3 somou R$ 27 bilhões em 2025. Até aqui, uma recuperação em comparação a 2024, quando saíram R$ 24,1 bilhões.
“Quando olhamos outros emergentes, o contraste fica claro”, aponta Milene Dellatore, especialista em investimentos, trader e diretora da MIDE Mesa Proprietária. A especialista aponta que pares como Chile e México já têm carga tributária sobre dividendos, mas oferecem maior previsibilidade fiscal e um ambiente de negócios menos instável em termos de regras. A Índia também fez mudanças recentes que simplificaram a tributação. “Já o Brasil, em vez de cortar privilégios e rever gastos, escolhe aumentar impostos, e isso joga contra nossa atratividade”, diz.
Mudanças nos portfólios
Para as grandespagadoras de dividendosda Bolsa brasileira, a notícia também é negativa. A tendência é de que, se aprovado, o projeto de lei provoque uma revisão dos portfólios e nas estratégias focadas em dividendos, por parte dos investidores e das empresas.
“Empresas tradicionalmente boas pagadoras de dividendos, como bancos, elétricas e saneamento, vão precisar repensar suas políticas de payout. Esse novo imposto pode levar à retenção maior de lucros, ao reinvestimento ou ao escalonamento de pagamentos para reduzir a exposição à tributação. No fim, o investidor que depende desses dividendos líquidos pode receber menos”, diz Dellatore.
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A recomendação para o investidor, entretanto, é não agir por impulso. Há um rito a ser seguido antes da aprovação e o texto ainda pode ter modificações.
“Depois da aprovação do texto-base na Câmara, o projeto sobre a isenção do IR segue ao Senado. Aprovado sem mudanças, vai à sanção presidencial; se alterado, retorna à Câmara. Para produzir efeitos nos rendimentos de 2026, precisa ser aprovado e sancionado ainda em 2025”, aponta Mary Elbe Queiroz, advogada tributarista, presidente do Cenapret e sócia do Queiroz Advogados.