Da fábrica ao feed: a nova alienação do trabalho e o alerta da Geração Z
Empresas buscam produtividade, mas enfrentam um mal invisível: a desconexão humana. A alienação que um dia habitou as fábricas agora vive nas telas e ameaça o valor mais estratégico das organizações: o sentido
Na era da eficiência e dos dashboards, o trabalho perdeu o sentido e a motivação. A nova alienação não é das máquinas, mas de si mesmo. Entenda por que reumanizar o trabalho é o maior desafio do século XXI. (Imagem: Adobe Stock)
As empresas correm atrás de resultados, mas enfrentam uma crise que não aparece nos relatórios financeiros: pessoas desmotivadas, líderes perdidos e times esgotados sem saber por quê. Em nome da eficiência, o trabalho foi fatiado em tarefas, metas e dashboards, até se tornar um conjunto de entregas sem alma. O que antes era alienação industrial (o operário que não via o resultado da própria obra), virou alienação digital: o profissional que produz sem sentir propósito. A fábrica agora é o feed, e o trabalhador moderno continua alienado; não das máquinas, mas de si mesmo.
Na era industrial, o trabalhador repetia o mesmo gesto todos os dias, sem enxergar o resultado. Perdia a ligação com o produto, com o propósito e com a própria obra. Hoje, o cenário mudou, mas o sintoma é o mesmo. Na nova fábrica invisível, o alerta da supervisão virou notificação e o controle visual foi substituído por um software que mede o tempo ativo na tela: a versão digital do antigo capataz. E, entre planilhas, reuniões e mensagens que chegam a qualquer hora, o trabalho segue se afastando do seu sentido original: criar, colaborar, transformar.
Tenho visto líderes que não sabem o que estão pedindo. Delegam tarefas sem compreender o propósito, cobram metas que não inspiram e depois se espantam com a falta de engajamento. O trabalho virou uma sequência infinita de execuções; e, quando tudo se reduz a tarefa, o cérebro desliga, o sentido se perde e o talento se apaga. Repetimos gestos digitais como antes se repetiam gestos mecânicos.
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A geração Z sente isso com força. Não é falta de vontade; é falta de significado. Eles cresceram em um mundo que cobra velocidade e visibilidade, mas esqueceu de ensinar profundidade. São cobrados para entregar, não para pensar. E quando não entendem o “porquê” do que fazem, desconectam. Uns pedem demissão, outros permanecem, mas apenas de corpo presente. A alienação mudou de forma: deixou de ser física e virou emocional.
Nas empresas, a palavra “ROI” (retorno sobre investimento) ecoa como o novo hino corporativo. Fala-se em performance, meta, entregável. Mas raramente em sentido, pertencimento e aprendizado. A liderança moderna precisa reaprender algo básico: humanos não se movem apenas por resultados, mas por relevância. O propósito não é um discurso, é o elo que faz o trabalho valer a pena.
A NR-01, que estabelece diretrizes sobre saúde e segurança no trabalho, não veio apenas como uma obrigação legal. Ela veio para ficar. É um lembrete de que a saúde mental e o senso de contribuição não são opostos da produtividade, mas seus pilares. Quando o ambiente de trabalho valoriza o bem-estar, o reconhecimento e a autonomia, o resultado melhora. Cuidar da mente é também cuidar do desempenho — e compreender o valor humano é o primeiro passo para sustentar qualquer estratégia.
Na fábrica do século XIX, a alienação veio das máquinas. Na do século XXI, vem da pressa, da fragmentação e da falta de propósito. O antídoto é o mesmo: reconectar o fazer ao significado. Lembrar que produtividade não é correr mais, é entender para onde se está indo. E talvez o verdadeiro desafio do futuro do trabalho não seja automatizar tarefas ou incorporar a inteligência artificial, mas sim reumanizar o trabalho; salvar a alma da cilada eficiente, rápida e emocionalmente vazia.