Risco de crise de crédito? A gestão cautelosa da Sparta tem a ver com outro motivo
Receio maior está na reação dos investidores ao mês em que boa parte dos fundos não conseguiu superar o CDI; mas mantém caixa para capturar oportunidades, especialmente nos fundos listados
Ulisses Nehmi, CEO da Sparta, gestora especialista em crédito privado com R$ 19 bi sob gestão. (Arte de Victoria Fuoco / Foto: Divulgação/Sparta)
O crédito privado teve em outubro seu primeiro desempenho ruim generalizado desde que se tornou a “menina dos olhos” do mercado brasileiro. Parte dos fundos teve resultado negativo nas cotas no mês e a grande maioria ficou atrás do CDI graças à abertura dos spreads dos títulos incentivados, que vinham há meses abaixo até das NTN-Bs, títulos públicos indexados à inflação (Tesouro IPCA+ no Tesouro Direto).
Enquanto isso, investidores acompanhavam as discussões sobre as dívidas de companhias como Ambipar (AMBP3), Braskem (BRKM5) e Raízen (RAIZ4), com uma taxa de juros ainda estacionada em 15% ao ano aumentando os temores de inadimplência na economia. Foi o combo perfeito para trazer de volta à pauta o receio com uma crise estrutural de crédito.
A Sparta Fundos de Investimento, gestora especialista na estratégia com R$ 19 bilhões em ativos sob gestão, está olhando com cautela para o cenário. Em meados de outubro, a casa fechou a captação de dois fundos de incentivadas, o Sparta Debêntures Incentivadas e o Sparta Debêntures Incentivadas D45.
O motivo, no entanto, destoa do discurso que parte do mercado financeiro tem entoado quanto a uma possível crise generalizada no segmento. O receio é outro: como os investidores vão reagir ao primeiro mês de desempenhos ruins na classe como um todo.
“Foi um mês com retorno negativo em um produto que vinha só com bons resultados. A dúvida é se o investidor vai se assustar, principalmente aquele que entrou no isento sem a visão técnica de longo prazo. Se de repente todo mundo começa a pedir resgate, vira uma bola de neve”, explica Ulisses Nehmi, CEO da Sparta.
O retorno abaixo do CDI de boa parte das cotas dessa indústria, incluindo dos fundos da Sparta, aconteceu na esteira da abertura dos spreads dos títulos incentivados que ocorreu em outubro. Os spreads são, de forma resumida, a diferença paga por um título de dívida privada em relação a um título público, refletindo o grau de risco daquele emissor.
Quando o spread “abre”, significa que a taxa oferecida ao investidor fica maior. Na maioria das vezes, isso acontece quando a percepção de risco de crédito subiu. A consequência negativa disso é que quem já tinha ativos na carteira, emitidos a taxas menores, vê os títulos se desvalorizarem na marcação a mercado; incluindo os fundos de crédito privado.
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Alguns players têm atribuído o movimento visto em outubro justamente ao aumento da percepção de risco, dado os eventos relacionados a grandes empresas de capital aberto. Mas a casa acha que tem a ver com uma dinâmica de oferta e demanda.
Desde o último ano, a gestora vem falando sobre uma “divergência estrutural” no mercado de crédito. Com os juros altos, o risco do investimento aumentou, o que deveria fazer os spreads dos títulos serem maiores. No entanto, justamente pelos juros altos aliados ao benefício fiscal, a demanda por esses ativos está muito elevada, o que faz os spreads se fecharem.
“Por fundamento, os spreads de crédito deveriam estar abrindo. Por fluxo, eles estão fechando. Daí a divergência. E isso justifica porque estamos mantendo uma visão muito cautelosa do cenário”, diz Nehmi.
Nos últimos meses isso ficou ainda mais evidente nos incentivados, com a corrida por isentos causada pela MP 1.303, que prometia tributar em 5% de Imposto de Renda esses títulos a partir de 2026. Muitos títulos corporativos isentos chegaram a pagar taxas bem abaixo dos títulos soberanos emitidos pelo governo federal.
Passou a fazer pouco sentido manter o ritmo de compras nesse nível de preço e a gestora decidiu fechar a captação dos fundos, mesmo com uma “demanda insana”, nas palavras do CEO. Outras casas foram pelo mesmo caminho. A MP não passou no Congresso e, com menor demanda graças ao movimento das gestoras, outubro trouxe um movimento de correção. É a isso que a Sparta atribuiu a abertura dos spreads, não a um risco de crise estrutural de crédito.
Mas, como a relação entre preço unitário das cotas e a taxa dos fundos é inversa, a abertura dos spreads bateu nas cotas dos fundos. A classe, portanto, teve desempenho fraco como um todo e agora gestores com fundos de liquidez mais curta podem enfrentar o risco de resgates.
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Um alerta para a indústria de fundos como um todo, que vinha se apoiando nas estratégias de crédito para manter a captação positiva em meio à pior janela para multimercados e ações da história.
“Vai ser um desafio para quem cresceu sem qualidade, mas talvez tenha muito mais impacto em casas específicas do que na classe como um todo. Na média, investidores estão sobrealocados em crédito, só que isso só vai mudar quando tivermos uma taxa de juros mais baixa ou quando ativos de risco estiverem performando bem o suficiente para atrair investidores.”
O caixa em mãos para aproveitar oportunidade
A pergunta agora é se essa dinâmica, de novas aberturas de spreads e portanto mais um mês negativo para os fundos, vai seguir em novembro. “Vai depender do comportamento dos investidores. Se houver muitos resgates, a indústria pode ter mais um mês ruim”, afirma Nehmi.
No entanto, ele volta a apostar no equilíbrio entre oferta e demanda. Caso os spreads sigam em abertura, os títulos incentivados voltam a se tornar mais atraentes e o apetite dos fundos pode retornar, com aumento da demanda compradora.
“Nos níveis atuais, os títulos voltaram a ser mais interessantes que as alternativas tributadas, mas ainda está longe de ser o momento mais atrativo que já tivemos”, destaca. Agora, se os spreads continuarem a aumentar, os incentivados começam a ter uma vantagem relevante. “Por isso, em algum momento, esse movimento de abertura de spreads para. O que pode atrapalhar são os resgates.”
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É por isso que a Sparta está mantendo níveis elevados de caixa. A gestora quer estar preparada para capturar oportunidades mais atrativas que vão surgir nessa abertura dos spreads, especialmente nos fundos fechados, os FI-Infras. Como são ativos listados em Bolsa, essa classe não fica exposta aos riscos de resgates de investidores. É nela que Nehmi acha que dá para capturar mais oportunidades, como aconteceu em 2023.
Não por acaso, a Sparta anunciou na última quarta-feira (29) uma nova emissão para o CDII11, um de seus produtos mais populares. É a sexta oferta pública de cotas do ativo, com meta de captação inicial em R$ 2 bilhões, podendo chegar a R$ 2,5 bi. Se tirar esse plano do papel, o patrimônio líquido (PL) do fundo pode chegar a R$ 4 bi, o suficiente para alçá-lo ao posto de segundo maior FI-Infra da B3. Veja detalhes aqui.