O impacto gerado pelo coronavírus é um sinal de que nosso sistema econômico e o planeta estão em conflito. Somam-se a isso as mudanças climáticas, que podem causar impactos ainda maiores. Imaginem que desafiador seria viver em um mundo cada vez mais quente, menor e com mais gente.
Como indivíduos temos inúmeras maneiras de atuar positivamente. Consumir de forma mais consciente é uma alternativa. Investir de maneira responsável, percebe-se hoje, é o único caminho para transformar nossa realidade e escolher o mundo que você quer. Hoje é possível investirmos levando em consideração as pessoas, o planeta e a maneira pela qual as empresas se comportam.
Até outro dia, ninguém perguntava para seu gerente do banco de que forma o retorno de um determinado investimento havia sido atingido. Poucos procuravam saber se as empresas que se beneficiavam em última instância de seu capital desmatavam ilegalmente, maltratavam ou exploravam seus colaboradores, poluíam nossos rios, mares e entorno, ou como se portavam em relação aos seus acionistas e demais stakeholders. Não importavam os conflitos de interesses, a falta de transparência, a ausência de diversidade. Bastava ter o melhor retorno com o “menor” nível de risco.
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“Maximize o retorno do acionista” diz a doutrina ensinada nas principais universidades do mundo. A que custo?
Esse cenário está mudando rapidamente. O ano de 2020 começou com o Fórum Econômico Mundial em Davos falando de como o capitalismo de stakeholders pode resolver os desafios globais mais urgentes; e com a divulgação da “Carta aos CEOs” pelo fundador, chairman e CEO da BlackRock, Larry Fink, abordando esse mesmo tema.
Investimentos sustentáveis somam atualmente mais de US$ 30 trilhões, de acordo com o relatório do GSIA (Global Sustainable Investment Alliance). Mais de 2.300 investidores em todo mundo já aderiram aos Princípios para o Investimento Responsável da ONU, o que representa US$ 86 trilhões em ativos. Isso não parece ser apenas mais uma moda ou tendência passageira, mas uma revolução.
Existem inúmeras formas de investimento, que vão desde a filantropia a investimentos responsáveis (normalmente relacionados à sigla ESG – Environmental, Social and Governance), investimentos de impacto, até o investimento tradicional. Abaixo descrevo cada uma delas:
Filantropia é uma doação para uma instituição social ou projeto filantrópico. Neste caso, não se espera nenhum retorno financeiro, apenas o impacto social ou ambiental gerado. Além de pessoas físicas, famílias e empresas, os Endowments (Fundos Patrimoniais – recentemente regulamentados no Brasil) doam para uma determinada causa. É importante ressaltar aqui que fundos de investimento que doam parte de sua taxa de administração para uma causa estão fazendo filantropia, estes não são fundos de investimento em impacto socioambiental.
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O investimento baseado em filtros positivos ou negativos exclui ou seleciona investimentos de acordo com as preferências éticas, religiosas, filosóficas, políticas e/ou individuais do investidor. Um dos movimentos mais representativos desse tipo de investimento é o Portfólio Restrito (em inglês, Negative Screening), uma estratégia de investimento que exclui do portfólio setores e companhias que impactam negativamente a sociedade e o meio ambiente, como tabaco, mineração, petróleo, álcool e armas, por exemplo.
Investimento Responsável é uma estratégia de investimento que reconhece explicitamente a relevância de fatores ambientais, sociais e de governança corporativa (representados pela sigla ASG, em português, ou ESG, em inglês) na análise, tomada de decisão e performance de investimentos. Este divide-se em duas abordagens principais: 1. Ativismo Acionário, que se baseia no uso do poder dos acionistas para influenciar o comportamento da empresa no que tange à abordagem ASG, o que vai desde o engajamento nos órgãos societários da companhia até o exercício do poder de voto; e 2. Integração ASG, que leva em consideração fatores ambientais, sociais e de governança na análise e tomada de decisão de investimentos, com o objetivo de melhorar os retornos ajustados ao risco no longo prazo. Empresas de qualquer setor podem ser avaliadas sob a ótica ASG, do financeiro ao óleo e gás, sendo que os investidores responsáveis focam em setores e empresas que apresentam alto desempenho nos fatores ASG.
No Brasil essa abordagem está crescendo. Algumas gestoras de recursos tradicionais já vêm incluindo o ASG como um critério de avaliação de risco. A publicação da Resolução 4.661/2018 do Conselho Monetário Nacional (CMN), que dispõe sobre as diretrizes de aplicação dos recursos de fundos de pensão, determinou que, sempre que possível, estes deverão considerar na análise de riscos os “aspectos relacionados à sustentabilidade econômica, ambiental, social e de governança dos investimentos”. Isso acabou estimulando a integração ASG por mais gestoras brasileiras.
Para ser considerado um Fundo de Impacto Socioambiental, o gestor deve investir em empresas que intencionalmente buscam gerar retorno financeiro e impacto social e/ou ambiental positivo. E, neste caso, o impacto social ou ambiental deve ser medido. Os Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODSs) são o foco qualitativo desses negócios que buscam encontrar soluções financeiramente sustentáveis para os maiores desafios do mundo. Segundo o último relatório do GIIN (Global Impact Investing Network), US$502 bilhões já estão alocados em investimentos de impacto no mundo, desses US$36 bilhões na América Latina. Em geral, investimentos de impacto costumam resolver problemas sociais ou ambientais e precisam de escala para obter retornos financeiros. Neste sentido, o Brasil pode ser considerado um mar de oportunidades para este tipo de negócio. É possível investir em negócios de impacto socioambiental por meio de fundos de investimento de venture capital ou private equity, que investem diretamente no capital das empresas. Alternativamente, há alguns ativos de crédito surgindo, como FIDCs, debêntures sociais, entre outros.
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Além disso, é importante mencionar os Green Bonds (Títulos Verdes) que são títulos de renda fixa utilizados na captação de recursos para implantar ou refinar projetos e ativos que tenham atributos positivos do ponto de vista ambiental ou climático. No mundo, a emissão de Green Bonds chegou a US$182 bilhões em 2019 e, no Brasil, segunda a Febraban, as emissões foram de US$ 5 bilhões entre 2017 e 2019.
Quanto à rentabilidade, muitos acreditavam que para realizar investimentos responsáveis ou de impacto socioambiental seria necessário abrir mão de retornos. Estudos estão progressivamente comprovando que isso não é verdade. Mesmo que os céticos argumentem que não é possível chegar a grandes conclusões pois os períodos de análise não são tão longos ou porque certos critérios podem ser questionáveis, dada a potencial subjetividade da análise do impacto socioambiental, é inegável que em momentos de crise no mercado esses investimentos têm demonstrado um bom comportamento, diminuindo o risco da carteira.
Acredito que onde coloco meu dinheiro é a expressão não só dos meus valores, como também daquilo que desejo que prospere. Se você faz parte do grupo de pessoas que quer investir em um mundo melhor, sugiro questionar seu assessor de investimentos sobre como as empresas que hoje compõe sua carteira se comportam em relação a seus stakeholders. Pergunte também se já existem alternativas de investimentos sustentáveis. Tenho certeza que alternativas surgirão.