Desmistificando o mercado financeiro

Leandro Miranda é responsável pela Ágora Investimentos e diretor-executivo e de Relações com Investidores do Bradesco. Liderou a área de Investment Banking quando o BBI foi escolhido por Euromoney, Global Finance e The Banker como o Melhor Banco de Investimento do Brasil e o Banco de Investimento mais Inovador da América Latina por três anos consecutivos (2016, 2017 e 2018).

Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias

Leandro Miranda

Lições de um mercado no coronavírus

Se não dá pra saber quando a pandemia acabará, já temos o que aprender no mercado financeiro

Lições de um mercado no coronavírus
"O E-Investidor vai entregar a informação com olhar do que fazer nos momentos de mercado com a percepção jornalística", diz Miranda (Foto: Egberto Nogueira/Imã Foto Galeria)

As atuais gerações passaram por diversas crises que afetaram as economias e os mercados financeiros e também a vida social. Recessão, depressão, inflação, grandes desvalorizações monetárias e de ativos financeiros e reais, desemprego, perda significativa patrimonial, toques de recolher, perdas de vidas nas guerras e repressões, para mencionar as de maior impacto. Mas, desde a Gripe Espanhola, que durou de janeiro de 1918 a dezembro de 1920 e que infectou 500 milhões de pessoas, cerca de 1/4 da população mundial na época, uma doença não atingia tão duramente as nossas vidas, impactava de forma tão negativa a economia e trazia tantas incertezas para o futuro quanto as que trouxe o covid-19, devido a sua rápida propagação e a quarentena que se impôs para reduzi-la.

A redução da atividade econômica ou até mesmo a ausência dela, a queda ou ausência de renda e a manutenção de despesas que, em alguns casos, podem ser renegociadas ou até reduzidas, mas que não desaparecem, aumenta sobremaneira o nível de inadimplência, alavancagem nas economias e o nível de estresse nas empresas, famílias e cidadãos. O Estado e os bancos têm buscado prover essa liquidez em volume e tempestividade necessários, mas os desafios são hercúleos e o preço a ser pago bem alto, haja vista, a deterioração na relação dívida/PIB dos países, a queda acentuada nos resultados dos bancos e que deverão trazer sérias sequelas pelos próximos anos e a elevação de depressão e ansiedade nas pessoas.

Mas, se, por um lado, não temos visibilidade de quando isso terminará e qual será o quadro final, por outro lado, já temos lições importantes a tirar.

Vida Presente x Vida Futura

Temos levado a nossa vida como se ela fosse eterna no plano terreno e deixado para um amanhã que nunca chega as nossas relações com a nossa família, com os nossos amigos e a nossa comunidade. Temos feito isso em busca de sobrevivência num mercado de trabalho cada vez mais exigente, fortuna, fama e glória. Isso muda. O amanhã que nunca chega pode chegar amanhã para seus avós, pais, irmãos, filhos e netos e/ou até pra você mesmo, bem como para os seus amigos queridos. Aquelas histórias de que família compreende e perdoa as ausências e que as amizades verdadeiras duram para sempre não vão ser mais desculpas que vamos querer usar. Sentimos muito fortemente que podemos perdê-los a qualquer momento e vamos querer retomar os convívios com eles tão logo seja possível, abraçá-los, dar risadas e ser mais tolerantes com os desencontros de opiniões e comportamentos. Seremos mais estoicos. Se quiserem ler um bom livro sobre Estoicismo, recomendo Meditações de Marco Aurélio, último imperador de Roma no seu período de paz e prosperidade.

Saúde x Riqueza Rápida

Se o futuro é tão incerto e devemos viver o presente, o bom cuidado com a saúde é fundamental para fazermos esta ponte e aprendemos que cuidar da saúde não é só praticar esportes e ir pra academia, mas o mental, o emocional, o filosófico e o espiritual são igualmente importantes, pois são, inclusive, indissociáveis. A riqueza rápida em detrimento da saúde atual sob o argumento que esta pode ser cuidada depois não será mais aceita não só por conta da incerteza daquela, mas também por conta da fragilidade desta. Procuraremos ter uma vida equilibrada, com saúde e trabalho constante e longevo em um ambiente saudável, inclusive moral e emocionalmente, pois a boa saúde nos permitirá que a riqueza seja construída com mais solidez ao longo do tempo. O trabalho para ser longevo não poderá ser considerado um emprego, pois o senso de propósito é o que traz qualidade, alegria, conexão, produtividade e vontade de se estar no seu trabalho para sempre.

Comunidade x Indivíduo

Enfrentar os mesmos desafios, sentir os mesmos medos e precisar da ajuda do próximo para resolver problemas nos dá a consciência e humildade em aceitar nossas fragilidades e nos traz empatia, que acarreta o aumento da solidariedade. Cuidar do próximo é um bom caminho para sermos cuidados por ele ou por outrem. Seremos cada vez mais anjos da guarda uns dos outros e perpetradores da corrente do Bem.

Relações Pessoais x Relações Profissionais

Num mundo empático, marcado por um uso muito importante do home office, que se procura um cuidado constante da saúde em seu sentido mais amplo e que se queira ter um equilíbrio e convívio mais frequente com entes queridos, as relações pessoais e profissionais tendem a convergir em termos de qualidade, tempo e espaço. Empresas que não entenderem isso não oferecerão o propósito que as pessoas buscam e será uma questão de tempo para os melhores profissionais irem embora e seu poder de atração de talentos será duramente afetado.

Discrição x Ostentação

Redução de riqueza, aumento de falências e demissões e a valorização do sentido de comunidade combinada com o aumento da solidariedade ditarão um comportamento social mais minimalista e discreto com baixa tolerância para ostentação e situações que coloquem a saúde e, principalmente, a vida em risco. Seremos mais espartanos.

Cautela e maior previsibilidade de Retornos x Risco & Retorno Alto

Como escrevi no artigo anterior, o alto nível de incertezas traz, naturalmente, uma prudência nos investimentos. Neste momento, preservação e proteção de seu capital deve ser a tônica, principalmente, em uma ambiente de baixo crescimento, juros baixos e riscos altos. Quando o novo vírus for administrado, a economia voltar a crescer, os níveis de emprego e renda voltarem a subir e os riscos diminuírem, os investimentos tenderão a caminhar para uma relação de busca por maior risco e retorno. Os investidores tendem a investir em bancos e empresas que admiram e se identifiquem. Procurem investir em títulos de bancos e empresas feitos para durar.

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Como diria o meu sábio mentor e amigo, “os ciclos não foram revogados; existem e continuarão existindo tempos duros e maduros” e voltaremos a ter períodos de prosperidade, mas as lições ficam, os hábitos são modificados e nos tornamos melhores. Crises trazem oportunidades, quanto maior forem as crises, maiores serão as oportunidades não só de prosperidade material, mas de evolução moral, espiritual e humana. Crises trazem depuração, aproveitemo-na e sejamos melhores e mais felizes.