Interpretando dados que abalam o mercado

Rafael Paschoarelli é professor de finanças na FEA/USP e INSPER e diretor da ComDinheiro.

Escreve mensalmente, às quartas-feiras

Rafael Paschoarelli

Diz o ditado que gato escaldado tem medo de água fria

Incidência de tributos sobre dividendos em troca de IR pode não sair do papel

Foto: Pixabay

Pois bem, o Governo acena com a volta da incidência de tributos sobre dividendos e promete, em troca, reduzir o Imposto de Renda sobre o lucro das empresas.

A ideia aqui não é oferecer argumentos para defender ou refutar a tributação sobre os dividendos, mas usar experiência e cabelos brancos para deixar claro que quando qualquer governo, especialmente o brasileiro, propõe aumentar/criar um tributo para diminuir outro, via de regra, a promessa é cumprida pela metade e não precisa de muita perspicácia para descobrir qual parte da promessa é deixada para o dia de São Nunca.

Apenas para refrescar a memória, os principais tributos sobre o lucro empresarial no Brasil são o IR (alíquota de 15% com adicional de 10% se lucro ultrapassar determinado patamar) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) de 9% sobre o lucro. Somados, IR e CSLL resultam em 34% sobre o lucro da empresa.

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Pois bem, nosso Brazilian Chicago Boy acena com redução dos tributos sobre o lucro dos atuais 34% para um patamar menor em troca de  tributação sobre os dividendos de modo que esta mudança seja neutra do ponto de vista tributário.

Quantos anos de idade precisa ter o indivíduo para entender que neutralidade na cabeça do governo não é a neutralidade que o contribuinte imagina?
Falando em neutralidade, a recente proposta de “simplificação” tributária ao substituir PIS+COFINS de empresa de serviço de 3,65% sobre a receita para 12% sobre a receita é emblemática ao mostrar como o governo entende os conceitos de “simplificação” e de neutralidade tributária.

Ainda que se argumente que a tributação “por dentro” passará a ser “por fora” e que as empresas poderão aproveitar os créditos na aquisição de bens e serviços para compensar a alíquota maior vale lembrar que tipicamente empresas de serviços não adquirem insumos/serviços de terceiros em magnitude suficiente para justificar aumento de 3,65% para 12%.

Outro exemplo é o governo tenta seduzir empresários ao propor recriação de CPMF sob outra alcunha em troca de reduzir os encargos sobre a folha de pagamentos de salários. Embora a qualidade da CPMF seja sofrível, para dizer o mínimo, muitas pessoas realmente acreditam que o governo zeraria (ou reduziria dramaticamente) encargos trabalhistas em troca de uma “pequenina” cobrança de CPMF.

Com o passar do tempo, deixei de acreditar no Mula-sem-cabeça, no Bicho-Papão, Curupira, Cuca, etc de modo que não tenho por que acreditar agora nas seguintes promessas:

a) Tributar dividendos em troca de redução de tributos sobre lucro.

b) Volta da CPMF (ou qualquer outra denominação) em troca de redução de encargos trabalhistas.

c) Aumentar de 3,65% para 12% a tributação da maioria das empresas de serviços em troca de “simplificação”.