O olhar do mercado internacional

Thiago de Aragão é diretor de estratégia da Arko Advice e assessora diretamente dezenas de fundos estrangeiros sobre investimentos no Brasil e Argentina. Sociólogo, mestre em Relações Internacionais pela SAIS Johns Hopkins University e Pesquisador Sênior do Center Strategic and International Studies de Washington DC, Thiago vive entre Washington DC, Nova York e Brasilia.
Twitter: @ThiagoGdeAragao

Escreve às sextas-feiras, a cada 15 dias

Thiago de Aragão

O investidor estrangeiro olha para a política antes de qualquer coisa

Há uma preocupação crescente em relação ao Brasil; entenda por quê

Presidente Jair Bolsonaro dá entrevista em frente ao Palácio do Planalto (Foto: Evaristo Sá/AFP)

Já foi o tempo em que o investidor estrangeiro tinha um conhecimento raso sobre a política brasileira. Lembro, há muitos anos, quando vinha a Nova York para uma sequência de reuniões com investidores, que ao menos metade dessas reuniões eram voltadas para desmistificar interpretações caricatas sobre o Brasil. Hoje, o quadro se inverteu. Muitos estão bem informados, acompanham o detalhe do dia a dia e se interessam por particularidades que nem sempre entravam em discussão.

Há uma preocupação crescente em relação ao Brasil. Não necessariamente pelo risco de o País “se tornar uma Argentina”, como alguns gostam de colocar, mas uma preocupação em relação ao grau de incerteza que o Brasil passou a apresentar. A incerteza e a instabilidade derivam da expectativa de mudanças, sejam elas para o lado positivo ou negativo.

O IDE chega ao País pelo potencial de ganho a longo prazo e respeito à propriedade privada. O IDE também chega em um emergente por duas razões: ou o país oferece boas taxas de retorno ou é um país muito barato. O capital especulativo traz capital principalmente por conta do diferencial de juros disponível. Em 2015, tínhamos juros a 14%; hoje, cinco anos depois, as taxas de juros batem os 3%. Logo, o diferencial de juros não é mais uma forma atraente para o capital.

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O capital produtivo também se sentia atraído pela taxa de retorno oferecida pelos juros altos. Afinal, tivemos uma importante parcela de Investimento Estrangeiro Direto na forma de participação de capital e empréstimos intra-companhias, a fim de aproveitar a taxa de juros no Brasil. Esses empréstimos intra-companhias também beneficiavam projetos de expansão desse capital produtivo (aumento de plantas, expansões etc.). Naturalmente, o capital produtivo que entrava no País tinha um ciclo de retorno mais lento na extração de lucros e dividendos.

No entanto, o Brasil ainda mantém um fluxo relativamente alto de ingresso de capital estrangeiro. Segundo análise do economista Lívio Ribeiro, do IBRE – FGV, e corroborada por ao menos cinco grandes fundos de investimentos de Wall Street que atuam no Brasil há décadas, importante parte desse capital é voltada para fluxo de manutenção e não necessariamente para investimento novo. Além disso, um ingresso grande de investimento externo não evita a saída de um outro volume significativo.

Por outro lado, estruturalmente, é impossível para o investidor do chamado “capital produtivo” não olhar para o Brasil como um destino de investimentos. O tamanho da população, o fato de ser uma das maiores democracias do planeta e de estar sempre entre as 10 maiores economias do mundo são fatores que chamam a atenção de qualquer investidor que busque retornos de alta escala.

O Brasil é relativamente seguro em comparação a vários outros países emergentes. Não temos casos de expropriação desde a década de 1960, dispositivos constitucionais são respeitados e não há discriminação de capital. Mesmo com incerteza e volatilidade, não existem casos extremos de alguém ser “roubado” pelo governo. Certamente, temos decisões governamentais que levaram a perdas, algumas vezes até a grandes perdas, mas todas dentro das regras institucionais.

Um tema recorrente nos últimos dias de conversa com investidores estrangeiros foi exatamente o diferencial que o Brasil pode colocar na mesa. Se a taxa de retorno via diferencial de juros não é vista como um atrativo, o fato de o Brasil se tornar barato pode sim ser atraente para o investidor estrangeiro.

Essas expectativas, aliadas ao fato de que o Brasil não oferece diferencial de juros como taxa de retorno, fazem com que a desvalorização cambial seja um dos fatores que instigariam o investidor para trazer capital produtivo ao País, pois encontraria aqui barganhas interessantes. No entanto, um ponto crítico de incerteza dentro dessa nova oportunidade que se desenha, é a instabilidade política aliada às complexidades tributária, trabalhista e até mesmo energética.

Uma média na expectativa entre alguns clientes nessa semana indica que o Real pode terminar o ano a 7,00 – 7,30 em relação ao dólar. Existem outros mais otimistas que ficam na casa dos 6,40. A queda do PIB poderia ficar em 6% e teríamos uma recuperação menor em 2021, que não nos traria de volta ao patamar pré-covid. Entre eles, há o temor de uma profunda instabilidade política que dure ao menos pelos próximos dois anos.

A taxa de juros, que deve refletir de alguma forma o risco do país, não está mostrando o risco que o Brasil representa para esses investidores. O risco não precisa ser definido pelos aspectos econômicos, mas, substancialmente, pelos políticos. Como a taxa de juros não reflete esse aspecto, na visão de alguns desses investidores isso gera desequilíbrio. A busca pelo equilíbrio se dá na desvalorização do câmbio a tal forma, que, quando este se valorizar novamente, trará ganhos importantes para o investidor.

“Não tenho a confiança de que o teto do câmbio seja baixo”, foi o argumento de um gestor de um fundo de Boston. Além disso, uma profecia autorrealizável — alimentada por crescentes preocupações em torno do quadro fiscal — pode ocorrer se o câmbio gerar uma crise de confiança tão grande que seja lógico tirar dinheiro do País o quanto antes.

No fim, a confiança não precisa estar ancorada em notícias boas ou em reformas apenas. Ela precisa transmitir ao investidor que a linha de raciocínio e de tomada de decisões de um governo é identificável, previsível e uniforme.

A percepção de importantes fundos que estão olhando para o Brasil fala de uma sensação de incerteza maior do que a de oportunidade. Entendem que o Ministro da Economia Paulo Guedes pode sim ter uma mentalidade pró-reformas, mas não se sentem confortáveis em cravar que o Palácio possui essa mesma mentalidade.

“A definição de ‘direita’ que vemos no Brasil não é a mesma que vemos nos EUA”, disse o gestor de um fundo americano que investe em infraestrutura, “todo mundo fala muito no Brasil, o tempo todo. Não há problema quando seguem a mesma linha, mas existem muitas contradições, e isso agrega incerteza”, finalizou.

Sim, a política causa mais incerteza do que qualquer coisa. O que influencia a decisão de investimentos é a expectativa de realidade ou a de previsibilidade da trajetória. Essa semana ouvi muito sobre a necessidade de segurança que deve partir do meio político brasileiro, a favor de decisões racionais e previsíveis. “A previsibilidade é fator crítico, mesmo se a decisão do governo for boa ou ruim”, é o que argumenta um importante economista em Washington.