A explosão das apostas online no Brasil expõe jovens e crianças a um ciclo de vulnerabilidade e culpa. Entenda por que o vício em apostas é uma questão de saúde mental, e não de moral, e como o Estado precisa agir para proteger quem mais sofre. (Imagem: Adobe Stock)
Nos últimos dias, uma declaração presidencial gerou forte reação ao insinuar que usuários de drogas teriam responsabilidade pelos danos causados pelo tráfico. A crítica pública foi imediata: quem adoece não pode ser tratado como culpado. Porém, essa inversão de responsabilidades não acontece apenas nesse contexto. Ela se repete no avanço silencioso dasapostas online (bets), em que as consequências recaem sobre quem sofre, e não sobre quem lucra.
O Brasil vive uma explosão de plataformas de apostas, altamente sofisticadas e desenhadas para capturar quem está emocionalmente mais exposto. E é justamente quem está construindo identidade, autonomia e propósito que se torna o alvo preferencial desse modelo: a juventude.
Jovens que lidam diariamente com incertezas, cobranças e comparações encontram nasbets uma promessa rápida de vitória, quando a vida real ainda lhes cobra um tempo de espera que parece insuportável.
Publicidade
Mas essa história não começa na juventude. Começa na infância.
O filme nacional Salve Rosa, recém-lançado na última quinzena de outubro, dirigido por Susanna Lira, com produção da Panorâmica Filmes em parceria com a ELO Studios e a Paramount Pictures Brasil, faz um forte chamado e alerta à exploração do trabalho infantil pela própria família. Influenciadores mirins transformam a espontaneidade em performance.
A vida deixa de ser brincadeira e vira conteúdo. A popularidade se converte em capital, antes de a maturidade emocional dar conta dessa equação.
Avançamos para a adolescência com um sistema emocional frágil e um sistema econômico instável. AGeração Z cresce entre métricas de visibilidade e medo da irrelevância; entre a exigência de ser protagonista e a dificuldade real de se inserir em um mercado que oferece poucos vínculos, muitos cortes e uma dose generosa de ansiedade.
Publicidade
Quando o futuro parece incerto, o curto prazo vira anestesia. As apostas online prometem, em segundos, o que a vida real demora a entregar: a sensação de vitória. Só que essa vitória é química, instantânea e perigosa.
Não é falta de caráter; éfalta de ferramentas emocionais para lidar com a instabilidade.
A pergunta não pode ser “por que eles apostam?”, mas sim “o que falta para que eles não precisem apostar?”.
Como psicóloga e educadora financeira, vejo nesse debate uma oportunidade de construir repertório: porque a saída existe, mas não está em julgar comportamentos isolados. Está em mudar o contexto.
Publicidade
Precisamos de três movimentos ao mesmo tempo:
1- Proteger a infância do mercado
Criança não tem que performar. Tem que explorar, errar, se reconhecer sem que estejam sendo filmadas. É preciso estabelecer limites claros para a exposição infantil e acompanhar os efeitos psicológicos de uma vida pública precoce.
2- Ensinar jovens a lidar com incertezas
A geração que cresceu com o “tudo para ontem” precisa aprender a navegar “o que virá depois”. Autogestão, finanças pessoais, inteligência emocional, construção de propósito e senso de comunidade são as habilidades que sustentam o longo prazo.
3- Responsabilizar, proibir e punir quem lucra com a vulnerabilidade
Famílias, educadores, empresas e governo precisam agir, se unir e se alinhar. Se por um lado culpar o indivíduo é fácil e confortável, por outro, transformar o contexto dá trabalho e exige uma atuação firme do Estado.
O governo liberou o mercado de apostas online sem estrutura de controle adequada e agora enfrentamos uma epidemia de vulnerabilidade. O vício em apostas é antes de tudo um tema de saúde mental e não moralização individual.
Quando o Estado libera um mercado de alto risco sem garantir proteção, ele se torna corresponsável pelo dano. Agora, precisa corrigir o curso: regular com firmeza, restringir o que adoece, acompanhar os canais de acesso, financiar tratamento e dar prioridade a políticas que defendam a juventude antes que ela precise ser resgatada; e antes que as vítimas sejam apontadas como culpadas, como já vimos acontecer em outras dependências, inclusive as químicas.
Se queremos que a Geração Z faça boas escolhas, precisamos oferecer boas alternativas.
Se queremos que ela construa futuro, precisamos devolver tempo de formação.
Se queremos que ela prospere, precisamos garantir pertencimento e orientação.
Publicidade
O desenvolvimento humano dos nossos jovens não é uma aposta, é uma responsabilidade. E, quando ela é cumprida, o futuro deixa de ser risco e volta a ser promessa.