Bruno Funchal é CEO da Bradesco Asset desde maio de 2022. Ele já ocupou os cargos de Secretário Especial do Tesouro e Orçamento, Secretário do Tesouro Nacional e Secretário da Fazenda do Espírito Santo. Foimembro do Conselho Monetário Nacional em 2021. Economista pela Universidade Federal Fluminense, Funchal é doutor em Economia pela Fundação Getúlio Vargas (FGVRJ), com pós-doutorado pelo Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (IMPA).

Escreve reflexões sobre o mercado financeiro e panorama econômico mensalmente, às quartas-feiras

Bruno Funchal

A melhora do rating sinaliza o retorno ao grau de investimento?

Desde 2011, o Brasil vinha de uma trajetória de rebaixamento ou sem qualquer revisão de nota

(Foto: Envato Elements)

No início do mês passado, a agência de risco Fitch concedeu uma elevação da nota de crédito da dívida soberana brasileira. Em miúdos, esse movimento diz que a percepção sobre a capacidade de pagamento do nosso país em relação aos nossos credores melhorou, o que é um fato bastante positivo, visto que desde 2011 vínhamos de rebaixamentos ou sem qualquer revisão de nota.

Apesar do upgrade, o país ainda está no nível chamado de “grau de especulação” que se refere a categoria dos países mais arriscados para se investir, duas notas abaixo do nível grau de investimento, que seria o grupo de países com alta credibilidade em relação a sua capacidade de honrar suas dívidas.

Fazer parte deste grupo deve ser um objetivo a ser perseguido, uma vez que essa classificação atrai investidores internacionais, ajudando no financiamento das empresas, nos investimentos e, por consequência, no crescimento e na geração de emprego e renda do Brasil. Para se ter uma ideia do potencial de crescimento do financiamento estrangeiro no país, os títulos soberanos chegaram a ter mais de 16% do total nas mãos de não residentes, número que hoje não chega a 10%.

O caminho para voltar a esse seleto grupo de países, cujo Brasil fez parte de 2008 a 2014, não é fácil. Mas as agências de risco começam a dar sinais de que estamos em uma direção correta. O que seria a tal direção correta e quais são os determinantes para a melhoria de nota de risco para alcançar o grau de investimento?

As razões listadas pela Fitch e o modelo utilizado para a avaliação nos dão uma boa direção do que foi feito para o upgrade e o que ainda precisa ser feito para prosseguir na direção do grau de investimento.

O documento da agência faz alguns destaques para a recente melhora de avaliação, começa dizendo que o upgrade do Brasil reflete uma performance macroeconômica e fiscal melhor que o esperado mesmo com os sucessivos choques (pandemia e guerra), com políticas proativas e reformas que apoiaram os resultados econômicos alcançados, e com a expectativa de continuidade do novo governo.

Dentre as reformas destacadas pela agência, temos a reforma da previdência e a autonomia do Banco Central. Com relação ao novo arcabouço fiscal a agência espera que a nova regra, junto com medidas tributárias, ancore uma melhoria fiscal no médio prazo.

Em relação aos números econômicos que merecem destaque, a Fitch aponta três de forma bastante pragmática. Primeiro, crescimento econômico resiliente, vindo acima do esperado por alguns anos. Segundo, a melhor trajetória da dívida soberana cujo nível de 73% ao final de 2022 é menor que o nível de endividamento pré-pandemia, apesar de bem acima de um país mediano grau de investimento (56% do PIB).

A agência aponta para um risco de uma dívida crescente, mesmo com a nova regra fiscal, porém menos acelerada do que o esperado. Finalmente, a Fitch destaca uma política monetária “prudente e proativa” durante o período de choque inflacionário, o que permitiu controlar a inflação e apoiar a credibilidade da política monetária brasileira.

Outros pontos trazidos pela agência que merecem destaque referem-se a gestão da dívida pública, com um robusto colchão de liquidez, importante para navegar em períodos de volatilidade dos mercados, dívida predominantemente em moeda local, níveis confortáveis de reservas internacionais e a profundidade do mercado doméstico.

Olhando para frente, projetar nossas chances de recuperar nosso grau de investimento no médio prazo precisa passa por entender o modelo e as variáveis da agência de rating. Dos indicadores de maior peso, temos, principalmente, mas não limitado a isso, o crescimento da nossa economia, dívida pública como proporção do PIB, governança, déficit em conta corrente, dentre outros.

Se comparado com nosso upgrade em 2008, os grandes desafios são o nível de crescimento e nosso endividamento. Enquanto que em 2008, nosso crescimento médio de 5 anos passava de 4%, hoje ficamos em torno de 2%. Com relação a dívida, em 2008 tínhamos uma dívida de 56% do PIB, hoje temos uma dívida de 75% do PIB e com tendência de crescimento.

Assim, o grande desafio para o grau de investimento é crescer de forma mais acelerada e sustentável, e com nosso endividamento com tendência de redução. No passado, tivemos uma ajuda significativa do superciclo de commodities que beneficiou o Brasil, contribuindo para um crescimento mais acelerado e para o atingimento do grau de investimentos. Porém, diversas reformas importantes vinham sendo feitas, desde o plano real, passando pela Lei de Responsabilidade Fiscal e as reformas do mercado de crédito brasileiro que auxiliaram no avanço da nossa economia.

Hoje, para entregar mais crescimento em conjunto com uma redução da dívida pública, é preciso avançar nos pilares da produtividade e da consolidação fiscal. Para isso o avanço na reforma tributária do consumo é peça chave, uma vez que reduz o custo de conformidade e litígio, além de acabar com a guerra fiscal, o que permitiria uma realocação de negócios de acordo com seu maio potencial de produtividade. Todos esses elementos contribuem para uma maior produtividade dos negócios e, por consequência, maior crescimento econômico.

Em paralelo, avanço no arcabouço fiscal que permita o controle das despesas, sem a necessidade de aumento de carga tributária, é fundamental para o controle do endividamento do país. Estabilizar a relação dívida/PIB é condição básica para uma melhor percepção de risco dos agentes, com consequência direta nos prêmios de risco e nos juros pagos pelo Tesouro e pelas empresas em toda a economia.

Cabe destacar que, apesar do compromisso de uma consolidação fiscal de médio prazo trazido pelo novo arcabouço fiscal e pelas metas de resultado primário trazidos pelo Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO), há o desafio de entregar este resultado sem um aumento de carga tributária que seja contraproducente com o crescimento econômico. Aumento de impostos em economias de alta carga tributária, como o Brasil, tendem a influenciar negativamente o crescimento da economia.

Portanto, é importante ter clareza que a obtenção do grau de investimento deve ser um objetivo de médio prazo, e que requerem reformas difíceis, mas muito importantes para o nosso país.