- Nos últimos meses utilizei este espaço para chamar a atenção aos riscos que se desenvolviam nos cenários locais e externos
- Outubro, infelizmente, foi marcado pela aceleração (e, talvez, concretização) de alguns dos riscos internos, aliados à deterioração dos riscos internacionais
- Os números acabaram mostrando um cenário de inflação alta, acima das expectativas (do mercado e do BCB) e cada vez mais espalhada
Nos últimos meses utilizei este espaço para chamar a atenção aos riscos que se desenvolviam nos cenários locais e externos. Outubro, infelizmente, foi marcado pela aceleração (e, talvez, concretização) de alguns dos riscos internos, aliados à deterioração dos riscos internacionais.
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Comecemos pelo Brasil. No campo inflacionário, a esperada acomodação da inflação não aconteceu. Os números acabaram mostrando um cenário de inflação alta, acima das expectativas (do mercado e do BCB) e cada vez mais espalhada, em itens mais permanentes do que transitórios.
Do ponto de vista de crescimento, os dados correntes mostram alguma acomodação, mas ainda sem uma confirmação ou sinal claro de uma desaceleração mais aguda.
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Voltando à inflação, os desenvolvimentos fiscais foram os mais negativos (para não dizer assustadores) para os fundamentos do País ao longo do mês. Após uma enorme pressão, uma parte da equipe econômica cedeu aos anseios políticos por mais gastos (a outra parte da equipe técnica acabou pedindo exoneração), encontrando um caminho para contornar o teto dos gastos.
De maneira resumida, o teto dos gastos foi um mecanismo criado para disciplinar a classe política e ajudar a educá-la em como promover gastos dentro de suas possibilidades, ou seja, que sejam compatíveis com suas receitas e o seu nível de endividamento.
Qualquer medida na direção de alterar esse mecanismo, mesmo que de maneira constitucional, cria um precedente, uma jurisprudência que, na visão dos economistas e do mercado, é extremamente deletéria para os fundamentos do Brasil. Dentro deste arcabouço, especula-se, inclusive, que podemos estar diante de uma mudança de regime fiscal, de volta aos idos dos anos de 2010 a 2015, em que o País vivenciou momentos bastante conturbados, de crescimento baixo e inflação elevada.
A reação diante da escolha por este caminho foi quase que imediata. Observamos uma rodada de revisões baixistas para o crescimento de 2022, ao mesmo tempo em que revisões para cima da inflação ocorriam. Nos mercados, vivenciamos forte queda da Bolsa, alta do dólar e abertura das taxas de juros.
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Estes movimentos criam um “efeito bola de neve”, em que eventuais impactos positivos de curto-prazo na atividade econômica da medida, são rapidamente compensados pelos enormes impactos negativos e estruturais de juros mais elevados e condições financeiras mais contracionistas.
Encerramos o mês de outubro em um ambiente de enorme incerteza, sem que este tema tenha sido endereçado. As pressões políticas continuam intensas e, neste momento, vislumbro que este ambiente deve perdurar até as eleições do ano que vem.
No cenário internacional, três temas merecem atenção. Primeiro, o tema “inflação” voltou definitivamente à pauta, com dados acima das expectativas e mostrando aceleração da inflação em grande parte do mundo. Este pano de fundo levou a uma mudança de postura por parte de alguns bancos centrais e mudança de sinalização, por parte de outros.
Se, antes, existia um discurso em uníssono de que a inflação era transitória e não necessitava de atuação, agora, alguns bancos centrais optam por sinalizar para a necessidade de uma atuação mais intempestiva (caso do Reino Unido). Outros países optaram por sinalizar para o começo de um processo de redução do QE (caso dos EUA e Zona do Euro) e, por fim, alguns outros simplesmente deixam de “defender” certos patamares de taxas de juros de mercado (como na Austrália).
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Este pano de fundo levou a uma forte abertura de taxa de juros ao redor do mundo, mais concentrada nas partes curtas das curvas. Não vi sinais de contágio generalizado para outros mercados, mas alguns movimentos podem ser vistos “por debaixo da superfície”.
Segundo, os números provenientes da China confirmaram uma desaceleração do crescimento do país. Os dados de alta frequência mostram que a pressão negativa na economia continua, sem sinais de arrefecimento. O mercado imobiliário parece “congelado”. Os “policy makers” adotaram postura mais proativa na última metade do mês, mas apenas de maneira pontual, localizada e ainda tímida. Não parece haver disposição para uma atuação mais agressiva e generalizada, como ocorreu em 2008, 2011-12, 2015-16 e na pandemia no ano passado.
Vimos mais três empresas do mercado imobiliário anunciarem o não pagamento de suas obrigações. Para completar, o país convive com uma crise energética, que gera apagões e racionamentos pontuais e localizados. A política de “Covid Zero” ainda gera enormes transtornos à economia, pois o país fecha certas localidades a qualquer sinal de um novo ciclo pandêmico.
Finalmente, uma acomodação do crescimento econômico global era esperada após a recuperação em “V” verificada após a pandemia do ano passado. Somada à desaceleração da China, há sinais mais concretos de desaceleração do crescimento na Europa e em alguns países emergentes. Por ora, e a exceção da China, ainda não vemos motivos maiores para preocupação nesta frente. Contudo, a velocidade, magnitude e duração dessa desaceleração será fundamental para medirmos a saúde da economia global nas próximas semanas.
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Fechamos o mês acreditando que os antes “ventos a favor” do cenário externo deixaram de soprar, mas ainda não está claro que estamos diante de “ventos contrários”. No cenário local, na ausência de uma mudança radical de postura política, há clara e inegável piora nos fundamentos do País. Nunca é tarde para voltar atrás e reverter situações dramáticas. Sigo rezando pelo melhor, mas preparado para o pior!