Eduardo Mira é o especialista em renda variável da Me Poupe!. Professor e investidor há mais de 20 anos, é analista CNPI-T e especialista em finanças e investimentos, com pós-graduação em pedagogia empresarial, MBA em gestão de investimento e profissional ANBIMA CPA-10 e CPA-20. Também tem passagem por banco e corretora de investimentos.

Ele escreve mensalmente, às sextas-feiras.

Eduardo Mira

Mulheres e investimentos: precisamos falar desse assunto

Estudo destaca a participação de mulheres no mundo dos negócios

As mulheres representam 75% da compra de bens de consumo, segundo dados do Banco Mundial. Foto: Envato Elements
  • m 2021 o BNY Mellon, publicou os resultados de uma pesquisa realizada com 100 gestores de ativos e mais de 8.000 pessoas físicas em 16 mercados financeiros mundiais
  • Há muito a ser feito e o protagonismo dos grandes bancos, corretoras e gestoras de fundos é crucial para termos um mercado financeiro mais acessível e igualitário
  • As mulheres representam 75% da compra de bens de consumo e 60% da provisão dos recursos familiares como um todo, conforme dados do Banco Mundial

O poder dos investimentos para impulsionar transformações na vida das pessoas é indiscutível. Tão indiscutível quanto é a importância das mulheres na atividade econômica e, sobretudo, nas decisões financeiras das famílias.

Como educador financeiro, nos últimos anos, tenho observado um movimento muito interessante: entre as mais de 30 mil pessoas que já passaram pelos meus cursos, a imensa maioria é mulher.

Isso é algo muito significativo e cotidianamente me pego pensando no caminho que a nossa sociedade e, em especial, o mercado financeiro, ainda precisa trilhar para possibilitar às mulheres o nível de inclusão e empoderamento financeiro que lhes é de direito.

A visão das mulheres sobre investimentos

Em 2021 o BNY Mellon, publicou os resultados de uma pesquisa realizada com 100 gestores de ativos e mais de 8 mil pessoas físicas em 16 mercados financeiros mundiais. O foco principal da pesquisa era o comportamento econômico de mulheres frente aos investimentos, bem como as principais barreiras enfrentadas por elas.

O estudo The Pathway to Inclusive Investment está disponível gratuitamente na internet. Recomendo a leitura!

Aqui neste artigo, destaco algumas conclusões interessantes do estudo e espero que suscitem reflexões para você, como investidora, mas, especialmente, para as instituições que integram o mercado de capitais.

Há muito a ser feito e o protagonismo dos grandes bancos, corretoras e gestoras de fundos é crucial para termos um mercado financeiro mais acessível e igualitário.

Abaixo, alguns números da pesquisa:

  • Globalmente, apenas uma em cada dez mulheres sente que entende totalmente o investimento e menos de um terço das mulheres (28%) sente-se confiante em investir parte de seu dinheiro.

Claramente, o mercado financeiro precisa trabalhar uma comunicação mais transparente, inclusiva e abrangente quanto à destinação dos recursos alocados e a dinâmica dos investimentos para movimentar a economia.

Isso vai muito além das lâminas comerciais dos produtos, trata-se de uma mudança cultural na abordagem quanto aos produtos de investimento.

  • Em média, e globalmente, as mulheres acreditam que precisam de US$ 4.092 de renda disponível a cada mês, antes de considerar investir qualquer parte disso.

Penso que cabe aos players do mercado desenvolver estratégias de comunicação e educação financeira que superem essa percepção, reforçando que criar o hábito de investir mensalmente é mais importante do que o tamanho do aporte em si, demonstrando de forma simples e direta os efeitos dos juros compostos no longo prazo.

Não se trata apenas de educação financeira por si, o que já é relevante, mas de fazer essa educação alcançar mulheres que estão fora da bolha da “finansfera” da internet.

As mulheres representam 75% da compra de bens de consumo e 60% da provisão dos recursos familiares como um todo, conforme dados do Banco Mundial.

Ou seja, a expansão da atividade econômica no mercado de capitais, depende delas (ah, e como isso é reconfortante!)

  • 45% das mulheres dizem que investir dinheiro no mercado de ações, seja diretamente ou por meio de um fundo, é muito arriscado para elas.
  • Somente 9% das mulheres dizem ter um nível alto ou muito alto de tolerância ao risco quando se trata de investir, 49% afirmam ter tolerância moderada, e 42% têm baixa tolerância ao risco

O baixo apetite ao risco não seria um impeditivo, dadas as inúmeras alternativas de investimento com variados graus de risco. Contudo, o estudo revela também uma percepção feminina de maior desconfiança quanto ao mercado financeiro como um todo.

É urgente que o mercado comunique de forma mais transparente a relação risco x retorno, além de engajar as mulheres em um debate sobre cenários e custo de oportunidade, demonstrando que o risco maior está em não investir.

Mulheres investidoras têm potencial para mudar o mundo

Alguns cálculos apresentados no estudo do BNY Mellon indicaram que, se o nível de participação feminina nos investimentos fosse equivalente ao dos homens, haveria um incremento de pelo menos USD 3,22 trilhões investidos no mercado financeiro global, sendo USD 1,87 trilhões em investimentos ligados à ESG e, portanto, com impacto socioambiental relevante.

Vamos a mais dados do estudo:

  • Mais da metade das mulheres (55%) investiriam (ou investiriam mais) se o impacto de seu investimento estivesse alinhado a seus valores pessoais;
  • 53% investiriam (ou investiriam mais) se o fundo de investimento tivesse um objetivo claro ou propósito para o bem comum;
  • Dois terços das mulheres que investem atualmente (66%) tentam investir em empresas nas quais confiam e que estejam alinhadas a seus valores pessoais.

Mulheres estão mais inclinadas a valorizar ativos cujo foco, além do retorno para a investidora, seja a promoção de impactos sociais e ambientais.

Creia, mulheres entendem de ESG muito antes desse debate permear as preocupações de empresas e gestoras de fundos, pois são elas as grandes provedoras da sustentabilidade e equilíbrio dentro dos lares do Brasil e do mundo.

De acordo com dados do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), 45% dos lares brasileiros são chefiados por mulheres. Além disso, uma outra pesquisa, da Nielsen, aponta que mulheres são responsáveis por mais de 90% das decisões de compras nos lares brasileiros.

Felizmente, temos visto cada vez mais mulheres se engajando em lutas fundamentais contra a violência doméstica, o assédio, machismo, desigualdade de renda entre gêneros e tantas outras lutas que visam tornar nosso mundo mais justo e civilizado.

Contudo, para que todas essas frentes tenham êxito, não podemos ignorar que autonomia financeira é eixo estrutural. Vivemos sob uma economia capitalista e precisamos ser práticos: não existe voz sem poder econômico.

As mulheres têm potencialmente este poder e cabe à sociedade como um todo e, especialmente, ao mercado de capitais que tanto tem a ganhar com isso prover os meios para qualificação, engajamento e empoderamento econômico de mulheres em todas as classes sociais.

O estudo do BNY Mellon é amplo e aborda também questões quanto ao espaço que o mercado de trabalho, especialmente o setor financeiro, tem destinado às mulheres, pois esta é outra face da mesma questão: se queremos mais mulheres investidoras, é necessário que elas tenham voz nos cargos de liderança do mercado financeiro.

Esse debate, inclusive, motivou a B3 (B3SA3) a implantar novas regras que, a partir de 2023, passarão a exigir que os conselhos de administração ou diretoria de empresas listadas na bolsa, tenham, até 2025, pelo menos uma mulher e um integrante de minorias em seu board.

Ainda há muito a fazer, mas, esse primeiro passo coloca na pauta do mercado financeiro a urgência e importância de um debate mais igualitário e diverso para viabilizar nossa evolução.