O motor invisível que transforma crédito em investimentos
Com crescimento recorde, fundos de direitos creditórios ampliam espaço no mercado, mas ainda concentram mais da metade dos recursos em poucos segmentos
Os FIDCs atingiram R$ 675,3 bilhões em julho de 2025, com destaque para o salto de recebíveis médicos e a concentração em segmentos comerciais e multiclasse. Entenda riscos e oportunidades. (Imagem: Adobe Stock)
Fundos de Investimento em Direitos Creditórios – FIDCs, no jargão do mercado financeiro – têm uma presença na economia bem mais abrangente do que o nome pode sugerir. Quando uma empresa antecipa o recebimento de vendas a prazo, quando um banco organiza carteiras de financiamentos, ou quando uma rede de lojas busca transformar duplicatas em liquidez, lá estão os FIDCs.
Em essência, esses fundos compram direitos creditórios (isto é, valores que uma empresa tem a receber no futuro) e os transformam em ativos para investidores.
Para as empresas, os FIDCs funcionam como uma fonte alternativa de financiamento. Para os investidores, uma forma de aplicar recursos com retorno atrelado ao risco de crédito. E para o mercado, cumprem a função de ampliar e diversificar o acesso ao capital, reduzindo a dependência do sistema bancário tradicional.
Mercado em expansão
Evolução do carteira de FIDC’s por segmento em R$ milhões
Ativos-Lastro
dez./24
jan./25
Feb 25
mar./25
Apr 25
May 25
jun./25
jul./25
Total Carteiras
563.471
566.931
578.278
587.280
600.553
606.743
667.038
675.374
Recebíveis Comerciais
205.751
205.898
212.073
214.395
217.488
223.292
262.996
269.167
Multiclasse
86.206
86.720
88.872
90.365
92.723
98.032
100.264
102.417
Crédito Pessoal
78.777
80.205
81.292
82.999
85.251
86.802
91.388
92.029
Crédito Pessoa Jurídica
49.026
48.170
49.118
49.158
51.768
48.440
46.651
45.816
Ações Judiciais e Precatórios
35.731
36.066
35.256
36.361
38.298
39.620
41.066
41.626
Setor Público
27.846
27.517
27.757
27.601
27.753
25.884
28.356
28.334
Financiamento de Veículos
20.925
20.488
21.082
20.958
21.074
20.531
22.446
23.025
Recebíveis do Agronegócio
21.848
22.597
22.862
23.502
23.370
21.227
20.105
18.615
Prestação de Serviço Público
6.995
7.020
8.024
8.925
8.957
10.331
12.630
12.717
Títulos Mobiliários
5.673
6.979
7.219
7.509
8.589
8.984
10.705
11.480
FIAGRO
7.606
8.033
7.681
7.888
7.866
7.483
7.834
7.160
Recebíveis Médicos
502
499
463
460
470
466
6.959
6.944
Recebíveis Educacionais
6.400
6.562
6.281
6.977
6.767
5.651
5.420
5.437
Crédito Imobiliário
4.931
4.967
5.047
4.985
4.918
4.886
4.993
5.142
Direitos
2.920
2.844
2.844
2.828
2.830
2.646
2.689
2.848
Tributos
1.865
1.884
1.921
1.888
1.934
1.964
2.026
2.109
Aluguel
471
484
486
481
497
504
509
509
Elos Ayta / UQBAR
De acordo com levantamento da Elos Ayta com base nos dados da plataforma Uqbar, a carteira de FIDCs atingiu em julho de 2025 o recorde de R$ 675,3 bilhões, crescimento de 19,86% em relação a dezembro de 2024.
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O destaque vem do segmento de Recebíveis Médicos, que saltou de R$ 502 milhões em dezembro para R$ 6,9 bilhões em julho, um avanço superior a 1.200%. Na segunda posição aparece o segmento de Títulos Mobiliários, que mais que dobrou de tamanho (+102%), alcançando R$ 11,4 bilhões. A categoria Prestação de Serviço Público completa o pódio de maiores crescimentos, com alta de 81,79%, chegando a R$ 12,7 bilhões. A classificação dos segmentos segue a metodologia própria da plataforma Uqbar, que cruza informações dos informes mensais e regulamentos dos fundos.
Na ponta negativa, o setor de Recebíveis Educacionais encolheu 15,04%, com uma perda de R$ 963 milhões desde dezembro. Os Recebíveis do Agronegócio também recuaram (-14,79%), assim como o Crédito Pessoa Jurídica, que caiu 6,55% no período.
Um ponto adicional é a estabilidade de segmentos tradicionais como Crédito Pessoal, que cresceu apenas 11,7% no período, e Financiamento de Veículos, que avançou 10% até julho. Ou seja, o crescimento de novos nichos foi muito mais acelerado que o desses setores clássicos do crédito.
Faca de dois gumes
Participação percentual por segmento das carteiras de FIDC’s
dez/24
jan/25
fev/25
mar/25
abr/25
mai/25
jun/25
jul/25
Recebíveis Comerciais
36,5%
36,3%
36,7%
36,5%
36,2%
36,8%
39,4%
39,9%
Multiclasse
15,3%
15,3%
15,4%
15,4%
15,4%
16,2%
15,0%
15,2%
Crédito Pessoal
14,0%
14,1%
14,1%
14,1%
14,2%
14,3%
13,7%
13,6%
Crédito Pessoa Jurídica
8,7%
8,5%
8,5%
8,4%
8,6%
8,0%
7,0%
6,8%
Ações Judiciais e Precatórios
6,3%
6,4%
6,1%
6,2%
6,4%
6,5%
6,2%
6,2%
Setor Público
4,9%
4,9%
4,8%
4,7%
4,6%
4,3%
4,3%
4,2%
Financiamento de Veículos
3,7%
3,6%
3,6%
3,6%
3,5%
3,4%
3,4%
3,4%
Recebíveis do Agronegócio
3,9%
4,0%
4,0%
4,0%
3,9%
3,5%
3,0%
2,8%
Prestação de Serviço Público
1,2%
1,2%
1,4%
1,5%
1,5%
1,7%
1,9%
1,9%
Títulos Mobiliários
1,0%
1,2%
1,2%
1,3%
1,4%
1,5%
1,6%
1,7%
FIAGRO
1,3%
1,4%
1,3%
1,3%
1,3%
1,2%
1,2%
1,1%
Recebíveis Médicos
0,1%
0,1%
0,1%
0,1%
0,1%
0,1%
1,0%
1,0%
Recebíveis Educacionais
1,1%
1,2%
1,1%
1,2%
1,1%
0,9%
0,8%
0,8%
Crédito Imobiliário
0,9%
0,9%
0,9%
0,8%
0,8%
0,8%
0,7%
0,8%
Direitos
0,5%
0,5%
0,5%
0,5%
0,5%
0,4%
0,4%
0,4%
Tributos
0,3%
0,3%
0,3%
0,3%
0,3%
0,3%
0,3%
0,3%
Aluguel
0,1%
0,1%
0,1%
0,1%
0,1%
0,1%
0,1%
0,1%
Elos Ayta / UQBAR
Um dado salta aos olhos: os segmentos de Recebíveis Comerciais e Multiclasse concentram juntos mais de 50% do patrimônio dos FIDCs. Em julho, a participação chegou a 55,0%, a maior desde dezembro de 2024, quando era de 51,8%.
Essa concentração patrimonial é uma faca de dois gumes. De um lado, ela deixa clara a relevância estratégica desses setores na engrenagem dos FIDCs – são, afinal, os setores que mais geram recebíveis e onde a indústria encontra maior liquidez e escala. Mas há risco de dependência. Choques no crédito ao consumo ou no segmento de multiclasse poderiam impactar de forma desproporcional o mercado de FIDCs como um todo.
Um elo vital
Os FIDCs têm um papel essencial no sistema financeiro brasileiro. Eles funcionam como pontes entre empresas e investidores, transformando recebíveis em liquidez e permitindo que recursos privados financiem diretamente a atividade econômica.
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Nos últimos anos, esse mercado se sofisticou, atraindo desde grandes fundos institucionais até family offices em busca de diversificação e maior rentabilidade. Ao mesmo tempo, ampliou a base de financiamento das empresas, especialmente em períodos de restrição de crédito bancário.
O que esperar?
FIDCs são muito mais do que uma sigla técnica: são um motor invisível do crédito no Brasil. Ao mesmo tempo em que ajudam empresas a manter o caixa saudável, oferecem aos investidores novas alternativas de retorno e fortalecem o mercado de capitais.
Se a concentração em segmentos como Recebíveis Comerciais e Multiclasse mostra a espinha dorsal dessa indústria, com todas as vantagens e riscos inerentes à concentração de recursos, o crescimento explosivo de nichos como saúde e serviços públicos abre espaço para uma diversificação que tende a tornar os FIDCs ainda mais relevantes no futuro.
Não por acaso, o setor de FIDCs será tema central das discussões ao longo do fórum de inovação financeira Uqbar Day 2025, a ser realizado em São Paulo no mês de outubro. Mais um sinal de que esse mercado deixou há muito tempo de ser coadjuvante quando o assunto é crédito.