Investimento com propósito

Fernanda Camargo é sócia-fundadora da Wright Capital Wealth Management e tem mais de 25 anos de experiência no mercado financeiro, 15 dos quais em Gestão de Patrimônio, com passagens por Vinci Partners, Gávea Arsenal Gestão de Patrimônio, Standard Bank, Deutsche Bank e Merrill Lynch. Ela é uma das fundadoras do Instituto LiveWright, OSCIP dedicada a gestão do esporte olímpico no Brasil e faz parte do Conselho da ONG Atletas pelo Brasil.

Escreve mensalmente, às sextas-feiras

Fernanda Camargo

A sua carteira de investimentos está preparada para a revolução ESG?

Pensamento de um mundo mais sustentável deve ser determinante na hora de escolher onde investir

Cada letra da sigla ESG representa um critério que as empresas utilizam para reduzir os danos ambientais, sociais e de governança. (Foto: Shutterstock/TH2I Shutter Rich/Reprodução)
  • Será muito difícil zerar emissões de gases de efeito estufa até 2050
  • Milhões de pessoas pedem a mudança de um sistema que simplesmente não entrega mais
  • A Agenda 2030 aborda três pilares fundamentais da sustentabilidade: social, ambiental e econômico

No domingo à noite, dirigindo de volta da praia para São Paulo enquanto meu filho de 6 anos e seu amigo dormiam no banco de trás, vim pensando como será o mundo quando eles tiverem a minha idade.

Nestes últimos dias li inúmeros relatórios e reportagens mostrando como será muito difícil atingir o tal Net Zero (zerar emissões de Gases de Efeito Estufa) até 2050. A temperatura em vários lugares do mundo já subiu mais rápido do que os modelos previam. A temperatura na Europa atingiu 45º C e na Ásia, 50º C graus. Isso aconteceu por alguns dias seguidos. Em 2030 pode acontecer por meses.

A Europa está pegando fogo, os Estados Unidos têm enchentes de um lado e secas devastado safras do outro, a China está enfrentando uma seca recorde. Isso tudo vem gerando falta de alimentos e falta de água em vários lugares. A inflação continua subindo e a desigualdade, aumentando.

Em seu artigo da semana passada (ESG on a Sunday – Week 33), Sasja Beslik traz a seguinte análise: Em 1818 Schopenhauer escreveu sua mais famosa obra, “O mundo como vontade e representação”. Ele acreditava que no coração da realidade existia a vontade, um impulso dentro de cada um de nós para viver e satisfazer nossos desejos. Baseado nesta filosofia, Nietzsche criou o conceito de Eterna Recorrência. O universo é um espaço cíclico.

O problema é que a vontade nunca se sacia e nunca se aplaca, tornando-a sempre um movimento e transformando seu objetivo em alvo móvel. Afinal, toda vez que atingimos um de nossos objetivos, não demora muito para ficarmos entediados e começarmos a procurar uma nova montanha para escalar.

Segundo Schopenhauer, todas as coisas vivas carregam essa mesma força primordial dentro de si, mas nunca são capazes de satisfazê-la. Além disso, nosso senso de identidade é uma ilusão dessa vontade sem propósito enquanto tenta dar sentido à vida.

Hoje precisamos da vontade mais do que nunca. Precisamos da Vontade que é a voz de milhões de pessoas pedindo a mudança de um sistema que simplesmente não entrega mais. Estamos fartos. Não queremos que nosso futuro seja derrotado dessa maneira.

A Agenda 2030, composta por 17 objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU), busca acabar com a pobreza, proteger o planeta e assegurar a paz e prosperidade para todos. A agenda aborda três pilares fundamentais da sustentabilidade: o social, o ambiental e o econômico.

Neste sentido, volto a citar a ODS Zero, um conceito idealizado pelo empreendedor e investidor Marco Gorini. Como ele diz, todo CNPJ é precedido por um modelo, que, por sua vez, é precedido por um líder, um ser humano que faz escolhas e renúncias.

A ODS Zero diz respeito ao nosso discernimento em relação às escolhas saudáveis que precisamos fazer, em direção ao propósito que desejamos servir.

Ele envolve um elevado nível de consciência e pertencimento, uma compreensão de que tudo está interligado e todos os ecossistemas são sinérgicos, além do reconhecimento dos impactos positivos ou negativos de todas as ações – e aqui a omissão é inaceitável.

O ODS Zero, portanto, representa um retorno às origens, um olhar para dentro, revisitando nossas fronteiras interiores e restabelecendo a conexão cabeça-coração.

Certas escolhas vão exigir muita coragem dos líderes empresariais e de instituições financeiras. Ao mesmo tempo que a transição para uma economia de baixo carbono traz inúmeras oportunidades, também traz custos e exige uma mudança cultural.

Os resultados da adoção de critérios ESG (sigla para governança ambiental, social e corporativa, em inglês) ou de investimentos na ODS virão no longo prazo. mas os custos virão antes. Eis aí um dos grandes desafios do mercado de capitais que tende a focar no curto prazo.

Um bom exemplo de custos inesperados resultantes das mudanças climáticas pode ser visto no caso da Foxconn, a maior fabricante de produtos 3C (itens de computadores, comunicações e consumos eletrônicos) do mundo, fornecedora de peças para Toyota, Apple e outras grandes companhias. A empresa suspendeu suas operações devido à falta de energia na sua planta no sudoeste da China já que a região sofreu com secas e ondas de calor que afetaram as usinas hidrelétricas.

As mudanças climáticas são um problema global e urgente, vão exigir inovação para chegarmos a uma economia carbono zero. Risco climático significa risco financeiro. O custo de capital para as empresas que não se prepararem para a transição ficará cada vez mais alto. Por outro lado, uma nova geração de empresas está surgindo, criando oportunidades de investimento.

Devemos pensar sobre o portfólio do futuro. É difícil dizer em quanto tempo essa transição vai acontecer, mas é importante ter um pé no futuro e, ao mesmo tempo, quantificar os riscos que vem das externalidades que o portfólio atual gera. O investidor precisa calcular quanto carbono seu portfólio emite, o uso da água e como as empresas nas quais investe tratam os resíduos, os funcionários, a comunidade e o meio ambiente.

Pergunte para seu gestor se ele leu os relatórios ou um resumo do relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e o que ele esta fazendo a respeito.

Ao escolher onde investir nesse momento de transição, busque empresas cujos líderes tenham incorporado a ODS Zero e tenham a coragem de fazer as mudanças necessárias. Líderes cuja vontade de resolver grandes problemas seja insaciável, que seja parte de seu propósito e traga sentido para a sua vida.

Quem sou eu para questionar Schopenhauer ou Nietzsche?