Investimento com propósito

Fernanda Camargo é sócia-fundadora da Wright Capital Wealth Management e tem mais de 25 anos de experiência no mercado financeiro, 15 dos quais em Gestão de Patrimônio, com passagens por Vinci Partners, Gávea Arsenal Gestão de Patrimônio, Standard Bank, Deutsche Bank e Merrill Lynch. Ela é uma das fundadoras do Instituto LiveWright, OSCIP dedicada a gestão do esporte olímpico no Brasil e faz parte do Conselho da ONG Atletas pelo Brasil.

Escreve mensalmente, às sextas-feiras

Fernanda Camargo

O seu portfólio de investimentos é à prova de futuro?

Riscos climáticos físicos e regulatórios, assim como oportunidades, podem impactar seus retornos

O seu portfólio de investimentos é à prova de futuro? Imagem: Adobe Stock
  • Compensar a sua "pegada de carbono" vai custar tão caro que certas indústrias podem não existir no longo prazo
  • Vivemos como se esse futuro estivesse muito distante. Mesmo abrindo o jornal todos os dias e lendo sobre o aumento de temperatura e inúmeros desastres nos mais variados lugares do planeta
  • Neste sentido, Bill Gates tem razão ao falar sobre eliminar o tal Prêmio Verde. Isso exige uma transformação radical em diversos setores da economia

Esses dias tive uma reunião com um grande investidor. A conversa era sobre alocação de longo prazo. Depois de falarmos das classes de ativos, de moedas, de regiões etc., perguntei se eles já tinham feito alguma avaliação para saber se o portfólio atual era “À prova de futuro”.

O investidor não entendeu do que eu estava falando. Expliquei que era sobre mudanças climáticas, que além dos desastres que estão acontecendo e risco físico de algumas regiões, também estamos assistindo mudanças regulatórias que vão obrigar empresas a divulgar suas externalidades e compensar a pegada de carbono – em alguns casos, compensar vai custar tão caro que certas indústrias podem não existir no longo prazo.

O investidor ficou me olhando e disse que tinha tido mais de 20 reuniões com bancos e alocadores durante a semana e que eu era a única que estava fazendo essa pergunta. Fiquei assustada e triste. O problema é grave, mas vivemos como se esse futuro estivesse muito distante. Mesmo abrindo o jornal todos os dias e lendo sobre o aumento de temperatura e inúmeros desastres nos mais variados lugares do planeta.

Na semana passada, o JPMorgan emitiu um alerta onde prevê que o mundo ainda precisará de quantidades significativas de petróleo em 2030, especialmente devido à crescente demanda de energia dos países em desenvolvimento. À medida que mais pessoas obtêm acesso à energia e buscam melhorar seus padrões de vida, a pressão sobre os sistemas de energia e governos aumentará consideravelmente. O relatório também destaca que os investimentos em energias renováveis atualmente oferecem retornos abaixo da média, o que pode levar os governos a recuar em políticas energéticas mais agressivas devido aos altos custos envolvidos.

Neste sentido, Bill Gates tem razão ao falar sobre eliminar o tal Prêmio Verde. Em seu livro “Como Evitar uma Catástrofe Climática”, Gates nos coloca frente a frente com a urgência da ação climática. O planeta enfrenta um desafio sem precedentes: as emissões de gases de efeito estufa, principalmente o CO2, estão elevando a temperatura global a níveis alarmantes, com consequências desastrosas para o meio ambiente e a humanidade.

Hoje emitimos mais de 51 bilhões de toneladas de GEE por ano e para evitar um cenário catastrófico, precisamos reduzi-las até zero. Só então a temperatura deixará de aumentar e os fenômenos climáticos desastrosos deixarão de se agravar cada vez mais. Isso exige uma transformação radical em diversos setores da economia.

Gates explora as principais fontes de emissão, desde a produção de energia e transporte até a agricultura e indústria. Ele destaca a indústria como o setor mais desafiador para a descarbonização, devido à sua escala e complexidade. Para viabilizar a transição para uma economia limpa, é fundamental reduzir o “prêmio verde”, a diferença de custo entre tecnologias limpas e as convencionais poluentes. Isso requer um esforço conjunto de inovação, investimento e mudança de comportamento.

Para entender a escala do problema, ele explica todas as diferentes fontes. A produção de eletricidade, sendo o gás natural e o carvão uma grande fonte – representa cerca de 27% do total de emissões. Automóveis de passageiros representam 7% e os transportes em geral 16 %.

Os outros segmentos menos conhecidos são a agricultura, que representa 19%, aquecimento e refrigeração de edifícios, incluindo a utilização de gás natural, são 7%. E depois, infelizmente, o maior segmento de todos, a indústria transformadora, incluindo o aço e o cimento. Estes últimos, os mais difíceis de resolver.

No caso da economia industrial a dimensão é gigantesca. Estamos pedindo uma mudança num período de 30 anos quando nem sequer sabemos como fazer essa mudança neste momento.

Para limpar tudo isso, precisamos que a energia verde seja tão barata como os combustíveis fósseis, e os novos materiais, materiais limpos, sejam tão baratos como os atuais. Isso seria eliminar o tal Prêmio Verde.

Países desenvolvidos como os EUA têm um papel crucial a desempenhar nessa empreitada. Gates defende que esses países devem liderar a inovação em tecnologias limpas, investindo pesadamente em pesquisa e desenvolvimento para torná-las acessíveis a todos. Além disso, é necessário estimular a demanda por produtos e serviços verdes, incentivando consumidores, empresas e governos a optarem por soluções sustentáveis. O setor financeiro também precisa direcionar investimentos para tecnologias limpas e descarbonização da economia.

O sistema financeiro está essencialmente financiando a expansão dos combustíveis fósseis. A questão é que quando olhamos para os custos de financiamento de um campo de placas solares, estes custos não são mais baixos que outros tipos de investimento. Não existe uma taxa especial para projetos relacionados com o clima. Uma alternativa seria os governos criarem incentivos fiscais para melhorar essas coisas.

A vertente financeira será importante para acelerar a velocidade de implantação. A energia solar e eólica precisa ser acelerada dramaticamente para além de tudo o que já fizemos atualmente. Em média, teremos de instalar três vezes mais por ano do que no ano de pico até agora. O setor financeiro é importante, mas sem a inovação, não há nada que possamos fazer.

Ele explica que ainda não existe mercado para estes produtos já que neste início são muito caros. O Capital Catalítico é importante para organizar o poder de compra dos consumidores, das empresas e dos governos para que possamos entrar na curva de aprendizagem, e aumentar a escala, como foi feito com a energia solar e eólica em todas estas categorias.

Muitos acreditam que a questão climática é sobretudo uma questão de consumir menos e, sobretudo, de consumir menos energia. Mas Gates explica que vamos precisar consumir mais energia. Todos os seres humanos devem ter acesso a condições básicas de vida e a população humana está crescendo.

Não vamos deixar de fazer casas, nem parar de comer. Por isso, temos de ser capazes de multiplicar esses processos, mas sem emissões. E precisamos fazer isso nos países em desenvolvimento. Isso não será possível se os países ricos consumirem menos.

Ao eliminarmos o prêmio verde, a transição pode ocorrer de alguma forma. O custo da tecnologia e a queda do prêmio verde são os principais motores.

O livro apresenta algumas tecnologias prioritárias para a transição energética, como o hidrogênio verde, a captura direta de carbono e os biocombustíveis para aviação. Gates também defende a energia nuclear como uma fonte de energia limpa e confiável que pode complementar as energias renováveis.

O hidrogênio verde, para quem não sabe, é produzido com fontes de energia limpa, eólica, solar, etc. O azoto produzido a partir do gás natural ou do gás fóssil é chamado hidrogênio cinzento.

Gates explica que no caso do hidrogênio verde, é preciso obtê-lo de forma mais barata. Quando isso for possível, ele se tornará um ingrediente mágico para muitos processos como por exemplo fazer fertilizantes sem utilizar gás natural, reduzir o minério de ferro para a produção de aço sem utilizar qualquer forma de carvão. É importante conseguir que todos os componentes sejam muito, muito baratos. O único jeito é fazer projetos com grande escala para atingir essa curva de aprendizagem.

Captura direta de carbono trata-se de retirar o carbono da atmosfera. Esta tecnologia é para a parte das emissões que não se consegue resolver de outra forma. Esta é uma tecnologia em fase muito inicial e não comprovada. Atualmente Gates, através de investimentos na Climeworks, que faz a captura de carbono por pouco mais de 600 dólares a tonelada, elimina todas suas emissões de carbono de uma forma padrão-ouro. Mas a escala ainda é pequena. Ele também investe na Carbon Engineering que esta tentando fazer instalações em grande escala.

No livro que coloca outra prioridade que são os biocombustíveis para a aviação. O setor da aviação, nos últimos anos tornou-se um símbolo de um estilo de vida poluente, digamos assim. Num avião de grandes dimensões que percorre uma longa distância, não há hipótese de as baterias terem a mesma densidade energética que as dos automóveis. Portanto, ou se usa o hidrogênio como combustível para o avião, que tem alguns desafios, ou então, o SAF (Bioquerosene de Aviação), onde se usa, por exemplo, resíduos de cana e cavaco de madeira para fazer o combustível.

Energia Nuclear: outra fonte de energia que não é universalmente aceita como energia limpa devido aos riscos, por causa dos resíduos radioativos. Gates explica que se deixássemos de usar gás natural para aquecer as casas ou a gasolina para abastecer os carros, a rede elétrica teria de crescer de qualquer forma – dado o crescimento populacional. Mesmo no caso dos EUA, onde a demanda por eletricidade tem se mantido estável nas últimas décadas, nesse caso, teria de ser quase três vezes maior.

Se usarmos fontes dependentes do clima como solar ou eólica, a produção de eletricidade desaparece no caso de frentes frias e podem parar toda uma região por muitos dias. Por isso, quando se fala em utilizar grandes quantidades de transmissão e armazenamento e fontes “não dependentes do clima” que, a única opção para essa escala é a nuclear.

Outro aspecto crucial da agenda climática, segundo Gates, é a adaptação aos impactos das mudanças climáticas. Investir em medidas de adaptação, como sementes resistentes à seca, infraestrutura resiliente e sistemas de alerta precoce, é fundamental para minimizar os danos causados pelo aquecimento global, especialmente para comunidades vulneráveis.

A mensagem de Gates é clara e contundente: a luta contra as mudanças climáticas é uma corrida contra o tempo. Alcançar emissões zero até 2050 é um desafio monumental, mas possível com um esforço global e coordenado. Cada indivíduo tem um papel a desempenhar, fazendo escolhas de consumo conscientes, apoiando políticas climáticas e se informando sobre o problema. Somente com inovação, investimento, colaboração e ação individual poderemos evitar uma catástrofe climática e construir um futuro sustentável para as gerações futuras.

O Brasil tem um papel importante nesta transição e deveria aproveitar de todas as maneiras possíveis. Temos uma matriz energética limpa, biodiversidade, áreas para compensação de carbono, reservas de metais críticos para a transição energética, mercado de capitais sofisticado e projetos que abrangem todo o espectro, desde aqueles com maior impacto e retornos abaixo do mercado até projetos com retornos compatíveis com os de mercado e outros com estruturas de blended finance ou capital catalítico.

Para o Brasil, a proteção de florestas e ativos naturais é essencial para redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE), e por isso deve estar associada a atração de investimento e ao desenvolvimento econômico do País.

Soluções baseadas na natureza são outra oportunidade para o Brasil. Trata-se de ações que visam a proteger, gerir de maneira sustentável ou restaurar ecossistemas naturais a fim de enfrentar desafios socioambientais. São atividades e tecnologias de manejo sustentável, proteção ou restauração de ecossistemas que oferecem respostas à degradação ambiental e às mudanças climáticas. Vão desde reflorestamento de mata nativa e a agricultura regenerativa, por exemplo.

No caso do hidrogênio verde, o Brasil é um dos países que reúnem as condições mais favoráveis para a produção em larga escala. Além da matriz energética limpa, o país é rico na produção de biomassa, o que pode diferenciá-lo na produção deste combustível.

Até quando falamos em biocombustíveis para a aviação, o Brasil pode ser protagonista. No ano passado, a GranBio, empresa brasileira, recebeu uma subvenção de US$ 80 milhões do governo dos Estados Unidos para construir uma planta de demonstração de bioquerosene de aviação (SAF) no país. A unidade deverá ficar no Estado da Geórgia, onde terá acesso fácil a resíduos de cana e a cavaco de madeira. Essas matérias-primas são transformadas em etanol celulósico, depois em etileno, e, por fim, em SAF.

O acesso confiável à dados e transparência na destinação dos recursos financeiros serão cruciais para o desenvolvimento de um ecossistema robusto de financiamento climático no Brasil, especialmente para ampliar os investimentos para atividades que contribuam para mitigação e adaptação as mudanças do clima.

Acredito que não seja mais possível falarmos de investimento de longo prazo sem levar este tema em consideração.