- Falamos muito pouco sobre como nos preparar para a aposentadoria, sendo que ela merece cuidado
- No Brasil, é escassa a literatura sobre essa fase. Nos EUA, há estudos sobre como se planejar para ela
- Sabemos que a felicidade não é feita somente de dinheiro, mas é difícil dissociar o tom da festa da aposentadoria de um mínimo de independência financeira
Fiz uma viagem de carro pela costa oeste dos Estados Unidos no mês passado. Uma coisa me chamou a atenção (além do fato de que uma garrafa d’água comum hoje pode custar US$ 10, ou seja, mais de R$ 50): a forma como eles celebram a aposentadoria.
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Foi na Disney californiana que tive meu primeiro contato com essa celebração. Encontrei em uma loja de cartões esculturais. Em meio aos de “feliz aniversário”, “parabéns pelo casamento” e “Feliz Natal”, havia um de “feliz aposentadoria”.
Ao ser aberto, o cartão formava uma escultura de papel em forma de praia, com direito a montinho de areia, máquina fotográfica, óculos de sol e prancha de surf.
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Até então parecia apenas um cartão exótico. Daí vieram a reserva de um restaurante na Disney e também do hotel do Grand Canyon com o clássico campo “está comemorando algo em especial?” para preencher. Sempre leio as opções com cuidado, vai que tenho direito a um presente! E lá estava, entre aniversários e bodas de casamento, a tal da aposentadoria.
Achei significativa a ideia de comemorar a transição para essa etapa da vida, associada por muitos a uma fase de recolhimento ou até depressão.
Meu livro favorito, “A Trégua”, escrito pelo uruguaio Mario Benedetti, começa com o personagem a seis meses e 28 dias de estar em condições de se aposentar, perdido em uma contagem regressiva e dividido entre atividades como jardinagem, violão e escrita, porém considerando desolador e até repugnante começar qualquer uma dessas atividades tão tarde. Quando pensa no assunto, confessa, até erra o traçado das letras.
Penso que falamos muito pouco por aqui sobre como nos preparar para essa transição, sendo que ela merece cuidado. Há, claro, um lado psicológico, já que para muitos a própria identidade está ligada à carreira profissional.
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Vejo por aí vários programas de orientação vocacional focados em jovens. E quem prepara os adultos para a próxima fase?
Percebo o envelhecimento da população e o peso dessa realidade no crescente número de pessoas que, ao me ver ensinando a investir, pedem ajuda para a fase oposta: a de desinvestir. Muito falamos em acumular, mas pouco em desacumular – nem sei se essa palavra existe, mas precisamos conversar sobre ela.
Recentemente, em busca de ajudar essas pessoas, me deparei com uma escassez absurda de literatura do tipo no Brasil. Já nos Estados Unidos, eles não só vendem cartões e brindam à aposentadoria, como estudam profundamente o planejamento para essa fase da vida.
Uma regra bastante disseminada por lá é resgatar 4% do seu patrimônio acumulado no primeiro ano de aposentadoria e ajustar pela inflação nos próximos. Está longe de ser perfeita, mas ao menos é um norte.
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Há versões mais sofisticadas, como a abordagem do “guardrail” – em referência às barras de segurança das rodovias – que cria faixas de segurança para os resgates a fim de fazer frente aos anos em que o patrimônio cresce menos ou encolhe devido às condições de mercado.
Sabemos que a felicidade não é feita somente de dinheiro, mas é difícil dissociar o tom da festa da aposentadoria de um mínimo de independência financeira. Precisamos cada vez mais falar sobre como aproveitar o patrimônio de forma saudável, mas também sobre o que faremos nessa fase da vida.
Perguntamos tanto às crianças o que vão ser quando crescerem… E você, o que vai ser quando se aposentar?