A taxa de câmbio do real enfrenta pressão de déficit em conta corrente e baixa produtividade. (Foto: Adobe Stock)
Para que a taxa decâmbio retornasse ao valor real do último trimestre de 2019, o valor nominal corrente da cotação deveria estar em torno de R$ 4,50. Muitas vezes, esse valor é considerado como uma referência para onde a taxa de câmbio poderia caminhar em um cenário mais otimista.
Ou seja, algumas análises tomam isso como evidência de que existe espaço substancial para uma apreciação da moeda brasileira. Entretanto, é incorreto apontar essa comparação simplista como uma referência razoável, assim como outras referências que olham para patamares do passado e consideram que a taxa de câmbio poderia sofrer um processo de reversão à média.
A questão fundamental para discordar dessas referências de “retorno à média” é que o Brasil tem ficado para trás nos ganhos de produtividade em termos relativos globalmente. Isso implica que nossa taxa de câmbio não terá um processo de reversão à média, mas sim uma tendência de depreciação contínua – até pelo menos fecharmos a diferença de ganhos de produtividade com o resto do mundo em algum momento.
Vamos dar um passo atrás para explicar como se chega ao valor do câmbio real equivalente ao último trimestre de 2019. A média da cotação do real ante o dólar estava em R$ 4,15 naquele período. A esse valor, devemos acrescentar o efeito da diferença entre a inflação do país e dos Estados Unidos.
Nos dois casos, a inflação foi bastante elevada (sabemos dos efeitos da pandemia): 37,7% e 26,1% no acumulado dos pouco mais de cinco anos e meio desde o final de 2019. Assim, apenas pelo efeito do diferencial de inflação, a taxa de câmbio deveria sair de R$ 4,15 para R$ 4,50 (os cerca de 9% de diferença à taxa composta).
Contudo, as taxas de câmbio não se movem apenas pelo diferencial de inflação entre os países. Existe um fator estrutural mais importante: a produtividade relativa dos países ou a evolução da competitividade na produção de bens e serviços “exportáveis” (esse efeito é discutido na literatura como efeito Balassa-Samuelson, abusando um pouco da imprecisão acadêmica sobre essa teoria).
Também existem fatores mais cíclicos que afetam as taxas de câmbio, como o diferencial de juros e os preços dos produtos exportados e importados pelo país. Nos restringindo à comparação com os EUA, uma vez que estamos pensando sobre a taxa de câmbio real contra o dólar, a evolução da produtividade brasileira tem ficado bastante em desvantagem. Desde 2019, o Produto Interno Bruto (PIB) por trabalhador cresceu apenas 3,8%, contra 9,6% na mesma medida para os EUA.
A comparação com o final de 2013, antes da grande recessão do Brasil, é ainda mais desfavorável: queda de 1% do PIB por ocupado contra elevação de 16% na economia americana. Assim, estruturalmente deveríamos esperar uma perda de valor real da moeda brasileira contra o dólar ao longo do tempo. Isso, de fato, tem sido observado.
Um reflexo dos ganhos de produtividade do país abaixo de seus competidores globais pode ser observado no déficit em conta corrente. Medido de forma mais correta que a estatística oficial, o déficit em conta corrente do país está próximo de 3,8% do PIB nos últimos 12 meses (o dado oficial é de 3,50%, mas não contabiliza saídas via stablecoins que deveriam constar do déficit em conta corrente). O patamar considerado como confortável é de 2%; com 3% podemos dizer que acende uma luz amarela, e 4% a luz vermelha deve ser acionada.
É verdade que os preços de alguns produtos exportados estão em uma fase cíclica de baixa, em especial soja e milho. Também é verdade que parte desse déficit se explica pelo aquecimento da demanda interna. Contudo, a maior parte decorre da perda de competitividade da economia nos últimos anos, com a importante exceção do agronegócio (que se posiciona muito bem globalmente).
Vale notar que esse grande déficit em conta corrente ocorre a despeito de estarmos convivendo com uma taxa de câmbio bastante depreciada por vários anos. Por fim, um déficit já elevado significa que, caso haja apreciação relevante da nossa taxa de câmbio, o problema tenderá a se agravar.
Ciclicamente, parte relevante do comportamento da moeda brasileira se deve ao comportamento global do dólar. Houve um período longo de fortalecimento do dólar que se inverteu nos últimos 12 meses. Além disso, a elevada taxa de juros interna beneficia o real.
O Banco Central (BC) tem mantido uma postura bastante cautelosa, enquanto o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) retomou o ciclo de corte de juros. Assim, no curto prazo podemos ter algum espaço adicional para uma apreciação da taxa de câmbio.
Contudo, devemos deixar de lado referências mais otimistas como “retornar ao patamar ajustado pela inflação de 2019” ou comparações dessa natureza. A trajetória relativa de nossa produtividade nos indica uma tendência desfavorável para o real em prazos mais longos. O déficit em conta corrente, bastante elevado, também recomenda cautela.
Uma implicação final para esse raciocínio é que o ciclo de corte de juros provável de 2026 poderá ter como restrição o problema de reduzir demais a Selic em um contexto no qual manter um elevado diferencial de juros é importante para manter a taxa de câmbio bem-comportada. Mas esse é assunto para outro momento.