Ibovespa descola de Wall Street em novembro, mas risco político e deterioração fiscal contratada acendem alerta
Enquanto índices americanos passam por correção técnica após rali, bolsa brasileira avança; investidor deve vigiar retaliações comerciais dos EUA e o agravamento das contas públicas para 2026
Mercado brasileiro desafia o exterior, mas riscos fiscais e políticos seguem no radar do investidor.(Foto: Adobe Stock)
Ao nos aproximarmos da última semana de novembro, o mercado financeiro apresenta uma dicotomia clara entre o cenário externo e o doméstico. Se outubro foi marcado por otimismo global, o mês de novembro com dados até o fechamento do dia 21, revela uma forte realização de lucros (profit taking) nas Bolsas americanas, enquanto o Ibovespa demonstra um descolamento atípico. No entanto, o noticiário político, tanto em Brasília quanto em Washington, insere uma nova camada de risco que exige cautela máxima para dezembro.
No cenário internacional, o mercado americano passa por uma correção técnica severa. Segundo levantamento da Plataforma DataBay, o Dow Jones recua 2,8% no mês, enquanto o S&P 500 cede 3,5%. O movimento é ainda mais agudo na tecnologia: o Nasdaq, que acumula alta de 15,3% em 2025, sofre uma retração de 6,1% apenas nas três primeiras semanas de novembro.
Diferente de meses anteriores, este movimento não parece atrelado a uma mudança estrutural de juros, mas sim a um ajuste natural de valuations (valores de ativos) esticados. Após meses de altas consecutivas, o investidor optou por colocar o lucro no bolso diante das incertezas, penalizando o investidor brasileiro exposto ao exterior: o índice BDRX cai 5,07% no mês, conforme dados da DataBay.
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Em contrapartida, o mercado brasileiro opera em terreno positivo. O Ibovespa acumula alta de 3,50% em novembro, alcançando os 154.770 pontos (+28,67% no ano). O destaque mapeado pela plataforma é o Índice Financeiro (IFNC), que avança 3,67%, puxando a alta. Contudo, essa resiliência local caminha sobre gelo fino.
A política volta a ser o principal vetor de risco. A prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) trouxe volatilidade institucional imediata. Mas, para o mercado, o problema transcende o debate jurídico interno: o foco está na reação da Casa Branca.
A recente decisão do presidente Donald Trump de retirar tarifas de 40% sobre produtos agrícolas brasileiros foi um alívio crucial para nossa balança comercial. Contudo, com advogados e aliados de Trump classificando a prisão como um “insulto”, o risco de revogação dessa medida ou de novas sanções comerciais tornou-se real. Não se trata de ideologia, mas de fluxo de caixa: uma deterioração nas relações bilaterais impactaria diretamente o agronegócio e pressionaria o dólar, contaminando a curva de juros.
No fronte doméstico, a leitura é ainda mais dura. Não se fala mais em “risco de perder a credibilidade” fiscal, pois o mercado já considera que essa credibilidade inexiste. A atual âncora fiscal mostrou-se incapaz de conter a expansão de gastos obrigatórios, e o prêmio de risco embutido nos ativos reflete a certeza de que a situação vai piorar.
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Com a aproximação do ano eleitoral de 2026, o governo não hesitará em forçar a barra orçamentária para acomodar pressões por gastos sociais e investimentos públicos, ignorando a sustentabilidade da dívida. O déficit primário persistente e a dependência de receitas extraordinárias confirmam que não há ajuste estrutural em curso. O investidor, portanto, não deve esperar responsabilidade fiscal voluntária, mas sim preparar-se para um cenário de maior inflação implícita e juros longos pressionados.
Diante desse cenário, a virada do mês exige uma postura defensiva, ainda que a bolsa tenha subido recentemente. A atenção deve recair primeiramente sobre o câmbio, visto que o dólar funcionará como o termômetro imediato do risco diplomático, reagindo a qualquer ruído tarifário vindo de Washington.
Internamente, é preciso compreender que a alta do Ibovespa pode mascarar riscos latentes, o que impõe a necessidade de seletividade: a estratégia mais prudente favorece empresas geradoras de caixa e o setor bancário (IFNC), segmentos que historicamente repassam custos de crédito e apresentam maior resiliência a cenários de descontrole fiscal.
Por fim, o radar deve permanecer ligado na correção externa da Nasdaq, monitorando se trata-se de um evento pontual ou o prenúncio de um movimento que drenaria a liquidez dos emergentes. O mercado brasileiro provou em novembro que tem fôlego para buscar novas máximas, impulsionado por preços baixos, mas o investidor deve ter clareza: o cenário fiscal doméstico é de deterioração contratada, e o risco político externo volta a exigir monitoramento constante e cautela redobrada.
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*Colaboraram no artigo Guilherme Carter, que é economista e especialista em finanças, com carreira dedicada à análise de mercados e inovação em investimentos. Mestre pela FGV-EESP, é professor de Finanças na FGV e coordenador dos programas de Finanças da FBNF. Também é Managing Director da DataBay, fintech de inteligência de dados para o mercado de capitais, e presença constante em debates na mídia sobre economia, renda fixa e investimentos.