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IRPF mínimo? A conta que sempre sobra para os mesmos contribuintes

O discurso de “fazer os ricos pagarem mais” ignora que a maior parte da arrecadação já vem do topo da pirâmide formal

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Discussão sobre o “IRPF mínimo” revela uma possível mudança estrutural na tributação brasileira, com impacto sobre dividendos, alta renda e o equilíbrio entre justiça fiscal e excesso arrecadatório. (Imagem: Adobe Stock)
Discussão sobre o “IRPF mínimo” revela uma possível mudança estrutural na tributação brasileira, com impacto sobre dividendos, alta renda e o equilíbrio entre justiça fiscal e excesso arrecadatório. (Imagem: Adobe Stock)

Nos últimos meses, o vocabulário fiscal brasileiro ganhou um novo integrante: o “IRPF mínimo”. Soa até simpático — afinal, quem poderia ser contra o “mínimo”? Mas, na prática, esse novo bordão é o prenúncio de uma mudança estrutural no modo de tributar a renda, especialmente a de quem já paga bastante. É o tipo de expressão que parece inofensiva até chegar a fatura.

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O conceito nasceu de discussões internacionais capitaneadas pela OCDE e o G20, que buscam um imposto mínimo global para grandes corporações. Só que, no Brasil, a ideia começou a ganhar contornos domésticos: um “imposto mínimo” aplicado também à pessoa física. A mensagem subliminar é clara: há quem esteja “pagando de menos”, e o Fisco decidiu que é hora de “equilibrar o jogo”.

A proposta em tramitação eleva a isenção para rendas mensais de até R$ 5 mil e cria um desconto escalonado até a faixa de R$ 7.350, aliviando a renda da classe trabalhadora. Em paralelo, institui um Imposto de Renda Pessoa Física Mínimo para rendas anuais a partir de R$ 600 mil, com alíquota que chega a 10% acima de R$ 1,2 milhão.

O retorno triunfal dos dividendos tributados

Após quase três décadas de isenção, os dividendos voltam ao radar do Leão. A justificativa é a de sempre: “tornar o sistema mais justo”, já que o assalariado paga muito IR e o empresário não. Verdade parcial.

Dividendos já foram tributados antes, e o que se busca agora é recriar o imposto sobre o mesmo rendimento, sem reduzir a carga nas empresas. Nos países que servem de modelo — Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha — a tributação de dividendos vem acompanhada de compensações, como a dedução parcial no IRPJ ou crédito fiscal para o acionista. Aqui, a ideia é mais direta: taxar sem aliviar em lugar nenhum.

O resultado é previsível: bitributação disfarçada de justiça fiscal. E o investidor, que já enfrenta câmbio volátil, juros altos e burocracia infinita, terá mais um incentivo para buscar alternativas fora do país — ou para recorrer ao velho e legítimo planejamento tributário em legítima defesa.

E é preciso desfazer um equívoco: o empresário não é um inimigo, nem um privilegiado. Ele é quem assume riscos, paga impostos na pessoa jurídica, gera empregos e mantém o motor da economia funcionando. Sem empresas, não há empregos; e sem empregos, não há arrecadação. Demonizar quem produz é o atalho mais curto para desestimular o investimento e ampliar a informalidade.

O IRPF mínimo e o máximo da paciência

A noção de um “imposto de renda mínimo” para pessoas físicas soa moderna, mas esconde um velho instinto arrecadatório. A proposta seria garantir que todos paguem uma alíquota efetiva mínima sobre sua renda global, independentemente da forma jurídica ou do país de origem dos rendimentos.

Na teoria, parece razoável. Na prática, cria uma rede de obrigações que atinge justamente quem já é formal, rastreável e declarador. Fundos exclusivos, offshores, trusts e holdings familiares passam a ser vistos quase como ameaças, não como instrumentos legítimos de gestão patrimonial e planejamento sucessório.

E o contribuinte médio — aquele que junta dividendos modestos, aluguel de um imóvel e aplicações financeiras — acaba soterrado por um emaranhado de regras, cruzamentos automáticos e uma eterna sensação de culpa fiscal.

Alta renda, alta carga e o paradoxo do sucesso

O Brasil vive um curioso paradoxo: quanto mais bem-sucedido o contribuinte, mais difícil é justificar o sucesso. O discurso de “fazer os ricos pagarem mais” ignora que a maior parte da arrecadação já vem do topo da pirâmide formal.

Enquanto isso, o setor público continua crescendo acima da inflação, e a promessa de simplificação se transforma num novo manual de complexidade. No fim, a carga tributária aumenta sem contrapartida visível: nem em serviços, nem em eficiência, nem em transparência.

Conclusão: a eterna reforma do nunca

O “IRPF mínimo” é, no fundo, o símbolo de um Estado máximo que insiste em redistribuir a responsabilidade sem redistribuir o gasto. E a tributação de dividendos, longe de corrigir distorções, pode piorar o desequilíbrio entre quem produz e quem consome o fruto da produção.

No fundo, o problema não está em cobrar mais imposto de quem já paga, mas em insistir num modelo que continua premiando a ineficiência e penalizando a produção. O governo fala em “justiça fiscal”, mas ignora que o verdadeiro desequilíbrio está na má gestão dos gastos públicos e na baixa qualidade dos serviços que o contribuinte recebe em troca.

De nada adianta tributar dividendos, elevar alíquotas ou criar pisos de IRPF se o Estado continuar gastando mal, expandindo benefícios sem contrapartida e engessando o investimento produtivo com burocracia e imprevisibilidade.

Uma política tributária moderna deveria mirar menos o bolso e mais o ambiente econômico. Isso significa simplificar regras, reduzir o contencioso, incentivar a formalização e oferecer segurança jurídica.

Se o governo realmente quer “fazer justiça”, o caminho passa por gastar melhor, racionalizar o sistema e tratar o contribuinte como parceiro do desenvolvimento — e não como inimigo.

Sem empresas, não há empregos; sem incentivo à produtividade, não há crescimento; e sem crescimento, não há arrecadação que resolva o problema.

O contribuinte brasileiro já aprendeu que toda reforma que promete simplificar vem acompanhada de uma nova camada de complexidade. E, no ritmo atual, talvez o único “mínimo” que reste seja o de paciência — tanto para entender as regras quanto para continuar acreditando nelas.

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