- As discussões sobre o fortalecimento de uma governança global mais inclusiva e a criação de alternativas financeiras ao sistema baseado no dólar refletem um desejo de reequilibrar as relações internacionais de poder
- No entanto, a tentativa de expansão do bloco, incluindo novos parceiros como a Venezuela, trouxe à tona tensões entre os interesses geopolíticos de cada membro
- A exclusão da Venezuela ilustra bem as dificuldades de equilibrar os interesses geopolíticos divergentes entre os membros do BRICS; entenda
A 16ª cúpula do BRICS (sigla que representa o bloco de países formados por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), realizada em Kazan, na Rússia, exemplifica a complexidade crescente dentro de um bloco que busca afirmar-se como contraponto ao domínio ocidental nas questões globais.
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Com a adesão de novos membros — Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egito, Etiópia e Irã —, o BRICS passa a incluir um número ainda maior de economias emergentes e de países de relevância estratégica, e, ao mesmo tempo, se depara a um desafio maior ainda: a manutenção de sua coesão interna.
As discussões sobre o fortalecimento de uma governança global mais inclusiva e a criação de alternativas financeiras ao sistema baseado no dólar refletem um desejo de reequilibrar as relações internacionais de poder. No entanto, a tentativa de expansão do bloco, incluindo novos parceiros como a Venezuela, trouxe à tona tensões entre os interesses geopolíticos de cada membro.
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A diplomacia brasileira, liderada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), agiu para barrar a entrada da Venezuela argumentando que é necessário manter boas relações regionais e que a inclusão de países com relações conflituosas dentro da América Latina poderia comprometer a estabilidade do bloco.
A exclusão da Venezuela ilustra assim as dificuldades de equilibrar os interesses geopolíticos divergentes entre os membros do BRICS.
A Rússia e a China, ao verem na Venezuela uma oportunidade de expandir sua influência na América Latina, pressionaram para que o país fosse incluído, motivados principalmente pelos seus interesses energéticos e militares no território venezuelano.
O Brasil, no entanto, ciente da delicada situação política vivida com Caracas e das possíveis repercussões de uma parceria com o governo Maduro, optou por uma posição mais cautelosa. Esse movimento reflete uma preocupação do governo Lula com a integridade do bloco e as repercussões que uma maior aproximação com a Venezuela poderia ter sobre suas relações com os Estados Unidos e a União Europeia.
A cúpula de Kazan evidencia um paradoxo interessante no BRICS: enquanto o bloco se esforça para construir um sistema mais inclusivo e justo, ele permanece preso às dinâmicas de poder tradicionais que moldam o cenário internacional.
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A diplomacia brasileira, ao vetar a Venezuela, conseguiu evitar um cenário que poderia comprometer as relações regionais e o equilíbrio interno do BRICS. Mas, ao fazer isso, também demonstrou que o bloco ainda está distante de se libertar das disputas geopolíticas clássicas.
O caso da Venezuela não apenas revela fissuras internas no grupo, mas também a dificuldade de conciliar interesses estratégicos que, em muitos casos, estão em conflito direto com a busca por uma governança mais equitativa e representativa no cenário global.
Essa dinâmica fica ainda mais evidente no contexto da expansão do BRICS, que parece ao mesmo tempo promissora e complicada. Com uma lista crescente de países interessados em aderir, o bloco precisa estabelecer critérios claros para novas parcerias sem comprometer sua coesão.
A tentativa de criar uma governança global sob novos padrões, com reforma do Conselho de Segurança da ONU e criação de um sistema financeiro alternativo, é uma meta ambiciosa. A própria falta de um estatuto formal e de uma estrutura interna definida torna esses objetivos mais difíceis de alcançar.
A inclusão de novos membros, enquanto fortalece a representatividade do grupo, também pode agravar as tensões entre os membros originais, particularmente em questões geopolíticas sensíveis como essa da Venezuela.
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A cúpula de Kazan serve não apenas como uma oportunidade para o BRICS reafirmar sua relevância global, mas também como um momento de reflexão sobre os limites de sua expansão e os desafios de conciliar interesses tão diversos.
Ao investir em seu objetivo de tornar-se um contrapeso ao Ocidente e ao tentar gerenciar as tensões internas entre seus membros, o BRICS continua a navegar por um cenário internacional em constante mudança, onde as promessas de uma nova ordem mundial ainda esbarram nas velhas realidades da política de poder.