O olhar do mercado internacional

Thiago de Aragão é diretor de estratégia da Arko Advice e assessora diretamente dezenas de fundos estrangeiros sobre investimentos no Brasil e Argentina. Sociólogo, mestre em Relações Internacionais pela SAIS Johns Hopkins University e Pesquisador Sênior do Center Strategic and International Studies de Washington DC, Thiago vive entre Washington DC, Nova York e Brasília.
Twitter: @ThiagoGdeAragao

Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias

Thiago de Aragão

Covid-19: a “diplomacia da vacina” só vale para quem pode pagar

A China apostou em um fim precoce do vírus, demonstrando uma desconexão com a forma como o vírus foi combatido em seu país

Vacina contra covid-19 em desenvolvimento: laboratórios em corrida milionária contra a pandemia. (Andreas Gebert/ Reuters)
  • O início fulminante de disposição para doações do imunizante perdeu fôlego. A conclusão é de que não se tratava de uma “diplomacia da vacina”, mas o bom e velho comércio de venda de doses para quem pode pagar
  • A África, um bastião da influência externa chinesa, ficou a ver navios, dependendo de doações da OMS e dos Estados Unidos
  • A diluição das fronteiras não aconteceu por força de movimentos transnacionais como ocorreu na Europa. O vírus causou essa diluição

A diplomacia da vacina foi traída pela duração da covid-19. A China apostou em um fim precoce do vírus, demonstrando uma desconexão com a forma como o vírus foi combatido em seu país e sua visão de combate a ele dentro dos países ocidentais.

O início fulminante de disposição para doações do imunizante perdeu fôlego. A conclusão é de que não se tratava de uma “diplomacia da vacina”, mas o bom e velho comércio de venda de doses para quem pode pagar. A África, um bastião da influência externa chinesa, ficou a ver navios, dependendo de doações da OMS e dos Estados Unidos. Claro, tivemos doações chinesas ali, mas nem perto da quantidade esperada pelos próprios líderes africanos, sempre tão solícitos às demandas de Pequim.

Biden enviou recentemente 9 milhões de doses à África. Para um continente com apenas 6,6% da população vacinada, é pouco, mas obviamente representa uma ajuda.
Foi a pressão orgânica — por conta do surgimento da variante Ômicron – que acabou sendo determinante para que os EUA fizesse o que já deveria ter feito. A China segue mostrando que sua diplomacia não é bem “diplomacia”, já que o modos operandi transacional não requer sofisticação e nem reflexão intelectual por parte de seus diplomatas. No fim, são acordos comerciais e financeiros que ganham o status de “diplomacia” porque o negociador-chefe é sempre o estado chinês.

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A diluição das fronteiras não aconteceu por força de movimentos transnacionais como ocorreu na Europa. O vírus causou essa diluição. No entanto, da mesma forma que Brasília deve focar na distribuição da vacina no Acre ou Piauí, o Reino Unido, em Londres e Yorkshire, os EUA em Montana e Flórida, os países desenvolvidos deveriam olhar para os países sem vacinas como extensões de seus territórios.

A alternativa do fechamento de fronteiras corrói o comércio, relega países a segundo e terceiro níveis, mata a confiança do investidor e, o pior de tudo, gera tragédias humanitárias.

A vacina não é uma commodity. É um tíquete de ingresso para a normalidade. Se olharmos apenas sob o ângulo das disputas entre EUA e China, ainda há uma oportunidade de os EUA atingirem um objetivo diplomático vantajoso sobre a China. A África seria a oportunidade de os EUA reverterem, mesmo que reduzidamente, a expansão política maciça que a China vem atingindo no continente.

A distribuição da vacina, aliada à abertura de diálogos bilaterais e ao uso inteligente do DFC para o financiamento, pode reequilibrar a vantagem que a China tem na região em relação aos EUA.

Lamentavelmente, tomamos conhecimento que, em comparação ao interesse chinês demonstrado em relação ao cobalto congolês, à tomada de decisões em Addis Abeba e aos campos férteis da Tanzânia, o império de Xi fez pouco em relação à distribuição de suas vacinas.