- Um dos principais impactos dos riscos geopolíticos em uma carteira de ações é a cadeia de eventos indiretos
- Esses riscos podem muitas vezes ser previstos e antecipados, desde que a cobertura e o monitoramento sejam completos e contínuos
- Empresas que ignoram a análise de risco geopolítico tendem a reagir aos eventos em vez de tomar medidas proativas
A relação entre acontecimentos geopolíticos e mercados financeiros é cada vez mais importante para todos, desde os formuladores de políticas até os investidores. Conflitos, terrorismo e instabilidade política afetam bastante o mercado de ações. O trabalho do economista americano Robert Engle sobre processos autorregressivos de heterocedasticidade condicional (ARCH) ajudou a entender essa volatilidade. Estudos posteriores exploraram como variáveis macroeconômicas e riscos geopolíticos influenciam as flutuações do mercado.
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Um estudo de Conrad Klein (professor em Heidelberg) e Onno Kleen (Universidade de Roterdã) mostrou que eventos como guerras, ataques terroristas e tensões políticas introduzem incertezas que perturbam o sentimento dos investidores e a estabilidade econômica. Isso pode causar maior volatilidade no mercado e flutuação no preços de ações.
Por mais óbvio que isso possa soar, existe uma camada importante de detalhamento. Esses fatos geopolíticos não são apenas aqueles de magnitude alta, mas podem ser também aqueles que mal são percebidos por, aparentemente, não trazerem uma correlação óbvia com seus investimentos. Tensões políticas na Indonésia ou na República Democrática do Congo poderiam afetar o valor das ações da Apple ou da Samsung? Claro que sim.
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Um estudo sobre a Coreia do Sul analisou como os riscos geopolíticos, especialmente os originados na Coreia do Norte, afetam os retornos das ações. Usando um índice de Risco Geopolítico da Coreia do Norte (GPRNK) criado a partir de fontes de mídia sul-coreanas, os pesquisadores descobriram que o aumento do risco geopolítico reduz os retornos das ações, especialmente para empresas com alta participação de investidores domésticos e ativos fixos significativos.
O índice GPRNK rastreia eventos como testes de mísseis e negociações diplomáticas e mostra que os mercados de ações reagem negativamente a tensões geopolíticas, reduzindo os retornos. O mais interessante é que esses eventos não precisam ser de grande magnitude para impactar. Uma ação diplomática executada de forma errada já é suficiente para desencadear uma onda de reações.
Em um contexto mais amplo, os riscos geopolíticos influenciam os mercados financeiros globais de várias maneiras:
- Impacto direto nos fluxos de capital: Eventos geopolíticos podem levar à fuga de capitais de regiões afetadas, aumentando a volatilidade do mercado. Por exemplo, tensões entre os EUA e a China causaram (e causam) flutuações nos mercados de ações globais.
- Disrupções comerciais: Tensões geopolíticas frequentemente levam a restrições comerciais e sanções, perturbando as cadeias de suprimentos e afetando os fluxos comerciais globais. A guerra comercial entre EUA e China mostra como conflitos geopolíticos podem criar incerteza e impactar o desempenho do mercado de ações globalmente, mesmo num nível granular.
- Volatilidade dos preços das commodities: Riscos geopolíticos frequentemente causam flutuações nos preços das commodities, especialmente do petróleo. Conflitos no Oriente Médio, por exemplo, podem causar grande volatilidade nos preços do petróleo, que por sua vez afeta os mercados de ações globais. Podemos entrar num detalhe maior ainda: greve de trabalhadores da RD Congo afeta a extração de cobalto, que impacta diretamente a oferta de baterias elétricas.
Um dos principais impactos dos riscos geopolíticos em uma carteira de ações é a cadeia de eventos indiretos. A percepção errada de que um evento distante não afetará um investimento específico cria uma falsa sensação de segurança.
Efeitos indiretos, como disrupções nas cadeias de suprimentos globais, mudanças nos preços das commodities ou alterações nas políticas comerciais internacionais podem impactar significativamente os investimentos, independentemente de seu foco geográfico.
Os riscos geopolíticos podem muitas vezes ser previstos e antecipados com tempo suficiente, desde que a cobertura e o monitoramento sejam completos e contínuos. Empresas que ignoram a análise de risco geopolítico tendem a reagir aos eventos em vez de tomar medidas proativas, tornando-as vulneráveis a acontecimentos imprevistos e volatilidade do mercado.
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A percepção do risco geopolítico nos mercados financeiros pode ser influenciada por fatores psicológicos e sociais:
- Rumores: Na falta de informações verificadas, rumores podem se espalhar rapidamente entre os investidores, exacerbando medos e levando a comportamentos irracionais no mercado. Isso pode causar quedas súbitas nos preços das ações e aumento da volatilidade. Quem já é experiente na Faria Lima ou em Wall Street, sabe que rumores são o motor involuntário do dia a dia do mercado financeiro.
- Falta de ferramentas adequadas: Sem ferramentas robustas para avaliar os riscos geopolíticos com precisão, os investidores podem confiar em informações incompletas ou tendenciosas. Isso pode resultar em reações exageradas a eventos geopolíticos, desestabilizando ainda mais os mercados.
- Mirror imaging: Os investidores frequentemente projetam suas próprias expectativas e preconceitos nas situações geopolíticas, levando a julgamentos errôneos. Esse fenômeno, conhecido como imagem espelhada, pode distorcer a percepção dos riscos e influenciar o comportamento do mercado de formas imprevisíveis. Isso é corriqueiro não só em relação à geopolítica, mas à política em geral. O excesso de paixão política ou de convicção por parte de um investidor é justamente o que o torna menos confiável para lidar com seu dinheiro.
- Arrogância: Confiança excessiva na própria compreensão das dinâmicas geopolíticas pode levar à subestimação dos riscos. Isso pode resultar em uma preparação inadequada para choques geopolíticos, amplificando seu impacto nos mercados financeiros. Existem gestores que fizeram seus nomes corrigindo rumos ao invés de evitando colisões.
Por outro lado, uma confiança geopolítica imensa pode surgir dos mesmos fatores, levando a uma complacência que negligencia os riscos potenciais. Isso pode criar uma falsa sensação de segurança, tornando os mercados vulneráveis a choques geopolíticos súbitos.
Quantificar os riscos geopolíticos envolve criar índices que capturam a frequência e a intensidade dos eventos geopolíticos. O Índice de Risco Geopolítico (GPR), dos economistas Dario Caldara e Matteo Iacoviello, é um exemplo proeminente, que usa análise textual de artigos de notícias para rastrear eventos geopolíticos globalmente. Valores mais altos do índice GPR correlacionam-se com maior volatilidade do mercado e retornos reduzidos das ações, destacando o poder preditivo dos índices de risco geopolítico.
Para analisar o impacto dos riscos geopolíticos nos mercados financeiros, os pesquisadores usam vários modelos econométricos. A estrutura de amostragem mista de dados autoregressivos de Markov com volatilidade GARCH (AR-MSGARCH-MIDAS) é particularmente eficaz. Este modelo considera as não linearidades e mudanças de regime na volatilidade, integrando dinâmicas de mercado de curto prazo com variáveis geopolíticas e macroeconômicas de longo prazo. No entanto, só funciona com um input bem-feito de quais riscos devem ser avaliados. Esse trabalho, por enquanto, tende a ser humano.
Os riscos geopolíticos trazem incertezas que perturbam a estabilidade econômica e a confiança dos investidores, levando a uma maior volatilidade do mercado e retorno das ações. Compreender essas dinâmicas por meio de pesquisas empíricas e modelos econométricos robustos é crucial para formuladores de políticas, investidores e pesquisadores. À medida que os cenários geopolíticos globais evoluem, o monitoramento contínuo e a análise são essenciais para mitigar riscos e otimizar estratégias de investimento.