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Comportamento

Recessão: americanos diminuem gastos com viagens e restaurantes

A disparada nos preços faz com que consumidores dos EUA apertem os cintos com itens de lazer e beleza

Recessão: americanos diminuem gastos com viagens e restaurantes
As ações do restaurante mediterrâneo subiram 99% em relação ao preço da oferta pública inicial (Foto: REUTERS/Tingshu Wang)
O que este conteúdo fez por você?
  • Nas últimas semanas, as famílias já haviam reduzido a compra de itens mais caros devido a alta dos preços
  • Os gastos dos consumidores, que representam mais de dois terços da economia americana, permaneceram firmes até abril, mesmo com a inflação atingindo altas históricas
  • Esses primeiros sinais de desaceleração em uma ampla gama de produtos e setores, inclusive no de viagens e de restaurantes, contestam a percepção de que os americanos simplesmente transferiram suas despesas com bens para serviços

(Abha Bhattarai, The Washington Post)– Mais americanos estão começando a deixar para depois a compra de passagens aéreas, os cortes de cabelo, a construção de piscinas no quintal e a renovação de velhos telhados com vazamentos – dando alguns dos novos sinais de que o motor de consumo do crescimento econômico dos Estados Unidos pode estar perdendo força.

Nas últimas semanas, as famílias já haviam reduzido a compra de itens mais caros devido a disparada dos preços, mas em uma reviravolta preocupante, os dados sugerem que os consumidores também estão começando a pisar no freio nas refeições fora de casa, nos planos para as férias e até em serviços de rotina como manicures, cortes de cabelo e diaristas. Os empresários de todo o país dizem que o aumento dos preços, a diminuição do saldo nas poupanças e as preocupações com uma economia mais volátil estão afetando as decisões de gastos das famílias.

Na Olentangy Maids, empresa que oferece serviços de limpeza doméstica em Columbus, Ohio, mais clientes estão adiando ou cancelando agendamentos com diaristas. Alguns clientes regulares estão tentando negociar preços mais baixos, enquanto outros pararam completamente de dar gorjetas, disse Keith Troyer, um dos proprietários do estabelecimento.

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“Não foi uma redução enorme, mas o suficiente para ser notada”, disse Troyer. “Alguns clientes ligaram dizendo ‘Então, minha esposa foi demitida. Precisamos cancelar’, ou ‘Posso mudar do [plano] quinzenal para o mensal?’ Antes deste mês, isso era algo que dificilmente acontecia.”

Os gastos dos consumidores, que representam mais de dois terços da economia americana, permaneceram firmes até abril, mesmo com a inflação atingindo altas históricas. Mas há cada vez mais sinais de que a sequência de despesas pode estar terminando.

As vendas no varejo desaceleraram no mês passado pela primeira vez este ano, motivada por uma queda de 4% nas vendas de carros. Já as de passagens aéreas nos EUA caíram 2,3% em maio em relação ao mês anterior, de acordo com dados da Adobe Analytics. E os americanos com alta e baixa renda começaram a recuar nos gastos, sobretudo com serviços, entre as últimas quatro e seis semanas, segundo uma análise dos dados de cartões de crédito do Barclays. A desaceleração dos gastos agora está concentrada nos serviços, não nos bens, identificou o banco em uma nova análise dos dados de cartões de crédito.

“Ao longo do ano de 2022, o que se dizia era que, conforme a covid-19 desaparecesse, as famílias aumentariam as despesas com serviços”, escreveram analistas do Barclays em uma nota esta semana. “E, de fato, isso foi verdade durante grande parte deste ano. Mas os gastos com serviços parecem estar diminuindo de forma considerável.”

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As despesas com serviços como viagens e restaurantes, que cresceram mais de 30% este ano em comparação com o registrado em 2021, agora desaceleraram para metade desse ritmo, de acordo com a análise do Barclays.

Clientes do salão de beleza Simis em Fairfax, na Virgínia, começaram a cortar gastos de diversas maneiras. Aqueles que costumavam ir ao local uma vez por mês, agora estão agendando serviços a cada três meses, disse o proprietário Ahmet Sim. Outros estão negociando para conseguir preços mais baixos ou optando por tratamentos parciais no lugar dos completos. Os agendamentos no geral caíram 20% em relação ao ano passado. A média das gorjetas também caiu, de cerca de 20% para 10%.

“Só no último mês comecei a perceber que os clientes estão pechinchando como loucos”, disse Sim. “Eles dizem coisas como ‘Costumo gastar US$ 500 com tintura e luzes. O que você pode fazer para essa conta diminuir?’”

Ele tenta dar um jeito, afirmou, usando marcas mais baratas ou passando as escovas para os profissionais menos experientes. Mas também está sentindo o aperto da inflação: as caixas de luvas descartáveis foram de US$ 7 para quase US$ 25 em dois anos. As tintas para cabelo costumavam custar US$ 25, agora estão por quase US$ 40. Sim aumentou os preços durante a pandemia uma vez, mas está preocupado que outro aumento afaste mais clientes.

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“As pessoas estão cortando gastos por todos os lados”, disse ele. “Elas estão dizendo ‘Desculpe, mas eu não posso mais pagar isso’.”

Esses primeiros sinais de desaceleração em uma ampla gama de produtos e setores, inclusive no de viagens e de restaurantes, contestam a percepção de que os americanos simplesmente transferiram suas despesas com bens para serviços. A esperança até agora era que, depois de dois anos acumulando produtos como carros, móveis e eletrodomésticos, os americanos gastariam mais com férias, refeições fora de casa, manicures e outros serviços que a maioria deixou para depois durante grande parte da pandemia.

Entretanto, um indicador mostrou que o crescimento no setor de serviços dos EUA desacelerou em maio e atingiu seu nível mais baixo desde fevereiro de 2021, de acordo com um índice acompanhado atentamente do Instituto para Gestão da Oferta (ISM, na sigla em inglês)

“As despesas com bens estão sem dúvida enfraquecendo, mas se você observar com atenção, as com serviços também estão”, disse Kevin Gordon, gerente sênior de pesquisa de investimentos da Charles Schwab. “Os gastos com restaurantes diminuíram, as despesas relacionadas a viagens estão enfraquecendo. O peso sobre o consumidor está se tornando excessivo – seja por causa da inflação ou de outros fatores –, e isso está acontecendo em todos os grupos de renda.”

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No geral, as pesquisas por passagens aéreas no site de reservas Kayak caíram em média 13% até agora este mês, em comparação com o mesmo período antes da pandemia, em 2019. Os dados de reservas para restaurantes da plataforma Open Table, entretanto, mostram que o número de pessoas comendo fora caiu 11% na semana que terminou em 16 de junho, em comparação com a mesma semana em 2019.

Embora as famílias de baixa renda tenham sido as mais atingidas pela inflação, aquelas com rendas maiores também estão começando a cortar gastos, principalmente quando observam que seus investimentos – de carteiras de ações a imóveis – se desvalorizaram, disse Gordon. O patrimônio das famílias caiu pela primeira vez em dois anos no trimestre mais recente, em grande parte por causa de uma queda de US$ 3 trilhões nos valores das ações, mostram dados do Federal Reserve.

Os mercados continuaram sua queda volátil nesta semana, com os três principais índices de ações intensificando as perdas do ano e o índice S&P 500 fechando sua pior semana desde março de 2020.

Na Posh Luxury Imports, concessionária de automóveis em Los Angeles que também aluga veículos de luxo, o proprietário Omar McGee disse que tanto a demanda do consumidor como suas pontuações de crédito estão claramente menores do que há seis semanas.

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“Estou vendo mais problemas com [avaliações de] crédito”, disse McGee. “Mais pessoas atingiram o limite de seus cartões de crédito ou estão atrasadas com seus pagamentos. No fim das contas, isso significa que as pessoas precisam ser muito mais cautelosas com suas despesas.”

As dívidas com cartão de crédito, que despencaram durante a pandemia à medida que os americanos usavam as ajudas financeiras do governo para pagar as contas, foram retomadas e atingiram máximas históricas. Em 1º de junho, os americanos tinham US$ 868 bilhões em dívidas, um aumento de quase 16% em relação ao ano passado, segundo dados do Fed.

E embora os mais ricos continuem a alugar Lamborghinis e Bentleys, McGee disse que houve uma queda notória na quantidade de turistas que optam por aluguéis de veículos de luxo.

“Percebo que as pessoas estão viajando menos, o turismo está em baixa”, disse ele. “Muitos clientes de classe média alta costumavam vir à cidade e ostentar, mas dá para notar isso diminuindo dramaticamente.”

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Essa hesitação do consumidor acontece após meses de inflação em seus maiores níveis em 40 anos. Os preços subiram 8,6% no ano passado, elevando os custos de uma variedade de itens essenciais, inclusive da gasolina, que atingiu um recorde de US$ 5 por galão.

O maior ponto positivo da economia continua sendo o forte mercado de trabalho, com a taxa de desemprego em uma baixa causada pela pandemia de 3,6%. A demanda por trabalhadores se aproximou de marcas recordes em abril, com cerca de duas vezes mais vagas do que candidatos procurando emprego. As solicitações semanais de seguro-desemprego começaram a aumentar recentemente, mas ainda estão muito abaixo do que durante a maior parte da pandemia.

Com os trabalhadores ainda conseguindo encontrar empregos, o Fed fez uma mudança mais agressiva nesta semana para aumentar as taxas de juros em 0,75% na esperança de esfriar a economia o suficiente para conter a inflação sem levá-la a entrar em recessão. Apesar das garantias do banco central de que pode “desacelerar a economia de forma suave”, as empresas e as famílias estão cada vez mais preocupadas com a situação da economia, assim como com suas finanças pessoais. De fato, o sentimento do consumidor americano despencou este mês para seu nível mais baixo já registrado, de acordo com um índice da Universidade de Michigan.

“O consumidor está sob pressão”, disse Douglas Duncan, economista-chefe da gigante das financiadoras de hipotecas Fannie Mae, que espera uma recessão no próximo ano. “Percebemos isso na diminuição das vendas no varejo e no aumento do uso de cartão de crédito. No entanto, não esperamos que as coisas desmoronem imediatamente. Será uma recessão mais lenta.”

De fato, pequenas empresas em todo os EUA estão relatando pequenos sinais de recuo nos gastos de clientes. A Morehead Pools, loja especializada em piscinas de quintal de luxo na Louisiana, tem reservas de instalação até agosto, de acordo com o CEO Michael Moore. Mas em um sinal de que os consumidores com renda mais alta talvez estejam pensando duas vezes antes de gastar, as consultas para novos serviços caíram 30% até o momento este ano.

“Depois de você começar a pagar mais de US$ 4 [por galão de gasolina], todo mundo sente isso ao abastecer e eles não estão ganhando o suficiente para dar conta disso”, disse Moore em uma reunião com analistas organizada pelo banco Jefferies esta semana. “O custo da energia e da inflação e, em seguida, o valor do dinheiro… isso realmente vai fazer recuar a demanda em nosso setor.”

A Noffke Roofing em Mequon, Wisconsin, viu uma demanda insaciável durante a pandemia por seus serviços. Mas nos últimos tempos, as oscilações na economia estão levando muitos clientes a consertar seus telhados em vez de substituí-los completamente. Muitos também estão fazendo trocas com materiais mais baratos, como telhas asfálticas em vez das de cedro.

“Sem dúvidas estamos começando a ver uma hesitação”, disse o presidente Ben Noffke. “Os clientes estão dizendo ‘Sei que é hora de comprar um novo telhado, mas será que podemos aguentar um pouco mais com este?’ Eles estão refletindo muito mais em relação aos seus orçamentos.”

Tradução: Romina Cácia

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