- O auditor fiscal Jair Rosa localiza ganhadores de prêmios superiores a R$ 100 mil da Nota Fiscal Paulista, mas que estão com cadastros desatualizados
- A empreitada começou no fim de janeiro. De lá para cá, o auditor já identificou 36 destes sorteados
- Atualmente, pelo menos R$ 3,2 milhões ainda precisam ser distribuídos, referentes a 16 prêmios
“Olá, boa tarde. Estou entrando em contato para avisar que você ganhou um prêmio significativo no sorteio da Nota Fiscal Paulista.” Parece bom demais para ser verdade, mas, se você receber uma mensagem como essa nos próximos dias, não ignore. Pode ser o senhor Jair Rosa, auditor fiscal da Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo, tentando te entregar o prêmio do sorteio da Nota Fiscal Paulista (NFP).
Em novembro de 2022, o auditor decidiu realizar uma tarefa “simples”, mas que em 15 anos de existência do sorteio ninguém tinha se prontificado a fazer: localizar os ganhadores de prêmios superiores a R$ 100 mil em todo o Estado de São Paulo, cujos dados estão desatualizados no site da NFP.
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A autorização para a empreitada, entretanto, ocorreu apenas no final de janeiro deste ano. De lá para cá, o auditor já identificou 36 destes sorteados, mas há muito mais trabalho pela frente. Atualmente, pelo menos R$ 3,2 milhões ainda precisam ser distribuídos referentes a 16 prêmios, e esse número pode aumentar.
Mensalmente, a NFP sorteia 600 prêmios em dinheiro a consumidores cadastrados no site do programa que fizeram compras de no mínimo R$ 100 e solicitaram a nota fiscal da transação, com a inclusão do CPF. Deste total, 585 prêmios são de valores entre R$ 1 mil e R$ 50 mil, 10 prêmios chegam a R$ 100 mil, 4 prêmios são de R$ 500 mil e 1 possui montante de R$ 1 milhão.
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Os prêmios de até R$ 50 mil são automaticamente transferidos para a conta do sorteado no site da NFP, para serem enviados posteriormente para uma conta bancária pessoal. Já os créditos entre R$ 100 mil e R$ 1 milhão precisam de confirmação da identidade do ganhador antes da transferência. Nesta etapa o problema aparece, já que frequentemente informações como telefone, e-mail e endereço estão desatualizadas.
No procedimento comum, os ganhadores de grandes cifras poderiam nunca saber sobre os prêmios. “Esses contemplados entram em uma segunda listagem, de pessoas não encontradas porque os dados do cadastro estão todos furados”, afirmou Rosa, em entrevista ao E-Investidor. “E eu olhava essa lista, que eu chamo de ‘lista de represados’, e pensava que precisava fazer alguma coisa, ficava indignado. Até porque o consumidor fez a parte dele, agora é a nossa vez.”
Para localizar os sorteados, Rosa tem que fazer um verdadeiro trabalho investigativo. Isso inclui pesquisar se o indivíduo tem participação em empresas, se está vinculado a algum cadastro de Imposto Sobre Propriedade de Veículo Automotor (IPVA) ou declarações de Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) e até mesmo procurar no Serviço Federal de Processamento de Dados (SERPRO). “A partir daí, eu tenho dados para contato, endereço, telefone e tudo mais”, afirma Rosa. “Mas essa não é a parte mais difícil do trabalho.”
Sorte não aceita desaforo
De acordo com o auditor, a parte mais difícil de toda a complexa busca está em fazer com que os ganhadores acreditem na informação. “As pessoas acham que é golpe, pensam que jamais o Estado entraria em contato para informar de um prêmio”, afirma o auditor.
Depois de localizado o ganhador, Rosa manda uma carta de aviso, com todas as informações pertinentes. Ou seja, o número do sorteio em que aquela pessoa foi contemplada, o endereço do site onde é possível confirmar a informação e ainda alerta sobre a necessidade de ir pessoalmente a um posto fiscal do Estado de São Paulo para reivindicar o dinheiro.
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Ele também tenta fazer ligações e mandar mensagens via WhatsApp. No final de todas as comunicações, deixa a frase:
“Se você achar que isso é um trote, desconsidere esse aviso, perca o prêmio e nunca mais lamente que a sorte não está a seu favor.”
Segundo Rosa, a mensagem foi incluída nas comunicações justamente para impactar os ganhadores. “E mesmo assim, por vezes, não conseguimos convencer as pessoas”, diz o auditor. “Geralmente quando eu ligo, assim que começo a falar, a pessoa já desliga.”
O prazo para reivindicar o dinheiro ganho nos sorteios chega a cinco anos para aqueles que ainda não tiveram os valores creditados na conta do NFP. Os ganhadores que já foram contatados, identificados e tiveram o dinheiro transferido para a conta da Nota Fiscal têm um ano para sacar o prêmio. “Os sorteados que identifiquei foram contemplados em 2019”, ressalta Rosa.
Assim como o dinheiro, a sorte também não leva desaforo. Por isso, caso você já tenha um cadastro no site da NFP, verifique se seus dados estão atualizados. Se as informações estiveram incorretas, faça a atualização.
Simples felicidade
Quem conversa durante cinco minutos com Rosa, de 60 anos, percebe a paixão dele pelo trabalho realizado na Sefaz. Por várias vezes, durante a entrevista, a voz do auditor ficou embargada após contar os casos que tocaram ele durante os mais de quatro meses de buscas.
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Um deles foi de uma mulher de cerca de 50 anos que havia sido sorteada para a premiação de R$ 100 mil. Rosa tentou contato com essa ganhadora inicialmente por ligação, a senhora atendeu, mas não demonstrou ter acreditado nas palavras do auditor.
“Eu estava de home office e cheguei a comentar com a minha esposa: acho que essa senhora não entendeu o que eu disse”, conta Rosa, que não se deu por vencido e mandou mensagem no aplicativo WhatsApp, depois ligou novamente. “Na terceira tentativa, ela me pediu para doar esse dinheiro para outra pessoa que precisasse mais. Eu respondi que não, que ela que tinha ganhado, que o prêmio era dela, jamais entregaria a outra pessoa.”
Cerca de dez dias depois, orientada pela filha, a senhora decidiu verificar se tinha ganho o prêmio realmente. Foi ao posto fiscal do Butantã, na Capital paulista, se identificar e, ao constatar que Rosa estava falando a verdade, ficou em prantos.
“Os atendentes comentaram comigo que ficaram com medo de ela passar mal”, afirma o auditor. “Então, ela me ligou, pediu desculpas e me mandou uma cartinha. Disse que eu seria responsável por formar um advogado e uma produtora cultural e que a situação financeira dela estava tão delicada que foi como o dinheiro tivesse caído do céu.”
Outro caso ocorreu uma senhora que morava na região de Marília. Quando Rosa ligou para avisar do prêmio de R$ 100 mil, a ganhadora pediu que o auditor falasse com o filho dela. Ambos ficaram ouvindo a ligação e, orientados por Rosa, entraram no site da NFP e comprovaram a informação.
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“Eles começaram em um choro tão grande que eu ouvia ao fundo da ligação algumas crianças perguntando o que aconteceu com a avó deles”, afirma Rosa. “Em certo momento, alguém que estava na casa disse: crianças, ela ganhou muito dinheiro.”
Emocionado, Rosa fala da lição que aprendeu durante esses meses. “A diferença que esse dinheiro faz na vida das pessoas paga qualquer coisa. Por isso que digo que o sorteado sou eu, não eles”, afirma. “Estou em estado de graça.”
Auditor fiscal há nove anos, Rosa ainda está incrédulo com a repercussão que o seu “simples ato” tomou na imprensa. Para ele, não se trata de nada extraordinário. “O trabalho, na minha ótica, é simples. Só precisava que alguém o fizesse”, afirma.
Ganhei, e agora?
Se você recebeu uma ligação de Rosa ou constatou que ganhou algum dos prêmios da Nota Fiscal Paulista, uma boa opção está em traçar uma estratégia antes de gastar o dinheiro. Carlos Junior, analista chefe de fundos imobiliários, recomenda o pagamento das dívidas em primeiro lugar.
“Muito importante investir na quitação das dívidas, porque dificilmente os juros ganhos no mercado financeiro serão superiores aos juros dessas dívidas”, afirma Junior. “Se o ganhador não tiver dívidas, muito importante buscar uma renda fixa com liquidez. A melhor opção que temos no mercado é o Tesouro Selic, assim ele não terá risco de perder o dinheiro enquanto estuda outras opções para diversificar a carteira.”
O pior erro que o ganhador pode cometer, segundo Junior, é torrar o prêmio “Você deve separar qual capital vai para diversão, o que vai ser investimento em educação ou reforma da casa e o que vai para investimentos. O sorteado precisa pensar bem.”
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Nayra Sombra, sócia da HCI Invest e planejadora financeira CFP® pela Planejar, recomenda para os perfis mais conservadores o investimento em produtos de renda fixa, como Certificados de Depósitos Bancários (CDBs), Letras de Crédito do Agronegócio e Imobiliário (LCAs e LCIs), fundos de renda fixa ou títulos públicos.
“Para um perfil moderado, podemos incluir os Fundos Multimercados com diferentes estratégias e posicionamentos. Já os mais experientes, que gostam de arriscar um pouco mais, têm a possibilidade de contar comi ações, fundos Imobiliários, fundos alternativos e internacionais”, afirma Sombra.
Ricardo Brasil, fundador da Gava Investimentos e pós-graduado em análise financeira, também afirma que ativos pós-fixados atrelados ao CDI, que está em 13,65% ao ano, são ótimas opções. “Se o ganhador quiser investir em Bolsa, pode começar com uma parcela bem pequena do capital, mas a renda variável não é para qualquer perfil”, diz.
Para Brasil, o pior erro que esse ganhador pode cometer é investir o dinheiro em Certificados de Operações Estruturadas (COEs) ou em fundos de previdência privada, que teriam muitas taxas embutidas em suas estruturas. O especialista também não recomenda o investimento em fundos de renda fixa, que não têm proteção do Fundo Garantidor de Crédito (FGC). “Vale mais a pena colocar direto na renda fixa via títulos do governo ou CDBs”, diz.
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