Comportamento

As cicatrizes que a crise deixou no mercado imobiliário dos EUA

Credores impõem rígidas condições às linhas de crédito de capital próprio que usam imóveis como garantia

As cicatrizes que a crise deixou no mercado imobiliário dos EUA
Foto: TIMOTHY A. CLARY / AFP
  • “Muitos bancos ainda estão apreensivos com os riscos de conceder linhas de crédito de capital próprio com imóveis como garantia”, afirmou Keith Gumbinger, vice-presidente de uma empresa de consultoria em financiamento imobiliário
  • Uma Heloc funciona como um cartão de crédito que tem uma propriedade do cliente como garantia. Faz sentido para pessoas que querem ter a possibilidade de usar uma reserva de crédito conforme a necessidade, em vez de receber de uma só vez o montante total do empréstimo
  • A pegadinha é que, para os bancos, uma Heloc é mais arriscada do que outras formas de empréstimos, porque se trata de uma segunda hipoteca

(Max Reyes/WP Bloomberg) –  Assustados com a então nascente pandemia, proprietários de imóveis nos EUA se apressaram no segundo trimestre do ano passado para captar dinheiro rápido com suas propriedades – e os bancos, igualmente apreensivos, em resposta restringiram o crédito e pararam de emprestar.

No ano que se seguiu, uma demanda monstruosa por residências em meio a uma escassez de oferta elevou os preços dos imóveis a um ponto em que proprietários passaram a controlar coletivamente um valor nunca antes alcançado: US$ 8,1 trilhões, de acordo com a provedora de dados Black Knight Inc.

Mas apesar do próspero mercado imobiliário e da recuperação econômica, os credores ainda estão impondo rígidas condições às linhas de crédito de capital próprio, ou Helocs, que usam imóveis como garantias, uma das principais maneiras que tomadores de dinheiro emprestado têm de transformar valores guardados em imóveis em dinheiro vivo. Atribua isso às lições aprendidas da última quebra do setor imobiliário e a outras opções para proprietários de imóveis que podem ser menos custosas, dadas as historicamente baixas taxas de juro das hipotecas.

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“Muitos bancos ainda estão apreensivos com os riscos de conceder linhas de crédito de capital próprio com imóveis como garantia”, afirmou Keith Gumbinger, vice-presidente de uma empresa de consultoria em financiamento imobiliário, HSH.com. “Tanto para os bancos quanto para quem toma dinheiro emprestado, refinanciamentos para obter liquidez podem ser uma alternativa muito viável para se beneficiar do crescente valor de suas propriedades.”

A demanda por Helocs despencou desde o início da pandemia, com os volumes aplicados no mês passado totalizando cerca de metade do que em março de 2020, quando os proprietários de imóveis corriam para obter linhas de crédito, de acordo com dados da Informa Financial Intelligence.

Uma Heloc funciona como um cartão de crédito que tem uma propriedade do cliente como garantia. Faz sentido para pessoas que querem ter a possibilidade de usar uma reserva de crédito conforme a necessidade, em vez de receber de uma só vez o montante total do empréstimo, como em um refinanciamento de hipoteca ou outros tipos de empréstimos. Isso motivou os proprietários a acessar as Helocs para ter um cobertor financeiro enquanto o coronavírus devastava os EUA.

A pegadinha é que, para os bancos, uma Heloc é mais arriscada do que outras formas de empréstimos, porque se trata de uma segunda hipoteca – o que significa que seria paga após as obrigações da primeira, criando a possibilidade de perdas se algo der errado.

“Muitos credores, mesmo antes da pandemia, estavam relutantes em se colocar nessa posição se segunda hipoteca”, afirmou Tendayi Kapfidze, economista chefe da plataforma on-line de empréstimos LendingTree. “E depois, certamente, quando a pandemia se abateu, isso se tornou um fator de risco significativamente alto, a que muitos credores preferem não se expor.”

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Essa inquietação ocorre desde a crise financeira, quando quedas acentuadas no valor de imóveis castigaram os bancos com perdas de bilhões em segundas hipotecas. Reformas introduzidas depois da quebra garantem que as condições sejam mais estritas do que naquela época, com proprietários enfrentando limites mais rígidos a respeito da quantia em dinheiro que podem tomar emprestado em relação ao valor de seus imóveis, por exemplo.

Mesmo assim, alguns dos maiores credores optaram por se afastar do mercado de Helocs na recente primavera em vez de se arriscar a sentir na pele se a potencial redução na economia causada pela pandemia levaria a perdas similares.

Em sua maior parte, essa redução ainda não se reverteu. O JPMorgan Chase não está aceitando pedidos de Helocs, de acordo com seu website. O Wells Fargo parou de aceitar depois de abril de 2020 e não mudou o curso desde então, afirmou a firma em um comunicado por e-mail, sem especificar por que a suspensão continua a vigorar.

Uma exceção é o Bank of America, que aplicou exigências mais rigorosas para conceder Helocs no ano passado mas já retornou às diretrizes anteriores à pandemia. O interesse dos clientes nas linhas de crédito tem aumentado, enquanto o país reabre e a confiança do consumidor aumenta, afirmou um porta-voz do banco.

Os proprietários de imóveis não estão exatamente desesperados para acessar Helocs. Eles têm preferido refinanciamentos de maior liquidez, em que conseguem uma injeção maior de fundos – para pagar contas, financiar projetos de reforma em residências e coisas do tipo – quando substituem a hipoteca antiga por uma nova, com base no valor aumentado de seus imóveis.

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Por causa do risco adicional, credores tendem a cobrar mais pelos juros das Helocs. A taxa média das Helocs é 4,11%, em comparação a 3,18% das taxas fixas de hipotecas de 30 anos, mostram dados do Bankrate.com. Mesmo se um credor vincular um quarto de ponto porcentual a um refinanciamento, a taxa ainda será significativamente baixa, tornando-o atraente para muitos tomadores de dinheiro emprestado, de acordo com Greg McBride, analista chefe de finanças da firma.

Enquanto muito dos maiores bancos se mantêm afastados das Helocs, credores menores ainda estão ativos no mercado. O M&T Bank aumentou as exigências para as linhas de crédito mas continua a emiti-las, afirmou Joe Lombardo, diretor de produtos ao consumidor do M&T.

Com taxas de hipoteca baixas a ponto de bater recorde, refinanciamentos de hipotecas estão “estão tomando conta de grande parte da demanda por consolidação de dívidas e reformas residenciais que veríamos normalmente no mercado imobiliário”, afirmou Lombardo, cuja firma foi a 13.ª a conceder mais Helocs nos EUA no ano passado.

“Os credores maiores ainda estão observando o mercado à distância”, afirmou ele, “porque não existe uma grande necessidade, do ponto de vista do consumidor, para que eles retornem.”/Tradução de Augusto Calil

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