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Comportamento

Draft da NFL: lições de economia no recrutamento de jogadores do futebol americano

Evento ajuda a compreender noções de livre mercado e diversificação de riscos

Draft da NFL: lições de economia no recrutamento de jogadores do futebol americano
O quarterback Tom Brady, hexacampeão da NFL com o New England Patriots, foi apenas o sétimo a ser escolhido na sua posição (Foto: Mike Segar/Reuters)
  • Recrutamento de jogadores para a liga esportiva profissional de futebol americano dos Estados Unidos começa nesta quinta-feira (23)
  • Devido à pandemia do coronavírus, a edição 2020 será realizada por videoconferência
  • É possível tirar lições de economia desse recrutamento de atletas, principalmente como funciona o livre mercado, a diversificação de riscos e a gestão de ativos

(Murilo Basso, especial para o E-Investidor) – O Draft da National Football League (NFL), o recrutamento de jogadores para a liga esportiva profissional de futebol americano dos Estados Unidos, começa nesta quinta-feira (23) e será o mais inusitado dos últimos anos. Devido à pandemia do coronavírus, a edição 2020 será realizada por videoconferência. O evento anual, que é momento mais aguardado da intertemporada do esporte, costuma ser presencial e ter ingressos disputadíssimos pelos fãs. Não desta vez.

Além das escolhas que serão feitas à distância pelas 32 franquias da NFL, por meio de seus treinadores e general managers, os novos atletas, originários do futebol americano universitário, poderão se deparar com uma nova ordem financeira na liga. Afinal, em um país movido pelo livre mercado, em momentos de crise tudo se ajusta conforme o ritmo da economia – até o esporte.

Lição básica de economia no Draft

Por isso, é possível tirar lições de economia desse recrutamento de atletas. Para entender, temos de começar do princípio. De forma resumida, o Draft tem sete rodadas, divididas em três dias e com 253 escolhas no total. Cada time tem, teoricamente, uma escolha (pick) por rodada. Há exceções, contudo. Em caso de punição disciplinar imposta pela NFL, a equipe terá menos escolhas. Ainda, é possível negociar escolhas diretamente com outros times – uma equipe pode “trocar” escolhas com outra franquia. Esses acordos podem ser feitos antes ou até mesmo durante o Draft. Podem se declarar para o recrutamento jovens jogadores que tenham passado, ao menos, três anos na modalidade universitária do esporte.

A origem do evento remonta ao ano de 1936 e tem uma raiz bastante democrática. A ideia partiu de Bert Bell, então dono do Philadelphia Eagles, que com o Draft pretendia que a liga fosse o mais equilibrada e competitiva possível, evitando o monopólio das franquias com maior poder financeiro – que, logicamente, atraíram os melhores jovens jogadores com desejo de se profissionalizar. E justamente para manter esse equilíbrio é que a ordem das escolhas é inversa ao que seria considerado lógico: os times com as piores campanhas na temporada anterior podem fazer suas picks primeiro – em 2020, essa equipe será o Cincinnati Bengals.

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Pode-se perceber, portanto, que compreender a estrutura e funcionamento do Draft da NFL contribui para conhecer melhor um esporte que movimenta bilhões todos os anos e atrai cada vez mais fãs brasileiros. Mais do que isso, contudo, o recrutamento de jogadores para o futebol americano profissional nos EUA pode ser usado como exemplo para entender diversos conceitos de economia.

Equilíbrio financeiro

A lógica da igualdade de oportunidades para as equipes é reforçada na NFL com um teto salarial, o chamado salary cap, limite de gastos anuais que os times podem ter com salários dos jogadores. Para este ano, o teto é de US$ 198,2 milhões por equipe.

O economista Vitor Luis Camargo, criador do portal especializado em esportes americanos TM Warning e autor do livro Era de Gigantes: a história do basquete profissional norte-americano no século XX (a NBA também segue a lógica do Draft e do salary cap), explica que o mecanismo busca eliminar a disparidade entre as equipes em termos de situação financeira, relacionada, entre outras coisas, ao tamanho dos mercados em que operam; um time da Califórnia inevitavelmente iria faturar muito mais do que um do Meio-Oeste, por exemplo.

“O salary cap entra para tentar eliminar a relação entre dinheiro e desempenho, colocando todas as equipes em um mesmo patamar de gastos para garantir que os times mais ricos não sejam beneficiados e que os mais ‘pobres’ sejam prejudicados. E a NFL leva esse equilíbrio um passo à frente, pois além do salary cap ela possui um sistema de divisão de receitas que garante que todos os times recebam uma parcela equivalente dos lucros da liga, o que significa que as equipes recebem da própria NFL dinheiro suficiente para pagar suas contas. Assim, a intenção por trás desses instrumentos é garantir que haja paridade entre as equipes”, afirma.

Camargo complementa que as táticas para a manutenção da igualdade entre os times usadas pela NFL se aproximam de noções social-democráticas, por garantir acesso às mesmas oportunidades aos agentes, que terão retorno proporcional aos seus méritos e contribuições. “Essa é a ideia por trás da social-democracia: que o Estado – no caso, o escritório da NFL – tome atitudes para garantir que todos os agentes tenham condições e oportunidades iguais para que esse mecanismo meritocrático da economia funcione corretamente, recompensando os melhores em vez de gerar mais disparidade e
concentração de renda”, opina.

Oferta e procura

O evento, entretanto, não é o único caminho para ingressar em uma equipe da NFL. Tanto os atletas iniciantes (que não são selecionados no Draft) quanto veteranos cujo contrato com uma equipe já tenha vencido podem atuar como free agents (agentes livres) e fechar acordos de forma livre e direta com uma franquia; pode-se dizer que a negociação como free agent se aproxima muito mais de uma lógica de livre mercado do que ocorre no recrutamento tradicional.

Os salários dos atletas selecionados por meio do Draft são tabelados conforme a rodada em que foram escolhidos no recrutamento – jogadores selecionados na primeira rodada terão remuneração maior do que os selecionados na segunda, por exemplo. O que ocorre é um “congelamento de preços”, que busca manter os salários dos jogadores artificialmente baixos, indo ao encontro do próprio motivo de criação do Draft. Já quando se fecha contrato como agente livre, o jogador pode negociar seu salário com base em méritos e desempenho, desde que a equipe respeite o salary cap.

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Aqui, tem-se como exemplo Joe Burrow, quarterback da Universidade do Estado da Louisiana (LSU, na sigla em inglês) e provável primeira escolha no Draft de 2020. Caso realmente seja selecionado na primeira posição, ele será o jogador mais bem pago do recrutamento deste ano e deve fechar contrato com duração aproximada de quatro anos e valor de cerca de US$ 35 milhões. Um jogador da mesma posição, contudo, já com a carreira consolidada, caso negociasse como free agent, poderia fechar um acordo na casa dos US$ 100 milhões.

Diversificação de riscos e gestão de ativos

No Draft, os gestores das equipes também precisam lidar com a diversificação de riscos. Quando recursos são investidos, pode-se colocar “todos os ovos em uma cesta só” ou dividi-los em diversas cestas. Se a única cesta cai ou é roubada, tudo foi para o ralo. Agora, se acontece o mesmo com apenas uma de diversas cestas, o prejuízo é menor. Em relação ao recrutamento dos jogadores da NFL, Vitor Luis Camargo explica que há algumas maneiras de se lidar com a diversificação de riscos. Ele explica que há certas posições de jogo que são mais “seguras” de escolher: um offensive tackle “draftado” na primeira rodada tem mais chances de corresponder ao valor esperado para a pick do que um running back. Dessa forma, ao usar as escolhas mais altas para offensive tackles e as mais baixas para running backs, os ativos são alocados com menor probabilidade de resultados indesejados.

“Mas a verdade é que o Draft é uma grande loteria e, no fundo, todos os jogadores selecionados têm uma grande quantidade de risco envolvida. Times inteligentes são os que trocam suas escolhas para acumular um número ainda maior de picks de Draft, aumentando, assim, o número de jogadores selecionados e, consequentemente, suas chances de acertar na loteria”, diz.

“O hexacampeão New England Patriots não escolhe melhor no Draft do que qualquer outro time, não é melhor do que ninguém em achar bons jogadores, mas a equipe está constantemente realizando trocas nos Drafts para descer de posição e acumular seleções extras no processo. O time acaba tendo mais chances de conseguir esses bons jogadores simplesmente pela ‘lei dos números grandes’. No Draft da NFL, acaba que a melhor estratégia é simples: conseguir o máximo possível de escolhas, e jogar o máximo possível de vezes nessa loteria”, esclarece.

Gestão de ativos

Nesse sentido, os melhores times da liga acabam sendo aqueles que entendem que há diversas formas de maximizar seus ativos, seja trocando-os por mais ativos (que podem ser múltiplas escolhas) ou levando em conta, na tomada de decisões, conceitos como “valor relativo”, “oferta e demanda” e “força de negociação”. Afinal, cada equipe começa com um determinado número fixo de escolhas e tem a chance de transformar um ativo (a pick) em outro (o jogador).

Quem sai ganhando, no fim das contas, são os gestores que não se deixam cegar pela “miopia econômica” – visão limitada em termos de horizonte de tempo, não valorizando de forma adequada o médio e o longo prazo – e conseguem agregar mais valor a esse processo.

Nem sempre o mais caro é o melhor

Outra lição que o Draft deixa é que nem sempre as primeiras escolhas, as mais caras, são as melhores. Há jogadores que superam, e muito, seu valor da noite do Draft, e há aqueles que decepcionam. Enquanto os primeiros são chamados de steals, os segundos são os busts.

Considerado por muitos o maior quarterback da história, seis vezes campeão do Super Bowl com o New England Patriots, Tom Brady foi apenas o sétimo de sua posição selecionado no Draft de 2000, na sexta rodada. Administrador do perfil @oQuarterback,Felipe Laurence também cita o wide receiver Adam Thielen como exemplo recente de uma steal.

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“Esnobado no Draft de 2013 por ter feito carreira universitária em uma faculdade minúscula [Universidade do Estado de Minnesota em Mankato], Adam fechou contrato como free agent e vem se destacando nos últimos anos como um dos principais wide receivers do Minnesota Vikings. Em 2018, ultrapassou a marca de mil jardas de recepção e conseguiu igualar o recorde de mais jogos consecutivos com pelo menos 100 jardas de recepção”, diz.

Comentarista dos canais ESPN, Paulo Antunes cita os quarterbacks Dak Prescott (Dallas Cowboys) e Russell Wilson (Seattle Seahawks) como escolhas de valor: “a posição de quarterback é uma das mais complicadas após os rounds iniciais do Draft, e Dak, por muito tempo, teve um contrato minúsculo com rendimento de veterano, mesmo sendo escolhido apenas na quarta rodada. Russell Wilson já venceu um Super Bowl e foi selecionado na terceira rodada em 2012”, diz.

Do outro lado da moeda, como bust, Felipe Laurence lembra do quarterback Marcus Mariota, eleito o melhor jogador universitário de 2014 e um dos principais nomes do Draft de 2015, quando foi escolhido pelo Tennessee Titans. Em 2019, perdeu sua titularidade e hoje assinou um contrato para ser reserva do Las Vegas Raiders, sediado em Oakland até a última temporada.

Laurence também cita o running back Leonard Fournette, selecionado na quarta posição geral em 2017, na mesma categoria. “A posição é uma das mais desvalorizadas na NFL atualmente, com muitos times substituindo jogadores sem uma queda expressiva de produção. A escolha de Leonard pelo Jacksonville Jaguars é um exemplo disso, um jogador nunca alcançou seu potencial”, avalia. Antunes, porém, discorda: “Fournette jogou bem em 2017 e ainda é novo. Rendeu o que esperávamos? Não, mas não considero o jogador um fracasso”, conclui.

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