- O escândalo financeiro que atinge Sun e milhares de outros em todo o país pode representar um teste importante para o Partido Comunista
- Para os chineses, o escândalo revelou o quanto seu dinheiro pode estar vulnerável
- A gravidade do problema ficou clara nos protestos excepcionalmente grandes
(Vivian Wang e Zixu Wang, do New York Times) – A oportunidade de economizar com o banco rural na China central parecia, para Sun Song, empresário, 26 anos, uma ótima ideia. Ele vincularia a sua atual conta corrente a um grande e respeitável banco estatal. O banco rural também estava oferecendo taxas de juros altas, fazendo com que a instituição parecesse o lugar ideal para depositar seus cerca de US$ 600 mil em economias.
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Então o banco congelou abruptamente sua conta este ano e as autoridades disseram que estavam investigando possíveis fraudes. “Tenho que pagar as faturas do cartão de crédito e as parcelas do financiamento do meu carro”, disse ele. “Tenho dois filhos. Estão todos à espera.”
O escândalo financeiro que atinge Sun e milhares de outros em todo o país asiático pode representar um teste importante para o Partido Comunista, que valoriza a estabilidade e sua capacidade de controlar quaisquer ameaças contra ele. Embora a quantidade de dinheiro em risco seja pequena em relação à economia da China, ela afeta a promessa central do partido de um futuro melhor para a população.
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Para os chineses, o escândalo revelou o quanto seu dinheiro pode estar vulnerável, mesmo em uma transação aparentemente tão rotineira quanto depositá-lo em uma conta poupança. As questões financeiras são ainda mais delicadas conforme a economia enfraquece, com a China relatando na semana passada sua taxa de crescimento mais lenta desde o início da pandemia de Covid-19.
Muitos estão irritados com a resposta indiferente, se não completamente hostil, do governo local ao escândalo. A crise envolve cinco credores rurais que, segundo a polícia, podem ter sido controlados por uma gangue criminosa que transferiu fundos ilegalmente para outras contas, um esquema iniciado há uma década.
As autoridades se recusaram a garantir que o dinheiro seria devolvido e sugeriram que alguns dos depositantes estavam envolvidos em fraudes. Quando Sun e centenas de outras pessoas que depositaram seu dinheiro nesses bancos se reuniram este mês para um protesto na província de Henan, onde os bancos rurais em questão estavam localizados em sua maioria, eles foram agredidos fisicamente por um bando de homens enquanto policiais observavam a tudo. Desde então, muitos manifestantes relataram hostilidades por parte da polícia.
“O governo pega o nosso dinheiro e depois nos bate”, disse Sun em uma entrevista por telefone antes de as autoridades aconselharem os depositantes a não conversar com a imprensa. “Minha visão de mundo foi destruída.”
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Manter a confiança da população no Partido Comunista é crucial principalmente neste ano, quando há a expectativa de o líder da China, Xi Jinping, aumentar ainda mais seu poder em uma grande reunião política no segundo semestre. Mas o partido já está sendo testado pela desaceleração econômica, provocada, em parte, pela campanha draconiana do governo contra a Covid-19 e uma repressão regulatória ao outrora pujante setor imobiliário. Esse escândalo bancário revelou outros problemas sistêmicos no sistema financeiro chinês, inclusive possível corrupção e supervisão regulatória fraca nos bancos rurais.
“Se eles não podem mais confiar em nenhum dos bancos e já não confiam mais no mercado imobiliário, então o que isso significa para o sentimento de segurança dessas pessoas em relação ao seu sustento?”, disse Zhiwu Chen, professor de finanças da Universidade de Hong Kong. “A extensão dessa ansiedade compartilhada pelas pessoas está aumentando muito depressa. Isso não é bom para a estabilidade social.”
A gravidade do problema ficou clara nos protestos excepcionalmente grandes.
Os depositantes começaram a se queixar em abril, quando os bancos nas províncias de Henan e Anhui congelaram de forma repentina as transações eletrônicas. Os bancos rurais ajudaram a preencher a lacuna nos serviços financeiros nas áreas menos desenvolvidas da China. Eles, porém, também são mais suscetíveis à corrupção, disseram especialistas. Para competir com instituições maiores, alguns também se envolvem em práticas de empréstimo arriscadas demais.
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As autoridades não disseram quanto dinheiro foi congelado, mas os manifestantes dizem que o valor chega a bilhões de yuans. Os bancos atraíram clientes de toda a China – como Sun, que mora em uma cidade do sul do país – por meio de plataformas online de terceiros e ao oferecer taxas de juros extraordinariamente altas.
Conforme as semanas passavam e não se chegava a uma solução, alguns clientes dos bancos começaram a se reunir na capital da província de Henan, Zhengzhou, para uma série de protestos exigindo que os reguladores agissem de forma mais enérgica.
Imediatamente, as autoridades tentaram silenciá-los. Os censores desativaram os grupos de mensagens dos manifestantes. As autoridades locais manipularam os códigos de saúde para celulares dos depositantes – certificados digitais que a China usa para monitorar as infecções pelo coronavírus – para impedi-los de frequentar espaços públicos. Mas depois que a manipulação conquistou a reprovação generalizada, as autoridades locais recuaram e os manifestantes voltaram a se reunir, inclusive em 10 de julho.
Muitos deles apresentaram suas demandas como apelos, ao invés de contestações, à autoridade do Partido Comunista. Alguns tremularam a bandeira chinesa. Outros invocaram o slogan de Xi do “Sonho chinês” ou carregaram um retrato de Mao Zedong. Mesmo assim, eles foram recebidos com ferocidade. Homens à paisana começaram a bater e a chutar os manifestantes.
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Gravações da violência, que foram visualizadas dezenas de milhões de vezes nas redes sociais chinesas, provocaram fúria generalizada. Comentaristas disseram que o governo traiu a confiança dos manifestantes. Os censores bloquearam hashtags em destaque, mas os internautas criaram outras.
Como a indignação não cessou, na semana passada, os reguladores prometeram reembolsar os depositantes – mas apenas aqueles que investiram menos de 50 mil yuans, cerca de US$ 7.500, com informações para os demais a serem anunciadas posteriormente. Eles também disseram que não pagariam ninguém que tivesse usado “outros meios” para conseguir pagamentos de juros mais altos ou aqueles suspeitos de lidar com “fundos ilegais”.
Essas determinações foram, aparentemente, um aceno para a declaração da polícia sobre a suspeita de gangue criminosa. De acordo com a polícia, o esquema da gangue incluía a criação de plataformas online ilegais para conquistar novos clientes.
Huang Lei, advogado na cidade de Hangzhou que já trabalhou em casos de fraude, disse que até mesmo as pessoas que, sem saber, participaram de um esquema ilegal deviam ter direito ao reembolso. Mas ele reconheceu que, na realidade, elas podem não ter muita alternativa.
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“O outro lado está motivado a caracterizar isso como ilegal – eles o descreveram de quatro ou cinco maneiras diferentes – porque não quer assumir a responsabilidade”, disse ele a respeito das autoridades. Mesmo que os depositantes entrassem com um processo pelo reembolso e ganhassem, acrescentou, o banco pode não ter ativos suficientes para pagar a todos, e não está claro se o Estado arcaria com a diferença.
Na verdade, o escândalo provocou questionamentos mais amplos quanto quem é responsável pelo dinheiro perdido, além dos supostos criminosos.
Chen disse que os governos dos condados ou dos vilarejos muitas vezes exercem influência indevida sobre os gerentes de bancos locais, levando-os a realizar empréstimos arriscados ou mesmo fraudulentos.
Antes, as perdas resultantes eram administráveis, porque o governo central estava disposto a socorrer bancos e empresas em dificuldade, disse. Mas, recentemente, o governo sinalizou que esses dias chegaram ao fim, mesmo com a deterioração da economia tendo colocado maior pressão sobre essas mesmas instituições. Como consequência, Chen disse: “Minha expectativa é ver mais bancos rurais tendo que enfrentar o mesmo tipo de problema que os bancos rurais de Henan”.
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Provavelmente existem dívidas acobertadas por toda a esfera financeira da China. O crescimento quase imparável do país nas últimas décadas encorajou o comportamento especulativo para contratação e concessão de empréstimos, de credores online até grandes empresas imobiliárias.
O governo tem tentado minimizar as preocupações com um problema maior. O banco central da China disse na semana passada que 99% dos ativos bancários chineses estavam “dentro do limite seguro”.
De qualquer modo, agora caberá ao governo decidir como lidar tanto com as perdas em Henan como com as que ainda não foram reveladas, disse Michael Pettis, professor de finanças da Universidade de Pequim. As autoridades podem permitir que as instituições declarem default, prejudicando os credores; podem extorquir os trabalhadores; podem imprimir mais dinheiro, levando à inflação. No fim, Pettis disse: “Alguém vai ter que arcar com a perda”.
Para os depositantes de Henan, o medo é que sejam eles.
Wang Xiaoping, 39 anos, funcionária do setor de softwares de Hangzhou, disse ter investido cerca de US$ 95 mil em um dos bancos rurais. Mas tudo o que ela tinha para mostrar era um queixo ferido devido a agressão de um homem vestindo preto no protesto de Zhengzhou. Ela tentou denunciar o ataque à polícia, mas eles disseram para ela ir a outro distrito, afirmou.
“Falei para a polícia que estou disposta a morrer aqui”, disse ela, em uma entrevista em 10 de julho. “Isso é todo o meu patrimônio líquido, é tudo que recebi e juntei, e desapareceu assim, do nada.”
Tradução Romina Cácia