Comportamento

Molly White: conheça uma das maiores críticas de criptos do mundo

A engenheira chama atenção por denunciar diversos casos de conduta ilegal envolvendo as criptomoedas

Molly White: conheça uma das maiores críticas de criptos do mundo
Molly White ficou famosa no meio dos criptoativos por denunciar fraudes e golpes – Representação física da criptomoeda Bitcoin 19/10/2021 REUTERS/Edgar Su
  • Uma engenheira de software, 28 anos, que escreve artigos na Wikipédia por diversão, Molly é uma figura incomum a botar medo na indústria de criptomoedas
  • Conforme mais pessoas começam a questionar a febre das criptomoedas, a notoriedade de Molly cresceu
  • A pesquisa de Molly levou a uma conclusão de que a Web3 estava repleta de uma série de golpes

Gerrit De Vynck, Washington Post – Em um vídeo estranho e com animações no YouTube, a Cryptoland é retratada como a mais recente das utopias, com chalés luxuosos, um cassino e um clube privado, tudo isso em uma ilha intocada em Fiji. Construída por e para entusiastas de criptomoedas, o empreendimento estava em busca de investidores.

Para Molly White, o projeto não era apenas uma fanfarrice constrangedora, era material promocional para mais um possível golpe – e estava de olho no dinheiro de pessoas reais. Vasculhando os documentos da Cryptoland, ela encontrou um plano de negócios repleto de contradições e outros sinais de alerta, como um endereço nas ilhas Seychelles, um paraíso fiscal que já sediou fraudes famosas anteriormente.

Molly analisou o projeto em um fio improvisado no Twitter, que se tornou viral, dando início a uma onda de críticas e ridicularização e fazendo surgir vídeos com imitações que alcançaram milhões de visualizações. Atualmente, o site da Cryptoland parece estar inativo e seus apoiadores a abandonaram. Os convites enviados aos seus fundadores para se pronunciar não foram respondidos.

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Uma engenheira de software, 28 anos, que escreve artigos na Wikipédia por diversão, Molly é uma figura incomum a botar medo na indústria de criptomoedas. Em seu site, “Web3 is Going Just Great”, ela documenta os inúmeros casos de conduta ilegal envolvendo criptomoedas: investimentos que acabaram se revelando fraudes, projetos mal administrados que não foram para frente devido à má gestão e truques que acabam com o dinheiro dos apoiadores.

Como grande parte da elite financeira e da de tecnologia deu apoio às criptomoedas, Molly liderou um pequeno, mas incisivo grupo de céticos, fazendo pressão do lado contrário, cujos alertas pareciam justificados pela queda nas últimas semanas dos preços das criptomoedas.

“A maior parte do meu desdém é reservado para os figurões que estão comercializando isso para um público comum como se fosse um investimento, com frequência prometendo ser uma escapatória de uma situação financeira bastante difícil para pessoas que não têm muitas opções”, Molly disse. “É muito ganancioso.”

Para Molly e outros críticos, os fundadores de empresas de criptomoedas e os capitalistas de risco que as apoiam estão liderando uma tentativa enorme e não regulamentada de acabar com o dinheiro de pessoas comuns, ao exagerar no potencial da tecnologia das criptomoedas. A experiência de anos on-line, pesquisando culturas compreendidas por poucos na Internet, fizeram de Molly uma figura rara que pode explorar o mundo tecnicamente complexo e cheio de memes das criptomoedas, traduzindo-o em prosa fácil de se compreender.

Ela trabalha de casa em Massachusetts, a qual compartilha com dois gatos e um cachorro de 31 quilos adotado durante a pandemia. Molly costuma usar peças juvenis como jeans, suéteres e tênis Converse e se comunica com seus colegas céticos sobre criptomoedas por meio do Zoom e por mensagens diretas no Twitter. Ela recusou vários convites para falar em eventos presenciais mencionando conflito de horários.

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Conforme mais pessoas começam a questionar a febre das criptomoedas, a notoriedade de Molly cresceu: os jornalistas ligam para ela para checar as histórias, ela palestrou para estudantes da Universidade Stanford e deu conselhos ao senador democrata Sheldon Whitehouse para uma possível legislação para as criptomoedas.

“No mundo das criptomoedas, muitas coisas não são o que parecem”, disse Ben McKenzie, ator de TV e ex-estrela do seriado “The O.C” que começou a escrever a respeito de criptomoedas durante a pandemia e se tornou outro dos críticos mais conhecidos do setor. “Molly lança luz sobre a escuridão e mostra isso ao mundo.”

Os alvos de Molly dizem que seu tipo de crítica é muito duvidoso, escolhendo a dedo exemplos dramáticos de fracasso para retratar de forma equivocada toda uma indústria que está em sua maior parte repleta de pessoas boas e de boas ideias. Ela, por sua vez, vem passando por uma forma desconfortável de vindicação.

“Eu não era a única cética em relação às criptomoedas na expectativa de que alguns desses projetos fossem por água abaixo, mas isso não torna agradável de se observar [o que acontece]”, disse ela.

O mundo das criptomoedas e seus apoiadores estão seguindo em frente. Megainvestidores, como a empresa de capital de risco Andreessen Horowitz, que ficou famosa anos atrás por seus investimentos iniciais no Facebook, no Skype e no Airbnb, colocaram bilhões de dólares no setor. O debate sobre a quem as criptomoedas servem e quem no fim das contas ganha com elas vencerá está longe de terminar. As críticas de Molly vêm ganhando força, mas o dinheiro e o poder investidos nas criptomoedas também.

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Molly White cresceu na Internet. Quando era pré-adolescente, começou a escrever e a editar páginas da Wikipédia, primeiro das bandas que gostava, e, depois, para documentar mulheres cientistas desconhecidas. Durante o mandato de Trump, os interesses dela passaram a ser os movimentos de direita na Internet e o extremismo no país: ela editou artigos a respeito de ataques brutais online contra mulheres gamers e jornalistas, campanha que ficou conhecida como “GamerGate”, e o movimento de milícia chamado de “boogaloo”. Nos últimos 15 anos, Molly realizou mais de 100 mil edições e atuou no conselho de arbitragem da Wikipédia, o tribunal que resolve disputas no site.

Por isso, quando a expressão Web3, um termo genérico para organizações e empresas construídas em torno da tecnologia das criptomoedas, surgiu do nada nas redes sociais em 2021, Molly começou a escrever um artigo na Wikipédia a respeito do tema.

A tarefa se mostrou mais difícil do que ela imaginara. “Continuei vendo a palavra por todos os lados, mas ninguém dizia o que significava”, disse Molly, referindo-se à Web3. Firmas de capital de risco bilionárias estavam investindo dinheiro em empresas de criptomoedas, startups de blockchain estavam comprando anúncios no Super Bowl e figuras conhecidas do setor de tecnologia, como o CEO da Tesla, Elon Musk, e o cofundador do Twitter, Jack Dorsey, estavam promovendo de forma exagerada várias criptomoedas.

No entanto, a pesquisa de Molly continuava levando a uma conclusão: a Web3 estava repleta de uma série de golpes, fracassos e fraudes destinadas a separar as pessoas comuns de seu dinheiro.

A experiência a motivou a redobrar esforços com as publicações em seu blog e em suas redes sociais, nos quais ela passa várias horas por dia, mesmo quando trabalhava como engenheira de software em tempo integral. (Molly pediu demissão em meados de maio, mas planeja voltar a trabalhar em tempo integral em breve.)

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Ela publica textos no site com frequência, muitas vezes escrevendo vários deles curtos por dia. Eles são escritos em um estilo impassível e direto, com alguns toques sarcásticos: as hashtags que categorizam cada postagem incluem “#badidea” (péssima ideia), “#hmm” (hum) e “#yikes” (caramba).

O cabeçalho do site mostra uma imagem da Terra em chamas com um “Bored Ape” chorando – um avatar bastante conhecido entre os fãs de criptomoedas – e encarando o horizonte. No canto inferior direito há um ícone que exibe a quantia de dinheiro perdido nos golpes e truques que ela documentou. Em meados de maio, ela estava próxima de US$ 10 bilhões.

Molly disse que é cética em relação à indústria há anos, mas não dava muita atenção a ela porque a maioria das pessoas que perdiam dinheiro para truques e golpes eram experientes em tecnologia e ricas. Isso mudou.

“As pessoas estão investindo dinheiro que não podem se dar ao luxo de perder”, disse Molly. “Elas acreditavam que este poderia ser o jeito de sair da pobreza ou que poderiam finalmente parar de trabalhar naquele emprego que paga apenas um salário mínimo, e, em seguida, todas as suas economias vão pelo ralo.”

Essa realidade se agravou ainda mais quando o valor total das criptomoedas acompanhadas pela empresa de dados de moedas digitais CoinGecko caiu de sua alta em novembro de quase US$ 3 trilhões para cerca de US$ 1,3 trilhão. Os fóruns sobre criptomoedas no Reddit estão repletos de relatos de pessoas que perderam suas economias depois de investirem nos ativos digitais e em projetos famosos.

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Muitas dos textos no site de Molly focam em projetos que têm como alvo investidores da classe média que procuram uma maneira para fazer negócios e conseguir um novo nível de liberdade financeira. Em posts mais longos, ela esclarece as estruturas diabolicamente complicadas que sustentam a maioria das organizações e iniciativas das criptomoedas, como a Axie Infinity, empresa que permitiu que as pessoas, muitas nas Filipinas, ganhassem dinheiro jogando um videogame baseado em criptomoedas.

Foram escritas matérias enaltecendo a empresa como uma forma de as pessoas pedirem demissão e ganharem dinheiro. Depois, a empresa foi hackeada e milhares de pessoas perderam conjuntamente cerca de US$ 620 milhões. “Estamos vendo cada vez mais incidentes como este, em que não é apenas alguém perdendo algum dinheiro extra que decidiu arriscar, mas pessoas perdendo o dinheiro de que precisam para viver”, escreveu Molly na época.

Outros céticos em relação às criptomoedas fizeram críticas profundas e perspicazes sobre o setor. Moxie Marlinspike, fundador do aplicativo de mensagens Signal, escreveu um ensaio de quatro mil palavras em janeiro expondo suas preocupações com a Web3. Um vídeo de duas horas e 18 minutos do YouTuber Dan Olson a respeito dos problemas da arte que tem como base as criptomoedas se tornou viral e alcançou mais de 7 milhões de visualizações.

Mas os breves posts diários de Molly sobre o “desfile de carros com palhaços” das criptomoedas tornaram uma crítica desconfiada da indústria fácil de entender para aqueles que não têm tempo ou capacidade de concentração para um estudo profundo [do tema], disse Andrew Lih, administrador da Wikipédia e escritor de “The Wikipedia Revolution” (A Revolução da Wikipédia, em tradução livre).

Ele conhece Molly desde que ela era uma colaboradora adolescente da Wikipédia. “Isso é o que é tão legal em relação a ela, é como se Molly dissesse ‘Eu não vou martelar sua cabeça com isso. Basta você ler esta esteira transportadora de absurdos e tirar suas próprias conclusões’. E acho que esse tem sido o ponto forte do blog dela”, disse Lih.

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Até a pandemia, as criptomoedas eram uma tecnologia relativamente marginal, com o bitcoin ganhando popularidade no início dos anos 2010 como modo de comprar drogas ilegais em mercados paralelos online, como o Silk Road. A principal inovação das criptomoedas, o blockchain, um registro de transações que pode ser executado sem uma autoridade centralizada, como um banco ou um governo, foi elogiado por libertários, grupos de oposição em países autoritários e defensores da Internet aberta como uma forma de tirar do caminho possíveis intermediários opressores das relações humanas.

A tecnologia não é mais marginal. Os preços das criptomoedas dispararam durante os lockdowns, transformando os primeiros investidores em milionários da noite para o dia e estimulando uma onda de interesse de pessoas preocupadas em deixar passar uma nova ferramenta tentadora para ganhar dinheiro. A ferramenta de negociação de ações Robinhood e as empresas de criptomoedas como a Coinbase desenvolveram aplicativos que tornaram a compra e venda de criptomoedas tão fácil quanto deslizar para a direita ou para a esquerda no Tinder.

As empresas de criptomoedas lançaram enormes campanhas de marketing, gastando milhões em anúncios no Super Bowl e pagando por endossos de celebridades como Matt Damon, Kim Kardashian e Tom Brady. Os Tokens não fungíveis (NFTs), um tipo especial de tecnologia criptográfica que atribui a propriedade de uma imagem, vídeo ou música digital a alguém, ampliou o apelo da indústria ao atrair artistas, profissionais de marketing e músicos. Um artista digital chamado Beeple vendeu um NFT por US$ 69 milhões.

Quase 90% dos americanos já ouviram falar de criptomoedas e 16% dizem que investiram ou usaram alguma delas, de acordo com um estudo do Centro de Pesquisas Pew de novembro de 2021.

Molly e seus colegas céticos dizem que a mídia tradicional lidou mal com o tema, tratando o bitcoin como uma inovação empolgante enquanto minimizava a ideia de que isso poderia ser um esquema de pirâmide gigante. As publicações focadas em criptomoedas tendem a ter vínculos com o setor, enquanto as organizações de notícias financeiras as tratam como uma classe de ativos. “A indústria de criptomoedas se beneficiou da forma como foi tratada pela imprensa”, disse McKenzie. “Você tem que dar um passo para trás muito mais amplo e ficar fora da indústria para ter alguma perspectiva sobre o que pode estar acontecendo dentro dela.”

Atualmente, as linhas de batalha em relação às criptomoedas são claras. Os defensores as veem como uma tecnologia que muda o mundo e que pode ter um impacto tão grande na sociedade quanto a prensa de tipos móveis ou as viagens transatlânticas. Os críticos dizem que esses sonhos utópicos ofuscam uma realidade muito mais sombria.

Apesar do número crescente de seguidores, Molly ainda é um ponto fora da curva entre os investidores e empreendedores ricos e mais poderosos que apostaram tudo em criptomoedas. Ela muitas vezes escuta de pessoas com raiva acusações de ter espalhado “FUD”, sigla em inglês para medo, incerteza e dúvida. Ela foi xingada e ouviu coisas como “divirta-se continuando pobre”.

Molly lida bem com tudo isso. “Ninguém gosta de ler coisas ruins sobre si mesmo, mas também acho que estou na internet há tempo suficiente para perceber que é exatamente isso o que as pessoas fazem, elas são desagradáveis on-line”, disse ela.

E embora não saia por aí dando socos quando ataca capitalistas de risco e pessoas poderosas que promovem investimentos em criptomoedas, ela disse que não adianta intimidar pessoas comuns entusiasmadas com o potencial da tecnologia ou que já perderam dinheiro com isso.

“Algumas pessoas ficam muito felizes ao ver pessoas comuns que investiram em criptomoedas perdendo dinheiro”, disse ela. “Posso entender o ímpeto causado pelo xelim das criptomoedas e pela toxicidade de muitas pessoas na área, mas acho que muitas pessoas também foram convencidas a comprar com base em falsas promessas”.

Tradução de Romina Cácia

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