Comportamento

Preços dos aluguéis saltam até 100% no pós-covid em NY

Alguns nova-iorquinos já deixaram a Big Apple e foram viver com amigos ou familiares

Preços dos aluguéis saltam até 100% no pós-covid em NY
Aluguéis em NY começam a encarecer pós-covid. (Foto: Envato Elements)
  • Cerca de 44% das unidades disponíveis em Manhattan atualmente são de locatários que não puderam continuar nos apartamentos alugados em 2020 e 2021
  • No segundo trimestre deste ano, quase 14 mil apartamentos de Manhattan ficaram disponíveis porque os antigos inquilinos foram mandados embora depois de receberem renovações de contrato com aumentos significativos
  • O Rent Guidelines Board aprovou um aumento de 3,25% para os contratos de um ano e 5% para contratos de aluguel de dois anos, o maior aumento em quase uma década

(Ronda Kaysen, do New York Times) – No início da pandemia, para se consolar, Cathy Linh Che apelou para as receitas vietnamitas da mãe. Ela conseguia encontrar sem dificuldade todos os ingredientes de que precisava na Chinatown de Manhattan. Mas chegar até lá de metrô, saindo de seu apartamento em Jackson Heights, levava quase uma hora.

Por isso, quando um moderno apartamento de dois quartos, com paredes de tijolinhos e piso de pedra se tornou disponível para aluguel por cerca de US$ 1.700 por mês, na vizinhança do bairro de Two Bridges, ela aproveitou a oportunidade. Cathy, gestora artística, sabia que aquilo era bom demais para ser verdade, mas, segundo ela, o corretor garantiu que um possível aumento no futuro do valor seria de cerca de 8%. Ela deixou para trás o apartamento com aluguel estável.

Então, em maio, o que ela mais temia tornou-se realidade: o proprietário entregou um contrato de renovação com um aumento de 65% no valor do aluguel. “Fiquei com raiva. Eu me senti enganada”, disse ela.

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O que há muito se lamenta – que as pessoas beneficiadas com o chamado “desconto covid” hoje estão pagando o preço por esses acordos – agora está sendo comprovado pelos números.

Cerca de 44% das unidades disponíveis em Manhattan atualmente são de locatários que não puderam continuar nos apartamentos alugados em 2020 e 2021, pois os proprietários pedem quantias enormes por eles, de acordo com um novo relatório da plataforma para busca de imóveis StreetEasy.

No segundo trimestre deste ano, quase 14 mil apartamentos de Manhattan ficaram disponíveis porque os antigos inquilinos foram mandados embora depois de receberem renovações de contrato com aumentos significativos. Em toda a cidade, os números não são tão diferentes, com pelo menos um terço das unidades disponíveis – mais de 22 mil apartamentos – desocupadas por causa do aumento do aluguel, de acordo com o relatório.

O desalojamento de tantos nova-iorquinos ao mesmo tempo está provocando um efeito dominó nos bairros da cidade, levando o mercado de aluguel para fora dos limites do poder aquisitivo.

“Os proprietários estão basicamente tentando recuperar a renda perdida durante a pandemia e estão pedindo aumentos de alugueis de forma intensa nas unidades que foram oferecidas durante esse período”, disse o economista da StreetEasy Kenny Lee.

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Analisando o comportamento dos aluguéis, a StreetEasy descobriu que os valores para os apartamentos listados em 2020 e 2021 aumentaram quatro vezes em relação aos oferecidos em 2018 e 2019. Um inquilino que assinou um contrato de aluguel nos primeiros dois anos da pandemia teria visto o aluguel subir em mais de 20%, enquanto alguém que assinou um contrato inicial antes provavelmente enfrentou um aumento de 4,5%.

As opções não são animadoras para aqueles que não puderam continuar nos apartamentos alugados durante a pandemia, pois eles entram no mercado de aluguel mais competitivo em uma década. A média do aluguel em Manhattan subiu para US$ 4.100 no segundo trimestre, uma alta recorde para a StreetEasy. No Queens, a média dos alugueis pedidos pelos proprietários alcançou um recorde de US$ 2.600 por mês, um salto de 13% em relação ao trimestre anterior, e no Brooklyn, chegou a US$ 3.200, um aumento de 12% em comparação com o primeiro trimestre.

Nova York há muito tempo é uma cidade cara e com aluguéis proibitivos. Mas os defensores da habitação dizem que este mercado é diferente de qualquer outro na memória recente.

Os aluguéis descontrolados não estão apenas colocando pressão sobre os recém-chegados, mas também desalojando inquilinos que não planejavam buscar outro lugar para morar agora. Ao se depararem com aumentos gigantescos no valor do aluguel, alguns estão dobrando ou triplicando o número de pessoas com quem dividem o imóvel, enquanto outros estão se mudando para bairros mais acessíveis, alimentando a concorrência em áreas como o Queens, onde o número de apartamentos disponíveis caiu pelo quinto trimestre consecutivo, para menos de nove mil, de acordo com a StreetEasy.

“Isso está levando a um agravamento em cascata da capacidade de pagar por algo no Queens e no Brooklyn”, disse Lee a respeito da migração.

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O Metropolitan Council on Housing, grupo que luta pelos direitos dos inquilinos, recebeu uma enxurrada de ligações de locatários cujos aluguéis subiram quantias enormes

“O que vimos durante e depois da pandemia é um nível totalmente novo de crise habitacional em uma cidade que está sempre tendo uma crise habitacional”, disse Andrea Shapiro, diretora dos programas e de ativismo da organização, que cuida da linha direta com os locatários.

No Waterside Plaza, prédio na região de Manhattan com 1.470 unidades, os inquilinos que assinaram contratos de aluguel durante a pandemia estão enfrentando aumentos de 50%, enquanto aqueles que se mudaram para o local antes estão vendo seus aluguéis aumentarem de 15% a 20%, de acordo com o deputado estadual democrata Harvey Epstein.

O setor imobiliário aponta para uma escassez constante de moradias exacerbada pela falta de novas construções e um fluxo de novos locatários como causas para a disparada dos aluguéis. Além disso, o aumento das taxas de juros expulsou aqueles que pensavam em comprar imóveis do mercado de vendas, colocando mais pressão sobre os aluguéis.

Nova York também está se recuperando de uma baixa no aluguel de dois anos, quando os proprietários viram o valor total do que recebiam diminuir conforme milhares de nova-iorquinos deixavam a cidade durante o lockdown, aumentando o número de imóveis vagos e reduzindo os valores cobrados. Apesar dos programas federais e estaduais de alívio econômico, como a lei Cares (acrônimo em inglês para Lei de ajuda, alívio e segurança econômica contra o coronavírus) e o Programa de Assistência de Aluguel de Emergência, alguns proprietários insistem que estão recuperando as perdas provocadas pela pandemia.

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“A crise imobiliária da cidade pode ser atribuída principalmente a décadas de produção inadequada de moradias para aluguel e às políticas de controle de aluguel do governo profundamente inadequadas que não conseguiram melhorar o acesso a moradia para o grande número de nova-iorquinos que precisam de assistência”, disse James Whelan, presidente do Conselho Imobiliário de Nova York, em um comunicado.

Mas a movimentação contínua para aluguéis mais caros incomodou até mesmo alguns grupos de proprietários.

“Olha, isso está fazendo nosso setor específico da indústria parecer ruim”, disse Vito Signorile, vice-presidente de comunicações da Rent Stabilization Association, organização que representa proprietários de apartamentos com alugueis estáveis, cujos aumentos são limitados e regulados pelo governo. Os aluguéis “vão ter que começar a baixar porque ninguém pode pagar por esses apartamentos com esses preços”.

Em junho, o Rent Guidelines Board, que regula o valor dos cerca de 1 milhão de apartamentos com aluguel estável da cidade, aprovou um aumento de 3,25% para os contratos de um ano e 5% para contratos de aluguel de dois anos, o maior aumento em quase uma década.

O New York Times conversou com mais de cem pessoas que disseram ser locatárias em Nova York e cujas vidas tinham virado de cabeça para baixo. Alguns inquilinos descobriram que seus apartamentos eram classificados como de aluguel estável e, portanto, nunca deveriam estar sujeitos a tais aumentos. Outros confrontaram os proprietários que não estavam dispostos a negociar aumentos que variavam de 10% a 100%, fazendo com que eles corressem para arranjar um segundo emprego, outras pessoas com quem dividir o apartamento ou novas casas. Alguns deixaram Nova York e foram viver com amigos ou familiares.

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Cathy, 42 anos, mudou-se depressa, pois sabia que nunca poderia pagar os US$ 2.800 por mês que o proprietário estava pedindo. “Acabei entrando em uma espécie de modo de sobrevivência”, disse ela. “Eu tive que pensar em que tipo de sacrifício estava disposta a fazer.”

Foi uma sensação diferente daquela de 2020, quando se mudou para o apartamento em Two Bridges. Um amigo com carro a ajudou a fazer a mudança e ela mobiliou a nova morada com uma “ida épica a um brechó em Nova Jersey”. Eles arrastaram os achados de segunda mão degraus acima até o quinto andar.

“Eu estava me sentindo em casa pela primeira vez. Procurava há muitos anos essa sensação de lar”, disse ela.

Cathy encontrou um apartamento com aluguel estável em maio, com dois quartos, no mesmo bairro, pagando quase o mesmo valor do apartamento anterior. O prédio não tem os acabamentos sofisticados do imóvel alugado com desconto covid. Como ele está de frente para a ponte de Manhattan, ela dorme na sala de estar, que é mais silenciosa do que qualquer um dos quartos. Mas os vizinhos são amigáveis e o zelador é atencioso.

No entanto, outros locatários não tiveram tanta sorte. Como Kellie Johnson, 39 anos, que teve de se mudar de forma inesperada quando estava grávida de oito meses.

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“Foi uma experiência muito traumática”, disse Kellie. Ela disse que o proprietário se recusou a dizer exatamente quanto o aluguel do apartamento de dois quartos em Upper West Side aumentaria em relação ao US$ 4.395 que ela pagava com o marido. Kellie disse que a imobiliária estimou um aumento de pelo menos 30%.

Em vez de arriscar com o incerto, ela e o marido se mudaram para um apartamento de dois quartos em Long Island City pouco antes de o contrato vencer e seis semanas antes do primeiro filho do casal nascer, passando a pagar um aluguel de US$ 5 mil.

“Isso partiu meu coração”, disse ela. “Morávamos naquele bairro há oito anos. Conhecíamos todos os porteiros e as pessoas do bairro. Tínhamos a esperança de misturar nossas vidas anteriores com nossas novas vidas, e essa foi uma oportunidade que não nos foi dada.”

Muitos nova-iorquinos se mudaram durante a pandemia em busca não apenas de aluguéis com preços melhores, mas de moradias melhores também. Caroline Lewis e a amiga com quem dividia apartamento trocaram um pequeno imóvel em Lower East Side, atormentado por baratas e aquecedores com vazamento, por um em East Village de três quartos com vista para o Parque Tompkins Square em outubro de 2020.

“De repente, podíamos nos dar ao luxo de ter um lugar com máquina de lavar louça, o que era bom, e minha cama não estava encostada em três das paredes do meu quarto”, disse Caroline, 25 anos, que trabalha com comunicações políticas, a respeito do espaço pelo qual pagava US$ 3.300 por mês.

Um ano depois, o proprietário aumentou o aluguel para US$ 4.700, um aumento de 42%, em um espaço de 11 meses. Em vez de se mudar, as amigas decidiram encontrar uma terceira pessoa para dividir o teto e as contas. Na semana passada, o proprietário aumentou o aluguel mais uma vez, para US$ 6.300, um aumento de 34% em relação ao ano anterior e de 91% em comparação com 2020.

Uma pesquisa no histórico de aluguel do apartamento mostra que o valor mais alto pago por ele tinha sido de US$ 4.700, em 2017.

“Foi um choque”, disse Caroline. Ela e as colegas se reuniram na sala de estar, fizeram cálculos e tentaram encontrar uma maneira de continuar ali. Entraram em contato com o proprietário e pediram para negociar o valor do aluguel. “As chances de isso acontecer são praticamente nulas”, disse Caroline. “Quase as mesmas de eu ganhar na loteria.”

Na segunda-feira, o proprietário entrou em contato e fez a contraoferta de US$ 5.800, ainda fora do alcance delas, mas perto o suficiente para tornar a decisão muito mais difícil.

“Não há o que se comemorar nessa situação”, disse Caroline, observando que a oferta também inclui um depósito de segurança adicional de US$ 1.700. “Ou pago US$ 500 por mês a mais e me endivido ou vou para casa dos meus pais e decepciono minha melhor amiga.”

Qualquer opção significa aceitar uma certa derrota. “Estávamos chegando a um ponto em nossas vidas em que tínhamos um apartamento que gostávamos, empregos estáveis e podíamos começar a aproveitar a cidade de verdade, sem nos preocuparmos com dinheiro o tempo todo”, disse Caroline. “Isso faria tudo mudar.”

Os inquilinos cujos contratos de aluguel ainda não venceram também estão preocupados. Jenika McCrayer, 31 anos, jornalista freelance, recentemente entrou em contato com o proprietário para negociar uma renovação de dois anos para o apartamento de um quarto em Bedford-Stuyvesant, sugerindo um aumento anual módico. Em vez disso, o proprietário disse a ela para esperar um aumento de um terço do valor atual, chegando a US$ 2.800, quando o contrato vencer em 2023.

Jenika estava horrorizada. O apartamento do Brooklyn foi alagado durante o furacão Ida, e o proprietário quase não fez qualquer reparo nele. Mas Jenika e o marido vivem no bairro há seis anos e querem continuar na comunidade onde construíram suas vidas. “Pedi por estabilidade [no valor do aluguel]”, disse ela sobre a ligação para o proprietário. Ele “refutou completamente a proposta”.

Tradução de Romina Cácia

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