Daniel Vogel é CEO da Bitso, empresa de serviços financeiros baseados em criptomoedas (Foto: Bitso)
Asstablecoins, criptomoedas atreladas a moedas fiduciárias, não possuem a mesma popularidade do bitcoin entre os investidores, mas já despertam a atenção de grandes players do sistema financeiro tradicional. Daniel Vogel, CEO da empresa do setor de criptoativos Bitso, atribui essa relevância ao potencial disruptivo que esses ativos digitais podem oferecer à economia nos próximos anos, especialmente no que se refere às transferências financeiras entre países.
Os meios de pagamentos, segundo o executivo, ainda utilizam infraestrutura baseada na confiança entre os parceiros comerciais. Com o uso da rede blockchain (sistema de registro descentralizado de transações em uma rede de criptoativos, que funciona como uma espécie de livro-razão imutável), esse elemento poderá ser eliminado, viabilizando transferências internacionais quase em tempo real e com custos mais baixos.
“A grande novidade das stablecoins é que, pela primeira vez, temos uma tecnologia de pagamentos aberta para qualquer pessoa no mundo. Isso pode conectar os sistemas de pagamento entre si”, diz o CEO da Bitso
Em 2025, esse mercado sofreu uma grande virada com os avanços regulatórios, especialmente nos Estados Unidos. Em julho passado, o presidente americano Donald Trump sancionou a lei GENIUs Act, responsável por criar uma série de regras para a emissão de stablecoins e procedimentos para casos de insolvência (falência) desses ativos. Como mostramos nesta reportagem, a novidade pode destravar o crescimento desse mercado ao reduzir a maior parte dos riscos que impediam a adoção massiva das stablecoins pelas instituições financeiras tradicionais.
Isso acontece porque, além de definir um marco regulatório para o universo cripto, a legislação resgata a credibilidade desses ativos digitais. Em 2022, por exemplo, a indústria viu a sua imagem arranhada com o colapso do ecossistema Terra Luna, responsável pela stablecoin UST. O ativo digital criado para ter uma paridade de 1 a 1 com o dólar americano sucumbiu em um único dia após sofrer um resgate em massa dos investidores. Relembre o caso nesta reportagem.
E-Investidor – Por que as stablecoins podem ocupar um papel relevante no sistema financeiro tradicional?
Daniel Vogel – Atualmente, há sistemas de pagamento diferentes no mundo. Alguns são muito bons, como o Pix, e outros ruins, como o ACH (sistema de pagamentos dos EUA). A grande novidade das stablecoins é que, pela primeira vez, temos uma tecnologia de pagamentos aberta para qualquer pessoa no mundo. Isso pode conectar todos os sistemas de pagamento globais. Acreditamos que, com o tempo, haverá uma grande disrupção nos meios pagamentos por meio das stablecoins, que farão pagamentos globais mais rápidos, com custos menores e capacidade de operar 24 horas por dia.
Daniel Vogel é CEO da Bitso, empresa de serviços financeiros baseados em criptomoedas (Foto: Stablecoin Conference 2025)
Então o Sr. entende que as stablecoins podem se tornar o principal meio de pagamento entre países nos próximos anos?
Eu acredito muito nisso. Pagamentos transfronteiriços hoje no sistema financeiro tradicional exigem muita confiança. É preciso construir relações de um-para-um para estabelecer essa confiança. E uma das vantagens das stablecoins é que elas removem essa necessidade de confiança. Basicamente, você pode mover o dinheiro facilmente entre fronteiras sem ter que realmente depender de um terceiro confiável. Minha impressão é que a adoção desta tecnologia só vai crescer.
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E no Brasil, como essa realidade está se formando?
O Brasil tem um sistema interbancário fantástico chamado Pix, que é muito simples e todo mundo usa. Mas acredito que as stablecoins têm um papel importante nas transferências internacionais. Enquanto mover real hoje é muito fácil, ainda é muito difícil tirar ou trazer dinheiro para o Brasil. Por isso, vemos muito crescimento em stablecoins nas empresas brasileiras que importam ou exportam mercadorias. O sistema bancário atual pode fazer transações transfronteiriças, mas ainda é lento, caro e trabalhoso. Agora, as empresas podem realizar essas operações de forma rápida, fácil e econômica.
É neste segmento que a Bitso pretende focar seus negócios no Brasil?
Estamos construindo uma infraestrutura no país. Temos licença de instituição de pagamento, conexão com o Pix e parcerias de liquidez para integrar a moeda brasileira e ativos digitais. Nosso foco principal é o mercado B2B (modelo de negócio em que as empresas vendem serviços para outras empresas), ajudando empresas que precisam mover dinheiro para dentro e fora do Brasil de forma mais rápida, barata e eficiente. É nesse espaço que estamos apostando e também onde temos visto maior demanda do mercado.
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Com esses benefícios, as stablecoins podem se tornar ativos mais relevantes do que o bitcoin no mercado cripto?
Ambos têm papéis diferentes. O bitcoin fez muitos avanços para se tornar uma espécie de reserva de valor, mas ainda é muito especulativo e muito risco envolvido. Enquanto as stablecoins já estão sendo ativamente usadas para pagamentos, também como reserva de valor, mas um tipo diferente de reserva de valor: um ativo não volátil. Essa questão sobre o que será mais relevante depende de para quem você pergunta. Acredito que investidores continuarão querendo investir muito em bitcoin. Já as empresas que estão tentando aproveitar a tecnologia para pagamentos vão usar muito mais as stablecoins.