O que este conteúdo fez por você?
- Por enquanto, poucos projetos de criptomoedas tiveram “utilidade tradicional” – resolver problemas que existem para pessoas fora do mundo das criptomoedas
- Helium é uma rede de conexão sem fio descentralizada para dispositivos que operam com a “internet das coisas”, e funciona com criptomoedas
- Plataforma se tornará mais útil nos próximos meses, pois novos tipos de pontos de acesso para 5G vão permitir o envio de dados pela rede em velocidades mais altas
(Kevin Roose, The New York Times) – Uma das perguntas mais feitas por aqueles que não confiam nas criptomoedas é: o que você pode mesmo fazer com criptomoedas, além de especulação financeira e cometer crimes?
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Trata-se de uma pergunta difícil de responder, em parte porque a maioria dos usos bem-sucedidos (e legais) das criptomoedas até agora foram em áreas financeiras ou relacionadas a elas. Existem muitas exchanges de criptomoedas, plataformas de negociação de tokens não fungíveis (NFTs) e videogames que envolvem a compra e venda de tokens de criptomoedas.
Mas, por enquanto, poucos projetos de criptomoedas tiveram o que eu chamaria de “utilidade tradicional” – resolver problemas que existem para pessoas fora do mundo das criptomoedas, que não são, em sua maior parte, sobre compra ou venda de ativos digitais, e que seriam impossíveis de resolver com tecnologia normal e sem criptomoedas.
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No entanto, recentemente descobri um projeto que faz isso.
Ele se chama Helium. E embora não seja um projeto de criptomoeda que receba tanta atenção – não envolve nenhum macaco de desenho animado ou cópias da Constituição – testá-lo me ajudou a entender como uma criptomoeda pode ser bastante útil para resolver certos tipos de problemas.
Fundamentalmente, o Helium é uma rede de conexão sem fio descentralizada para dispositivos que operam com a “internet das coisas” e funciona com criptomoedas.
A rede é composta por dispositivos chamados de Helium Hot Spots (pontos de acesso ao Helium), gadgets com antenas que podem enviar pequenas quantidades de dados para longas distâncias usando frequências de rádio.
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Esses pontos de acesso, que custam aproximadamente US$ 500 cada e podem ter um alcance 200 vezes maior que os pontos de acesso de Wi-Fi convencionais, compartilham a banda larga de seus proprietários com dispositivos conectados à Internet nos arredores – como parquímetros, sensores de qualidade do ar ou utensílios de cozinha que funcionam com Internet.
Qualquer pessoa pode usar a rede do Helium, embora a maioria de seus usuários até agora sejam empresas como a Lime (que usou o Helium para ficar de olho em seus patinetes conectados) e a empresa de controle de roedores Victor (que usa a rede para uma nova linha de armadilhas conectadas à Internet). Mais de 500 mil pontos de acesso ao Helium estão em uso em todo o mundo, com milhares sendo adicionados à rede todos os dias.
E é aqui que entra a parte com criptomoedas: além de transmitir dados, os pontos de acesso ao Helium recompensam seus proprietários por participarem da rede criando unidades de uma criptomoeda chamada $HNT. Esses tokens podem ser comprados e vendidos no mercado aberto como qualquer outra criptomoeda, e quanto mais um ponto de acesso é usado, mais tokens $HNT ele gera.
A Helium, fundada em 2013, não começou como uma empresa de criptomoedas. No início, seus fundadores tentaram construir uma rede de conexão sem fio ponto a ponto de longo alcance do jeito tradicional – convencendo pessoas e empresas a instalarem pontos de acesso e conectando-os. Mas eles tiveram dificuldades para conseguir participantes suficientes e a rede deixou de funcionar.
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Frank Mong, diretor financeiro da Helium, disse-me que a empresa estava ficando sem dinheiro em 2017 quando um engenheiro sugeriu, durante uma reunião informal com toda a equipe bebendo uísque, que mais pessoas talvez estivessem dispostas a instalar pontos de acesso se pudessem ganhar criptomoedas por fazer isso.
“Esse modelo de incentivo, impulsionado por criptomoedas, de fato fazia sentido neste caso”, disse Mong.
Então, a empresa deixou para trás o antigo modelo de negócios e adotou um novo. Em vez de construir a própria rede, a Helium a tornaria completamente descentralizada e permitiria que os próprios usuários a construíssem comprando e conectando seus próprios pontos de acesso. Os participantes seriam pagos com tokens de criptomoedas e teriam direito de votar nas ideias propostas para mudanças na rede. Se o preço desses tokens aumentasse, eles ganhariam ainda mais dinheiro e instalariam mais pontos de acesso.
O novo modelo, lançado em 2019, foi um sucesso. Os fãs de criptomoedas correram para instalar pontos de acesso da Helium e começar a gerar tokens da moeda digital. Eles trocavam dicas no Reddit e no YouTube para aumentar o alcance de seus pontos de acesso, fixando-os em prédios altos ou colocando antenas em seus telhados. Alguns proprietários de pontos de acesso afirmam ter ganho milhares de dólares por mês dessa forma, embora os lucros tenham diminuído conforme mais pontos foram adicionados à rede.
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Pelo que aprendi, este é um dos superpoderes da criptomoeda – o talento para tirar projetos do papel dando um incentivo para que outros possam se tornar parte de uma empresa em seu estágio inicial. Nem tudo pode ser melhorado apenas adotando um esquema de mineração de criptomoedas.
Mas, no caso da Helium, a criptomoeda fazia sentido como um modo de incentivar a participação e dar aos proprietários de pontos de acesso a satisfação de construir algo a partir daquilo que possuíam.
Arman Dezfuli-Arjomandi, programador que vive na Filadélfia e apresenta um podcast sobre a Helium, disse-me que a descentralização da rede era seu maior ponto forte nas vendas.
“Se essa rede fosse construída em alguma plataforma centralizada, sempre haveria a chance de abertura de capital da plataforma ou de ela ser adquirida e, de repente, toda essa infraestrutura física que foi construída por um monte de pessoas ficaria nas mãos de qualquer empresa que a comprasse”, disse ele.
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Consegui encontrar muitos motivos para gostar do Helium. Ao contrário de muitos projetos de criptomoedas, trata-se de um produto real usado por pessoas e empresas reais todos os dias. Aqueles envolvidos nele não são especuladores audaciosos, e a maioria parece estar genuinamente interessada em criar uma rede de conexão sem fio descentralizada. (Uma regra fundamental do servidor de bate-papo do Helium no Discord, com 140 mil participantes, é que você não tem permissão para discutir preços de tokens.)
E o Helium se tornará mais útil nos próximos meses, pois novos tipos de pontos de acesso para 5G vão permitir o envio de dados pela rede em velocidades mais altas.
Além disso, o blockchain do Helium é protegido com um tipo de algoritmo conhecido como “proof of coverage” (prova de cobertura), que requer muito menos energia do que os algoritmos de “proof of work” (prova de trabalho), usados pelo Bitcoin e outras criptomoedas, o que o torna consideravelmente menos prejudicial ao meio ambiente. (O Helium diz que seus pontos de acesso usam aproximadamente a mesma quantidade de energia que uma lâmpada de 5 watts.)
Só para ter certeza de que não estou sendo enganado aqui, façamos o Helium passar pelo meu teste de utilidade tradicional.
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Ele resolve um problema não relacionado ao mundo das criptomoedas? Sim. Existem milhões de dispositivos conectados no mundo, e conectar esses dispositivos à rede do Helium é muito mais barato do que comprar para cada um deles um plano de dados para celular. Devido ao longo alcance dos pontos de acesso, a rede do Helium também pode chegar até aqueles lugares em que as tradicionais redes de Wi-Fi e de celulares não conseguem.
É útil para algo além da especulação? Mais um sim. A rede do Helium tem valor por si só e, embora os proprietários de pontos de acesso possam (e consigam) lucrar quando o preço do $HNT sobe, a principal forma de ganhar dinheiro é adicionando novos pontos de acesso, e não por negociações de day-trade de tokens $HNT em uma exchange de criptomoedas.
O Helium poderia ter dado certo sem usar a tecnologia de criptomoedas? Na verdade, não. A empresa tentou funcionar sem ela e quase faliu. Mas adicionar tokens ao seu modelo de negócio resolveu o que os especialistas em tecnologia chamam de “problema do começo frio” – que diz respeito à dificuldade de atrair os primeiros usuários para uma nova rede porque ela ainda não é muito valiosa.
O Helium não é perfeito. Como muitos projetos de criptomoedas, ele existe dentro de uma área regulatória não muito clara e os usuários podem passar pela experiência de choque se Washington decidir fechar o cerco. (Reguladores federais sugeriram que muitos tokens de criptomoedas talvez sejam qualificados como títulos, o que poderia tornar os proprietários de pontos de acesso do Helium sujeitos a todos os tipos de leis espinhosas de títulos).
E neste momento, a maioria dos pontos de acesso está em cidades de alta densidade populacional, tornando-os menos úteis para pessoas em áreas mais remotas.
Instalar um ponto de acesso do Helium em sua casa talvez também viole tecnicamente os termos de serviço do seu provedor de Internet, pois envolve a revenda de uma parte de sua banda larga. Os termos de serviço para assinantes do Xfinity da Comcast, por exemplo, proíbem o uso de sua conexão “para qualquer finalidade que não seja uso residencial pessoal e não comercial”. Até agora, os provedores de serviços de Internet não fizeram valer a lei contra os usuários em massa do Helium, mas isso pode mudar.
“Esperamos que os provedores de Internet tenham a mente aberta para investigar do que se trata o Helium”, disse-me Mong.
O que eu gosto no Helium, apesar dessas limitações, é que ele tem evitado em grande parte a promoção exagerada que costuma cercar muitos projetos de criptomoedas. Ele não promete revolucionar os negócios e a cultura, nos salvar da censura do governo ou mudar a estrutura do cotidiano de nossas vidas. Trata-se apenas de uma parte útil da infraestrutura do mundo real conectada a um esquema de mineração de criptomoedas que permite que tudo funcione sem uma grande empresa como intermediária.
Estou testando um minerador do Helium em meu escritório em casa há quase uma semana. É uma caixa dourada, mais ou menos do tamanho de um baralho, com uma longa antena no topo. Nos primeiros dias, depois de conectá-lo ao meu roteador de Wi-Fi, ele gerou cerca de US$ 7 em $HNT – não é um valor enorme, mas o suficiente para que, se eu o deixasse funcionando por alguns meses, pudesse pagar pelo custo do dispositivo. (Vou enviar o dispositivo de volta para a Helium e me desfazer de todos os tokens que eu ganhar).
Participar da rede do Helium, mesmo que por tão pouco tempo, é bom. Estou ganhando um pouco de dinheiro, enquanto permito que dispositivos na minha vizinhança se conectem à Internet de forma mais barata. Vou me rebelar da maneira mais comum e com menor risco possível. Mas depois de alguns dias, entendi o apelo emocional de outros esquemas baseados em criptomoedas, que recompensam você por se arriscar em algo novo e questionável.
Não vou ficar rico com os tokens do Helium. Mas nem todo projeto de criptomoeda precisa ser um bilhete de loteria disfarçado. Talvez, para alguns, ser útil seja suficiente. //TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA