Os lançamentos também estão a todo vapor. Nos últimos 12 meses, foram mais de 50 novos ativos listados na B3. Em termos de comparação, a indústria demorou quase 15 anos para superar a marca de 15 ETFs disponíveis.
Hoje, há mais de uma centena de produtos com estratégias sofisticadas de renda variável – de ações globais, criptomoedas e commodities – a produtos de renda fixa, local e global. O produto virou queridinho da alta renda e tem potencial de se tornar o principal veículo de investimento do futuro. Ao menos, na visão dos especialistas e entusiastas do tema que estiveram reunidos na ETF Week, evento realizado pela B3 na srmana passada, em São Paulo.
Estivemos por lá para acompanhar a discussão de um mercado que parece cada vez mais engrenado. Aqui estão as principais tendências discutidas no evento:
Bull market à vista
O mercado brasileiro parece estar se preparando para um novo “bull market”, nome dado àqueles período em que as cotações dos ativos de renda variável sobem por um tempo prolongado. Muito disso tem a ver com o ciclo de juros: a taxa Selic de 15% fez o investidor ficar estacionado na renda fixa e no CDI, mas isso deve mudar à medida em que o Banco Central inicie o ciclo de afrouxamento monetário, provavelmente em 2026.
A queda de juros no exterior também deve ajudar, favorecendo a entrada de capital internacional em emergentes – uma história que já está impulsionando a Bolsa a patamares recordes neste ano.
Quando esse fluxo de investidores voltar, os ETFs devem capturar parte disso. Essa é a expectativa de Danilo Gabriel, sócio e gestor da XP Asset.
Segundo ele, o mercado de ETFs no Brasil ainda está bem abaixo do seu potencial, diante dos US$ 15 trilhões em ativos que essa indústria já atingiu globalmente, segundo dados da Bloomberg Intelligence. Com isso, espera-se que o mercado “pode dobrar, triplicar e até multiplicar por dez” durante o próximo ciclo altista da Bolsa brasileira, avaliou o gestor.
“Estamos aguardando um ‘bull market’ na Bolsa, e acho que desta vez vai ser diferente do que foi entre 2017 e 2021, quando os gestores ativos se destacaram. O mercado de gestão passiva, nos ETFs, está preparado para capturar esse fluxo e será o futuro da alocação no Brasil”, afirmou.
O entendimento é que, com a queda da Selic, o investidor vai se ver obrigado a mexer a carteira e deve voltar a olhar para ativos listados. Até isso acontecer, a discussão de modelos de assessoria pode estar mais consolidada graças à CVM 179. É uma união de transparência de informação para um produto que é mais barato e eficiente que os tradicionais fundos multimercados ou de ações, com um momento que tende a ser de maior apetite a risco por parte do investidor. Segundo os especialistas, isso pode ajudar a indústria de ETFs a crescer de forma relevante nos próximos anos.
Em direção às tendências no exterior: fee based e novos produtos
Lá fora, a indústria de ETFs é muito mais desenvolvida. Nos Estados Unidos, o produto soma US$ 15 trilhões sob gestão, com mais de 12 mil ativos listados em Bolsa e é tido como o benchmark que o Brasil pode e deve se inspirar.
O boom do segmento nos EUA aconteceu, dentre outros fatores, ao mesmo tempo em que o modelo de fee based se popularizou por lá. Nesse modelo, a remuneração dos assessores de investimento acontece por valor fixo mensal sobre os serviços cobrados e não via taxa de comissão pelo produto vendido. O argumento é que, no fee based, o profissional fica mais incentivado a atuar pelo benefício do cliente, já que o seu pagamento não se altera pelo tipo de investimento que recomenda.
Segundo os especialistas, lá fora, isso fez com que ETFs fossem muito mais recomendados, porque são produtos de custo mais baixo do que fundos tradicionais, que oferecem acesso a uma gama de estratégias, além da facilidade de negociação por estarem listados na Bolsa. No Brasil, esses ativos não pagam rebates; na prática, isso significa que oferecem uma comissão mais baixa aos assessores do que outros produtos.
“70% dos assessores no mercado dos EUA recomendam ETFs e isso tem muito a ver com o fee based“, destacou Camila Faria de Castro, analista sênior de market structure na B3. “A transição veio por causa da previsibilidade e estabilidade das receitas do profissional; no comission based, isso depende de alcançar novos clientes. A estimativa é que isso tenha levado pelo menos seis anos nos EUA. No Brasil, a CVM 179 deve estimular.”
É quase uma unanimidade no ETF Week que a CVM 179, a regra da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) que determina a transparência nos custos e taxas dos produtos de investimentos vai impulsionar o fee based no Brasil. Assim como é consenso entre os especialistas que essa mudança deve levar cada vez mais brasileiros aos ETFs.
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Em termos de produto, o evento também deu sinais do que vem dando certo e atraindo fluxo de capital no exterior. São as tendências que estão em alta lá fora e que podem ser replicadas por aqui em algum momento.
Ben Jones, head of Americas Index Licensing at Nasdaq, destacou três: “ETFs ativos, que hoje representam cerca de 50% dos produtos nos EUA e os investidores de varejo adoram; também há um crescimento de produtos baseados em opções, além de ativos alternativos, como commodities”, pontuou. “Hoje vemos gestores tentando resolver problemas complexos com ETFs.”
ETFs ‘multiassets’ e criptomoedas
O mercado de ETFs no Brasil ainda fica muito atrás dos pares internacionais, é verdade. Mas isso não significa que os ativos brasileiros não podem ser disruptivos. Em oferta de produtos de criptomoedas e ativos que unam estratégias diferentes, o mercado local está na vanguarda.
E este último ponto deve se consolidar como uma tendência por aqui, apontaram os especialistas. Há alguns exemplos recentes, lançados em junho, que ajudam a explicar o funcionamento desse tipo de produto: o GOAT11 da Itaú Asset e o GBTC11, fruto da parceria entre Buena Vista e Hashdex.
O GOAT11 foi o primeiro ETF híbrido listado na B3, pensado para unir uma exposição de renda fixa e renda variável em um único ativo. 80% da carteira fica em títulos público indexados à inflação, enquanto 20% investe em renda variável nos Estados Unidos; é o “melhor do dois mundos”, como mostramos à época do lançamento. Depois, o GBTC11 veio para entregar ao investidor, em um único produto, uma 66% de exposição a ouro e 33% em bitcoin a partir de uma metodologia que vai rebalanceando o peso de cada ativo na carteira a depender de sua volatilidade.
“É uma tendência. Lá fora, isso acontece principalmente ligado a criptomoedas, cripto com renda fixa por exemplo, unindo uma alocação mais conservadora com algo agressivo”, disse Flavio Viegas, especialistas de produtos da Global X ETFs.
É um sinal de maturidade do mercado de ETFs, mas também de criptos, um outro tema em que o Brasil saiu à frente dos pares internacionais. O primeiro ETF brasileiro do segmento, o HASH11, foi lançado em 2021. Lá fora, os ETF de bitcoin só foram aprovados em 2024.
Agora, o próximo passo é incluir criptos em ativos com outras estratégias. “Criptomoedas vão ser uma classe muito útil para a construção de estratégias, não necessariamente só para o produto final. Isso vai acontecer nos próximos meses, anos; aí sim, o mercado vai estar maduro”, afirmou Henry Oyama, diretor de estratégias de investimento na Hashdex.
Avanços na agenda regulatória
Apontados como tendência no exterior, ETFs ativos, inversos e alavancados ainda não são permitidos no Brasil. Esse tipo de produto vem sendo cobrado por gestores e prometido por reguladores há algum tempo. O entendimento é que permitiria uma avenida de crescimento do segmento por aqui, ampliando o leque de estratégias para o investidor, fazendo frente aos fundos tradicionais e acompanhando o que já acontece de inovação em mercados maduros, como Estados Unidos e Europa há mais tempo.
A CVM estuda uma atualização regulatória do tema, para permitir esse tipo de lançamento por aqui. Marco Velloso, superintendente de Supervisão de Investidores Institucionais (SIN), vê o produto brasileiro defasado em relação aos pares internacionais e quer trazer ao mercado nacional todas as evoluções que são negociadas lá fora. Mas essa não deve ser uma conversa de curto prazo.
“O regulador não dá um passo sem ouvir o mercado e ele, por enquanto, está pedindo cautela para liberar ETFs ativos, um movimento regulatório que requer tempo e estudo. Está no planejamento, mas não para tão breve”, explicou. Leia aqui a fala completa do superintendente.
Preocupação com liquidez
Um tema que ainda preocupa os players da indústria é a liquidez. Por algum tempo, isso foi um receio que afastou investidores do mercado de ETFs. Hoje alguns dos principais ativos listados na B3 movimentam um fluxo diário relevante, permitindo que diferentes agentes comprem e vendam posições sem spreads muito relevantes.
Mas ainda é preciso avançar com isso, um ponto que também foi consenso no ETF Week. Não adianta expandir a prateleira de produtos se eles não tiverem liquidez suficiente para performar, destacou Thalita Forne, superintendente de equities da B3.
A Bolsa conta com a possibilidade de contratar formadores de mercado, uma instituição cadastrada que se compromete a manter ofertas de compra e venda de forma regular e contínua durante a sessão de negociação, fomentando a liquidez dos valores mobiliários e derivativos, facilitando os negócios e mitigando movimentos artificiais nos preços dos produtos. Isso é tido como um avanço na construção de liquidez do mercado.
“É um papel muito importante, não só para o mercado de ETFs, mas de ações. Quando o mercado está subindo, aqueles ativos que tem um formador de tela sobem mais; por outro lado, quando o mercado está depreciado, eles caem menos”, pontuou Forne. “Esse investidor em tela é super importante porque tem obrigações perante a B3, spread mínimos de compra e venda, quantidade em tela, presença nas sessões. Isso traz tranquilidade para o investidor porque ele sabe que, quando precisar comprar ou vender, ele terá uma contraparte.”