Retorno de 30% ao ano em ações: a fórmula da Ártica para driblar a volatilidade
Gestora conseguiu bons frutos mantendo a racionalidade em meio a volatilidade do Brasil; agora, vê a Bolsa ainda barata, mas acha que mercado pode pesar a mão na euforia com ciclo eleitoral à frente
Ivan Barboza, sócio-fundador e gestor de ações da Ártica. (Arte: Victoria Fuoco e Foto: Divulgação/Ártica)
As duas cartas de gestão mais recentes da Ártica Asset Management analisaram o ciclo de crises no Brasil e seus efeitos nos investimentos. Não é uma novidade que muitos investidores adotem um comportamento “maníaco-depressivo” — termo utilizado por Benjamin Graham para a volatilidade emocional que frequentemente domina os mercados globais, ora eufóricos, ora pessimistas demais.
Mas caminho de sucesso no longo prazo parece ser outro: conseguir manter a racionalidade. Foi assim que a Ártica alcançou 30% de retorno anual em seu principal fundo de ações, ignorando o ruído político e mantendo a alocação mesmo quando as ações brasileiras estavam em queda. Desde o Plano Real, foram dez períodos em que o Ibovespa caiu pelo menos 25% depois de atingir o pico em seis meses anteriores, mostra o estudo da gestora feito em agosto.
Manter a racionalidade tem se tornado cada vez mais difícil, especialmente em um mercado que, em menos de um ano, passou do pessimismo da crise fiscal — dólar a R$ 6,2 e IBOV a 120 mil pontos — para a euforia com as eleições de 2026, dólar a R$ 5,3 e Bolsa em recorde histórico de 145 mil pontos, sem grandes mudanças nas contas públicas.
Para Ivan Barboza, sócio-fundador e gestor de ações da Ártica, esses “solavancos” geram as melhores oportunidades. Mas é preciso lembrar que os problemas do Brasil são complexos, sem soluções rápidas ou salvadores, e que a racionalidade do mercado pode diminuir à medida que o ciclo eleitoral se aproxima.
“Hoje é mais fácil encontrar teses interessantes a preços razoáveis. Mas a narrativa da Faria Lima foca no que aconteceria se a centro-direita vencer as eleições, e é provável que o mercado exagere”, destaca. “Não sou cético quanto ao ciclo positivo, mas quanto à sua sustentabilidade. Não faço nenhum investimento hoje que aposte implicitamente nas eleições.”
Esse afastamento gerou bons frutos nos últimos anos. O principal fundo de ações da casa, o Ártica Long Term FIA, acumula 2.122% de retorno desde seu início em janeiro de 2013 ainda como um clube de investimentos. Nessa mesma janela, o Ibovespa deu 205%.
O tamanho do fundo, no entanto, não cresceu na mesma magnitude de seu retorno. Atualmente o FIA tem cerca de R$ 350 mil em PL, divididos entre pouco mais de 350 cotistas.
A Ártica não busca crescer a qualquer custo, evitando investidores de ‘curto prazo’ ou sensíveis à volatilidade — estratégia que permitiu à gestora atravessar tranquilamente os resgates bilionários registrados pelos fundos de ações nos últimos anos.
As cinco principais posições ilustram isso bem. Marcopolo (POMO4), uma empresa que produz carrocerias para ônibus em um País cuja frota ainda está velha. Fleury (FLRY3), um laboratório de exames diagnósticos com serviço de demanda estável e resiliente; Blau (BLAU3), uma farmacêutica com desenvolvimento de medicamentos no pipeline; Banco Mercantil (BMEB4), uma instituição financeira voltada ao atendimento 50+.
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Essas três teses têm um pano de fundo comum: o envelhecimento da população brasileira. A gestora se debruçou nisso na carta de gestão de maio deste ano. Enquanto o mercado olha para o curto prazo (e 2026), quer focar naquilo que os movimentos de juros ou a vitória de um candidato ou outro são incapazes de mudar.
E-Investidor – As duas cartas de gestão mais recentes da Ártica se debruçam sobre as crises das últimas décadas do Brasil e seus efeitos no mercado. Como isso dialoga com o momento atual?
Ivan Barboza – Essas cartas refletem meus estudos sobre crises no Brasil, não ligadas aos investimentos atuais, mas a uma visão de longo prazo. É preciso tomar distância: os problemas de hoje parecem sempre os maiores, mas já enfrentamos momentos piores, como em 2015, com o impeachment da Dilma, quando havia muito mais fragilidade institucional. A crise atual é de médio porte.
O que vimos nesses estudos é que a economia é fraca, mas o mercado exagera tanto para cima quanto para baixo. Essa volatilidade assusta o investidor médio, mas também cria boas oportunidades. Hoje está mais fácil encontrar teses interessantes em empresas razoáveis do que costuma ser no Brasil.
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No entanto, a narrativa atual é sobre o que acontecerá se Tarcísio ou outro candidato de centro-direita vencer em 2026, e o mercado está bastante otimista. Eu também sou otimista, mas com cautela: não será uma eleição ou um candidato que resolverá os problemas estruturais do país. Se vencerem, pode haver um período de euforia, mas é provável que se exagere nas expectativas. O Brasil exige soluções graduais, já que os problemas são profundos e não se resolvem com uma única reforma.
Então você é mais cético com o “trade eleitoral”, esse discurso que vemos no mercado que diz que uma vitória da centro-direita ano que vem deve levar a um boom na Bolsa?
Não sou cético com este ciclo existir, mas com a sustentabilidade dele. John Kenneth Galbraith escreveu “Uma Breve História da Euforia Financeira”, em que ele fala que quando um candidato de direita ganha, como a maior parte do empresariado é de direita, eles se animam só com o fato do presidente ter o mesmo alinhamento político. Isso leva a uma alta no mercado que geralmente tem seus excessos. É um livro que conta a histórias das bolhas – que não é o nosso estado atual, porque hoje estamos na depressão do ciclo, mas é pertinente ao clima atual. Mesmo que a direita ganhe, ainda precisa pagar a dívida pública, o problema da educação continua, o populismo segue lá.
Os nossos políticos poderiam ser melhores, mas não é só culpa deles. O setor privado faz muito lobby que é ruim para o País, a população também exige coisas que são ruins para o Brasil. Mesmo que apareça uma pessoa cuja proposta seja academicamente correta, ela não consegue implementar. O empresariado brasileiro também precisa parar de distorcer as regras boas do jogo, que é o que tipicamente acontece no Brasil.
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Nas cartas, você destaca que um dos acertos da gestão de ativos da Ártica nas últimas décadas foi conseguir ignorar o ruído político. Isso vai ser possível em 2026?
É mais um exercício de disciplina do que de inteligência. Todo mundo sabe que ano que vem vai ser uma eleição muito polêmica. Em tese, é só tomar cuidado para não fazer o que todo mundo vai fazer. Não tem muito truque. Eu tento ficar em posições que não dependem tanto dessa vitória da direita, empresas que têm menos interferência de questões políticas e macroeconômicas.
O mercado está dando como fato consumado que a centro-direita vai ganhar, eu acho muito difícil dizer isso hoje. A dinâmica de eleição já é difícil de prever três meses antes, imagina um ano. Não estou fazendo nenhum investimento hoje que seja uma aposta implícita. Quero negócios mais blindados a todo esse problema nacional.
O cenário é paradoxal: com juros altos e problemas fiscais ainda sem solução, o IBOV bate máximas históricas. A Bolsa continua barata ou já entrou em um ciclo de euforia?
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Está barata ainda. Em um prazo longo, estamos cerca de um desvio padrão baixo do preço médio da Bolsa brasileira, que já tem uma componente forte de confusões políticas e macroeconômicas. É um patamar muito mais baixo que a média americana, por exemplo. A Bolsa subiu muito esse ano, mas viemos de alguns anos sofridos. As empresas deram resultados muito bons e foram andando, mas os múltiplos ainda estão baixos. Não é como se estivéssemos pagando caro pelo que elas geram.
Essa euforia exagerada só acontece depois de queda de juros, que ainda estão muito contracionistas. Assumindo que alguém de centro-direita ganhe as eleições, o primeiro ano vai fazer todo sentido uma alta. É no segundo e no terceiro ano de mandato que o pessoal tende a se emocionar e depositar esperanças demais, se o discurso é bom.