A ideia é unir a carteira de investimentos com o planejamento financeiro e patrimonial do cliente, em um modelo de negócios independente, que cobra um preço fixo para não depender do comissionamento vindo da venda de produtos, como acontece nas assessorias. Por isso, é defendido como algo que pode reduzir o conflito de interesses e entregar ao investidor um atendimento mais alinhado com seus próprios interesses.
O modus operandi já é consolidado nos multi familly offices. Agora, os dados de mercado mostram que as consultorias começam a chegar ao investidor de alta renda e varejo. Uma mudança importante na forma de enxergar o relacionamento de longo prazo com o cliente, que está acontecendo aos poucos, mas que promete ter vindo para ficar.
Ao menos, é isso que esperam Renato Breia e Jaqueline Burity, sócio-fundador e sócia responsável pela área Wealth B2B da Nord Investimentos; Patrícia Lima, fundadora da iaas!, e Pedro Araujo, vice-presidente de Wealth Business Development da BlackRock.
Para Breia, esta será a 3ª onda do mercado financeiro, impulsionada por mudanças regulatórias e certo amadurecimento do investidor, disse em evento realizado pela Nord Wealth na última semana. A primeira, foi ligada aos bancos; a segunda, às fintechs que promoveram e ampliaram o acesso às assessorias de investimento.
O exemplo internacional mostra isso. E é possível unir boa parte dos pontos apresentados pelos especialistas no evento da Nord Wealth aos dados da Investment Advisers Statistics, pesquisa anual realizada pela U.S. Securities and Exchange Commission (SEC), a “CVM dos Estados Unidos”. Por lá, o número de RIAs, sigla para regulated investment advisor, carreira equivalente a do consultor CVM no Brasil, cresceu de 11,7 mil em 2010 para 15,9 mil em 2025.
Cerca de 78% dos profissionais cobram pelos serviços a partir de uma remuneração fixa, que pode envolver também performance da carteira ou horas trabalhadas. Só 4,7% dos RIAs ainda não oferecem a opção fee-based com base no patrimônio sob gestão.
“Muita gente brinca que o mercado brasileiro é o mercado dos EUA, mas com atraso. É preciso estar ciente de que isso vai chegar no Brasil com força”, diz Pedro Araujo, da BlackRock.
O modelo de consultoria é vendido no mercado como uma alternativa menos “conflitada” em relação às assessorias. Como a remuneração dos profissionais não depende da comissão recebida pelos produtos, tampouco fica dependente de uma única distribuidora, a gestão da carteira pode ser independente; e mais alinhada com o perfil de risco e objetivos do cliente.
Mas não é só isso. Na visão dos especialistas, o consultor consegue avaliar a vida financeira como um todo, conectando o investidor a outros tipos de serviços para além da gestão da carteira.
Nos EUA, a Investment Advisers Statistics de 2024 mostra que o número de consultores oferecendo serviços além do planejamento financeiro – como seguros, planejamento tributário e sucessório, offshores – subiu para 45,2%. Em 2000, era de 32%. “O trabalho engloba todas essas etapas do planejamento financeiro, tributário, sucessório. Em algum momento, o consultor deveria mirar nas bases do que é um financial planner dos EUA”, diz Breia.
Sem o dilema do comissionamento, com a remuneração garantida e podendo oferecer uma assessoria mais completa ao cliente, a tendência é que esse modelo faça muitos profissionais migrarem das assessorias para as consultorias. Coisa que também já aconteceu no exterior. Hoje, há cerca de 2 mil consultores cadastrados na CVM e os especialistas são unânimes em dizer que esse número vai aumentar.
“O assessor está se questionando por quanto tempo consegue manter o relacionamento com o cliente sendo o tempo inteiro cobrado por remuneração, vira uma questão para quem pensa no trabalho no longo prazo. E consultoria entra como um solução para fazer isso de uma forma mais alinhada”, destaca Jaqueline Burity, sócia responsável pela área Wealth B2B da Nord.
O modelo ganhou uma chancela importante nos últimos meses. A XP, que popularizou o negócio de assessorias no Brasil, anunciou seu braço de consultoria focado em atender clientes com mais de R$ 1 milhão investidos. Uma estratégia “multicanal” que vai permitir ao cliente escolher o tipo de atendimento que deseja – e que posiciona a empresa para capturar a expansão do fee-based no País.
Desafio é escalar
Como a Nord Wealth, que está nesse mercado há cinco anos e hoje tem cerca de R$ 8 bilhões em ativos sob custódia (AuC), há outros negócios já consolidados. A Portfel, do Grupo Primo, atingiu recentemente R$ 11 bi em AuC e planeja chegar a R$ 100 bi em cinco anos atendendo um público com tíquete menor, a partir de R$ 100 mil investidos. Veja a entrevista com o novo CEO da empresa.
As duas empresas, junto ao Clube do Valor, Simpla Invest e Apen Capital, foram eleitas as melhores consultorias pela XP na última quinta-feira (24), durante a Expert XP 2025.
Muitos outros estão surgindo. Alguns, do zero. Outros, dentro de corretoras, bancos e multi family offices como uma forma de angariar novos clientes. Mas escalar os negócios até os bilhões em AuC ainda é um desafio para boa parte das consultorias iniciantes.
Patrícia Lima, da iaas!, destaca que parte do problema é operacional, ou seja, como manter e adaptar as plataformas para atender cada vez mais clientes. “O que vemos nas consultorias é que elas não conseguem passar a arrebentação não por não terem bons relacionamentos, mas porque têm dificuldade de atender o cliente dentro de casa”, diz.
Ela faz um paralelo com o boom das assessorias, visto há alguns anos no mercado. Muitas casas surgiram e, por serem plugadas às plataformas de distribuição, tinham ajuda para escalar. “A consultoria, por ser independente, não tem isso.”
O que tem acontecido muito são consultorias já consolidadas desenvolverem a área de B2B, os serviços de gestão de patrimônio oferecidos por empresas a outros players. A Nord Wealth tem esse foco, uma atuação comandada por Burity para colocar a companhia como um consolidador de mercado. Assim, ajuda novos negócios a escalar, enquanto expande a marca para públicos e regiões que não alcançaria sozinha.