Financiar imóvel usado com o Minha Casa, Minha Vida. Foto: Adobe Stock
Demorou para o arquiteto Fernando Paiva, 52, encontrar o apartamento de três quartos na Mooca, zona leste de São Paulo. O imóvel, aconchegante e bem iluminado, parecia perfeito para acomodar sua mulher e seus dois filhos. No contrato, a imobiliária garantiu que pequenos reparos, como infiltrações, tomadas quebradas e o piso desgastado, seriam resolvidos antes da entrega das chaves. Mas a promessa ficou só no papel.
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Dias de frustração e inúmeras mensagens sem resposta se transformaram em discussões acaloradas com o proprietário, ofensas e até ameaças de processo. Depois de semanas de impasse, Paiva conseguiu cancelar o contrato sem gerar multa, encerrando uma negociação que, segundo ele, “começou com empolgação e terminou em exaustão”.
“É inadmissível alugar um imóvel e não se responsabilizar pelos problemas que já existiam antes da entrada do inquilino, achando que ele deve simplesmente aceitar e pagar do próprio bolso para resolver. É, no mínimo, desrespeitoso e injusto com quem fechou negócio”, diz o arquiteto.
Conflitos entre proprietário e inquilino, como foi o caso de Paiva, não são raros de encontrar. Entre os mais frequentes estão atrasos na entrega das chaves, divergências sobre reajustes e rescisões antecipadas, além de discussões sobre quem deve arcar com determinados reparos, principalmente quando se trata de desgaste natural ou falhas estruturais. Há também problemas com atrasos no pagamento de aluguel, uso inadequado do espaço, impasses envolvendo a devolução do imóvel sem pintura, retenção indevida de caução e benfeitorias realizadas sem autorização.
As infrações podem recair tanto sobre o locador quanto sobre o locatário. Quando o inquilino descumpre o contrato, há risco de ação de despejo, que rompe o vínculo contratual e pode deixá-lo sem moradia. Por outro lado, quando o problema parte do proprietário, o inquilino pode buscar indenização ou até rescindir a locação. “Boa parte dos problemas nasce da falta de clareza contratual, vistoria mal feita, além da falta de uma minientrevista com o possível inquilino. Esses são os três pilares de uma boa locação”, começa Douglas Vecchio, CEO da Onda, empresa de tecnologia para o mercado de locações.
“É muito comum estarmos diante de contratos com cláusulas genéricas sobre manutenção, reajuste e garantias do aluguel. Quanto à vistoria, é imprescindível ter fotos e vídeos específicos e com boa resolução, testes elétricos e hidráulicos e, se for o caso, móveis. Além da obviedade da assinatura das partes. Em caso de discussão judicial, essa é a prova mais valiosa para ambas as partes”, completa.
A Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245/1991) existe justamente para equilibrar a relação entre quem aluga e quem mora no imóvel, indo além do que prevê o Código Civil e incorporando regras de boa-fé e bons costumes. O proprietário precisa entregar o apartamento ou casa em condições adequadas, garantindo que o inquilino possa usar o espaço sem problemas e respondendo por qualquer defeito que já existisse antes da locação, inclusive até aqueles que ele nem sabia que estavam lá.
Para o inquilino, o combinado é simples: pagar o aluguel e encargos em dia, cuidar do imóvel como se fosse seu e avisar imediatamente caso surja algum problema, seja da responsabilidade do locador ou causado por si, familiares ou visitantes. Se o inquilino fizer reparos sem informar o locador, perde o direito de pedir compensação.
Mas as obrigações vão além do imóvel. O inquilino também arca com contas de luz, água, gás e despesas de condomínio durante o período da locação, além de entregar ao proprietário documentos de cobrança de tributos, multas ou exigências de órgãos públicos, mesmo que não estejam dirigidos a ele. O locador, por sua vez, precisa cumprir sua parte, pagando tributos que não foram repassados e respeitando todas as cláusulas do contrato. Direitos e deveres também podem ser definidos em cláusulas específicas de cada contrato, reforçando a responsabilidade mútua.
Já as pequenas manutenções decorrentes do uso cotidiano, como troca de lâmpadas ou conserto de itens de desgaste natural, cabem ao inquilino. “Se o locador se recusar a realizar consertos urgentes, o locatário pode executá-los e depois descontar o valor do aluguel, desde que notifique formalmente o proprietário e comprove os gastos”, explica Daniela Poli Vlavianos, advogada do escritório Arman Advocacia.
O que a lei diz sobre inadimplência e devolução do imóvel
Vlavianos também explica que o atraso no pagamento do aluguel não passa impune: o locador pode cobrar multa e juros de mora, respeitando o limite legal de 10% sobre o valor do débito, e, se a inadimplência persistir, propor ação de despejo com base no artigo 9º, inciso III, da lei. Ainda assim, aponta, a legislação oferece uma chance ao inquilino: a purgação da mora permite quitar a dívida integralmente até a audiência de conciliação, evitando a rescisão do contrato.
Além disso, o atraso no pagamento é apenas uma das situações previstas na lei em que o proprietário pode solicitar a devolução do imóvel. Em regra, ele não pode reaver o bem antes do término do contrato, afirma Jennifer Melo Oliveira, advogada do Fabio Kadi Advogados. Mas a Lei do Inquilinato prevê exceções: o imóvel pode ser retomado por mútuo acordo, em caso de infração legal ou contratual, necessidade de obras urgentes, falta de pagamento do aluguel, ausência de garantia locatícia válida (como quando um fiador é exonerado e o inquilino não apresenta nova garantia em até 30 dias) ou ainda para uso próprio nos contratos por prazo indeterminado.
Como resolver impasses entre proprietário e inquilino
Nos casos de impasse entre inquilino e proprietário, os especialistas dizem que é possível buscar auxílio em órgãos de mediação antes de recorrer à Justiça. Os Procons estaduais e municipais orientam sobre direitos e deveres e podem promover conciliações extrajudiciais.
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Outra alternativa são os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc), vinculados ao Poder Judiciário, onde profissionais habilitados conduzem a mediação para tentar chegar a um acordo.
Quando não há consenso, a via judicial se torna necessária. É fundamental contar com um advogado especializado em direito imobiliário para propor ou responder ações de despejo, cobrança, consignação em pagamento ou revisão contratual.